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Silvio Lancellotti Copa 2018

Memorias da Copa 4: mesmo com chuva, 4 X 1 na "Squadra Azzurra"

Na véspera da decisão, o jantar num restaurante italiano e as provocações dos jornalistas da Bota, por causa do temporal que atrapalharia a seleção do Brasil

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

O "Capita" e a Taça: em definitivo no Brasil
O "Capita" e a Taça: em definitivo no Brasil

Não foi apenas o inesquecível privilégio de testemunhar a conquista definitiva da Taça Jules Rimet que eu pude saborear, na Cidade do México, em Julho de 1970. Além de acompanhar, no espetaculoso Estádio Azteca, dentre 107.000 pessoas, o triufo do Brasil sobre a Itália, 4 X 1, naqueles últimos dias de altiplano enfim nós, os enviados da Editora Abril, revistas “Veja” e “Placar, conseguimos comer uma legítima carne de boi de ótima qualidade. Um autêntico Chateaubriant (assim mesmo, com “t” no final) no restaurante do Hotel Stella Maris, que nos acomodava, e alguns opulentos grelhados numa vasta churrascaria, El Rincón Argentino,

Brasileiros num endereço platino? Problema nenhum, a equipe da nação vizinha não participou daquela Copa e o pessoal do atendimento, exclusivamente constituído por nativos locais, torcia pelo Brasil. Um companheiro inesperado, porém lógico, se incorporou à nossa brigada: Fernando Sandoval, o “Peixe”, freelancer de texto e fotos da “Veja”, meu amigo de escola. O “Peixe” havia viajado por conta própria, mas conhecia muito bem a capital do altiplano. Craque do Pólo Aquático, estivera na cidade durante os Jogos Olímpicos de 68, com a delegação do País. Além de nos cobrir em emergências profissionais, ele seria um guia fundamental naquela impressionante megalometrópole, já uma das maiores do planeta.

Uma cena do "Frontón"
Uma cena do "Frontón"

Por exemplo, o “Peixe” nos apresentou ao monumental Centro de Entretenimiento que, nas duas noites anteriores à decisão, nos regalou com um torneio de “Frontón”, ou a “Pelota Basca”, uma espécie de Squash gigante, no qual os contendores rebatem bolinhas com longas cestas numa das mãos. Também um veterano de passagens através da América Latina, o mestre Aymoré Moreira, o treinador do bi no Chile/62 e nosso comentarista exclusivo, sabia de todas as manhas que envolvem o “Frontón”, mais um jogo de apostas que um esporte. Enquanto os trouxas e os noviços, como eu, estupidamente detonavam seus pesos, o “Biscoito”, aqui e ali, beliscava a sua graninha.

Ainda graças ao “Peixe”, na véspera imediata da final nós jantamos num ristorante peninsular chamado La Pèrgola, exatamente um ponto de encontro dos enviados especiais da Bota. Chovia bastante. E, na mesa logo ao lado, depois de reconhecerem o nosso idioma, desandaram a ironizar: “Com o gramado pesado, brasiliani, amanhã adeus àquele seu estilo bonitinho de toque de bola”. Bem, conforme se sabe, o temporal cessou, a drenagem do Azteca devolveu o campo às condições ideais e a seleção de Zagallo sovou impiedosamente a “Squadra Azzurra” de Ferruccio Valcareggi.


Pelé celebra: 1 X 0
Pelé celebra: 1 X 0

Amanhecemos tensos naquele domingo, 21 de Junho. Eu, principalmente. Por mais que confiasse na minha cueca verde, nas meias amarelas, na camisa e na calça que não lavava desde a estreia diante da Tchecoslováquia, ou nas bênçãos de talismã do distintivo com a bicicleta do Pelé, eu, o motorista da turma, estava tão nervoso que esqueci o Michel Laurence no hotel. Apenas me apercebi daquela imperdoável falseta já diante do Azteca. Claro, o Michel deu um jeito e chegou no estádio antes de o combate se iniciar. Mas me olhou com aquele olhar de “eu pego você lá fora, pode me aguardar, seu molequinho safado”. Pelos 4 X 1, acabei perdoado...

Gérson arremata: 2 X 1
Gérson arremata: 2 X 1

Na verdade, briga só ocorreu, durante a pugna, com dois colegas de mídia, o Orlando “Eclético” Duarte, creio que de “A Gazeta Esportiva”, e Paulo de Aquino, o mano do José Maria, creio que do “Estadão”. A nossa posição, nas tribunas da Mídia, se localizava bem ao lado de onde se situavam os tifosi da Itália, meramente separados por um alambradinho. Pelá, de cabeça, inaugurou o marcador, 1 X 0. Mas, assim que a “Azzurra” igualou, 1 X 1, um casal desandou a provocar os brasiliani com palavrões e o famoso dedo-do-meio. A dupla nos enfernizou até os 65’, quando o Gérson “Papagaio” cravou um petardo fatal de canhota, 2 X 1. Um dos tentos mais lindos que vi.


Carlos Alberto arremata: 4 X 1
Carlos Alberto arremata: 4 X 1

Vendetta. Num rompante, do nada, o Orlando e o Paulo explodiram. Faltou bem pouco para que não pulassem o alambradinho. Precisei impedir que o Orlando atirasse a sua máquina de escrever no casal. A polícia surgiu, levou o casal para um outro lugar. E daí a História se delineou, sozinha. Com um gol esquisito do Jarizinho “Furacão”, e inclusive com o maravilhoso do Carlos Alberto, aquele cujo roteiro o Aymoré havia desenhado num guardanapo em Guadalajara. A minha primeira Copa encontraria um desfecho perfeitíssimo não fosse a pane que acometeu o “Remendão”, o aeroplano da Canadian Pacific com que a logística da Abril tinha programado a nossa volta– e eu revelo o nome porque a empresa se extinguiu em 1987.

O "Rei" e a festa no Azteca
O "Rei" e a festa no Azteca

Pois é, “Remendão” pelo excesso inacreditável de placas metálicas de tonalidades diferentes na sua fuselagem. E o aparelho se obrigou a uma escala extra em Guaiaquil, no Equador, um atraso de seis horas. Deveríamos realizar a nossa conexão em Lima, no Peru. Obviamente, todavia, perdemos o vôo da saudosa Varig. Era uma terça-feira e apenas haveria outro na sexta. E sem roupas limpas, pois as nossas bagagens ficaram retidas no aeroporto. Menos mal que a Canadian nos hospedou no Hotel Crillon, com os seus rebrilhantes candelabros de cristal até mesmo nos apartamentos. Candelabros que, determinada madrugada, principiaram a tilintar. É. Um terremoto nos Andes. Primeira Copa. E um abalão de terra, uáu...


O Hotel Crillón
O Hotel Crillón

No susto, os hóspedes todos saíram à rua. Digamos, todos em trajes menores, inclusive as senhoras, em camisolas. Sobrevivemos, a minha presença aqui atesta. Daí, graças ao Aymoré, brilhante globetrotter, passeamos por Lima, comemos Ceviche, inclusive fomos ao cinema, “Sabata”, um bang-bang com Lee Van Cleef. Eu também comprei uma cueca nova, “sunga” na nota fiscal. Cuja, na minha prestação de contas, o financeiro da Abril glosou, por acreditar que se tratasse de um maiô. Evidentemente, eu provei a minha imperiosa necessidade da cueca nova. E o episódio se tornou lenda nos fuxicos da editora. Mereci até um bilhetinho bem-humorado de Victor Civita: “Na próxima vez, peça que escrevam ‘mutande’. E peça que eu traduza. VC”

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