Uma análise do VAR que, depois da Copa/18, veio mesmo para ficar
Num documento do Instituto Brasileiro de Direito Esportivo, o Dr. Felipe Legrazie Ezabella explica como já se tornou inevitável o árbitro de vídeo
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Fundado em 2001, sem fins lucrativos e sem ligação com clubes e entidades, o IBDD, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, congrega, como integrantes e consultores, os melhores profissionais do seu ramo no País. Especialista na evolução das regras do Futebol, desde a instituição da International Board em 1886, Felipe Legrazie Ezabella, sócio fundador do IBDD, acaba de produzir um texto de análise da utilização do VAR, o já celebrado Árbitro de Vídeo, na Copa da Rússia/2018. No seu documento, ele relembra como nasceu a International Board, uma ideia das quatro federações da Grã-Bretanha ( Escócia, Gales, Inglaterra e Irlanda), para que se unificassem as normas do Ludopédio que começava a cativar multidões. É a IB quem manda, mesmo, no Futebol.
Hoje, às quatro federações se somam, na Board, quatro representantes da FIFA. E só por maioria de seis votos se alteram as regras. Ou seja, foi dificílima a implantação do VAR – aconteceu apenas no 130º Encontro Anual da IB, em Março de 2016. Lembra Ezabella que em momento algum a Board pretendeu um acerto de 100% das posisões tomadas com o uso do VAR. Eis o seu conceito: “Interferência mínima com um benefício máximo”. Ezabella explica ainda que a intenção precípua do VAR não é verificar se uma eventual decisão do árbitro de campo foi correta. Mas, sim, exatamente o oposto, se a decisão do árbitro de campo foi claramente equivocada.
Importante, recorre-se ao VAR só em quatro situações: 1) marcações ou não de gols, 2) marcações ou não de pênaltis, 3) expulsão com cartão vermelho direto (não se revisa uma expulsão com o segundo cartão amarelo), 4) erro de identidade na aplicação de uma sanção. Mais: em todas estas situações o árbitro assistente de vídeo somente é utilizado após o árbitro principal tomar uma decisão (incluindo aquela de permitir que o jogo continue). Ou, no caso limite de algum incidente grave não ter sido observado.
Eis, na íntegra, diversas partes do documento de Ezabella, cujo teor indica objetivamente os procedimentos de uso do VAR de agora em diante:
* Apenas o árbitro pode iniciar uma revisão; o árbitro assistente e outros oficiais (os encarregados do VAR) podem somente recomendar uma revisão.
* O árbitro deve estar “visível” durante o processo de revisão para garantir a transparência do processo.
* A decisão final será sempre tomada pelo árbitro.
* Não há prazo para a tomada de decisão durante a revisão. A precisão é mais importante que a velocidade.
* Uma partida não pode ser invalidada por conta do mal funcionamento do sistema de vídeo, de uma decisão incorreta envolvendo o árbitro assistente de vídeo ou de uma decisão de não revisar um incidente.
* O árbitro assistente de vídeo verificará automaticamente todos os incidentes usando as imagens da emissora, não havendo a necessidade de treinadores ou jogadores solicitarem uma revisão.
* O árbitro pode parar o jogo para fazer uma revisão quando as equipes não estiverem numa boa posição de ataque.
* O árbitro indicará uma revisão sinalizando com as mãos o contorno de uma tela de televisão; uma decisão apenas poderá ser alterada se o sinal tiver sido feito.
* Para gols, penalidades e alguns cartões vermelhos, a revisão pode incluir a jogada de ataque que levou ao incidente (incluindo ganhar a posse da bola), mas não um reinício que iniciou o ataque.
* O árbitro pode tomar uma decisão de revisão com base apenas nas informações do árbitro assistente de vídeo ou depois de rever as imagens em campo.
* A revisão das imagens em campo geralmente será para decisões “subjetivas” e não para decisões de fato.
* Quando da revisão das imagens, na transmissão deverá ser utilizada a velocidade em “tempo real” nos casos de faltas, para verificar a intensidade, e nos casos de bola na mão, para verificar a intenção. A revisão com a velocidade das imagens em “câmera lenta” só será utilizada para identificar o ponto de contato nos casos de agressões físicas e de bola na mão.
* A assistência do VAR estará relacionada ao uso do(s) replay(s) do incidente. O árbitro tomará a decisão final que pode basear-se unicamente nas informações do VAR (...) e/ou nas suas próprias, revendo as imagens do replay diretamente (revisão das imagens em campo).
* Nas palavras do Presidente da FIFA Gianni Infantino, em artigo publicado ainda durante a Copa do Mundo, “o gesto do VAR ganhou o mundo” e “simboliza ... o alcance desta revolução”. Essas simples palavras deixam evidentes a relevância desse passo da FIFA e da The IFAB, essa quebra de preconceito contra o uso da tecnologia no esporte mais popular do planeta. São também palavras de alegria e de alívio pelo sucesso da nova regra que, obviamente, ainda deverá ser objeto de muitos questionamentos e de aperfeiçoamento.
* Ao gestual do futebolista (e de todos que acompanham o esporte) já foi incorporado o sinal de desenhar com as mãos um retângulo. Vimos isso ao longo da Copa do Mundo e veremos sempre de agora em diante.
* Temos que nos adaptar e entender as regras, os princípios, para não nos confundirmos com as dos demais esportes (no tênis é o atleta quem pede a revisão e todos acompanham pelo telão; no vôlei e nos esportes americanos, em sua grande maioria, é o treinador). Mas também podemos começar a pensar nos bons exemplos dos demais esportes para aperfeiçoarmos no futebol.
* Um dos principais desejos dos futebolistas é que treinadores ou capitães possam pedir (com um limite) a revisão de determinado lance. Vejam que tal desejo não se coaduna com os princípios básicos do sistema, uma vez que o protocolo determina que o árbitro assistente de vídeo revise automaticamente todos os lances, avisando o árbitro apenas se entender ter ocorrido um erro óbvio e claro.
* E para finalizar, se a Copa do Mundo não seria a mesma (menos justa e com resultados diferentes) sem o auxílio da tecnologia, temos certeza que as competições que adotarem o árbitro assistente de vídeo também passarão a ter mais credibilidade e justiça dentro de campo, sem evitarem a subjetividade nas decisões e a polêmica que nos move dia a dia.
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