Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

Voleibol no mundo: reflexões (serenas) sobre o "Caso Tiffany"

A triste polêmica sobre a atleta de Goiás que optou pela transição de gênero

Silvio Lancellotti|Sílvio Lancellotti

Rodrigo/Tiffany
Rodrigo/Tiffany Rodrigo/Tiffany

Rodrigo Pereira de Abreu nasceu em Goiás, no dia 29 de Outubro de 1984, a sétima criança de uma família pobre que o pai abandonou e deixou a filharada aos encargos solitários da mãe, Dona Amália. Descobriu cedo a sua tendência para a homoafetividade. No entanto, pelo seu tamanho e pela sua força física, aderiu ao Voleibol e se profissionalizou. Atingiu 1m94 de altura e 88kg de peso. E, na ponta-de-rede, atuou inclusive na Europa.

Tiffany Pereira de Abreu, no final de 2012, ainda no Velho Continente, decidiu iniciar uma transição de gênero, enfrentar duas cirurgias e passar por uma re-hormonização. Numa explicação simplista, a paulatina diminuição dos seus teores de testosterona, um hormônio caracteristicamente masculino. Nas mulheres, o índice médio equivale a 10 nanogramas por litro de sangue.

Nos tempos de Itália
Nos tempos de Itália Nos tempos de Itália

Valeram todos os sacrifícios. No início de 2017, o seu nível de testosterona já estava muito abaixo dos 10 – houve sucessivas medições de 2,5. E Tiffany recebeu da FIVB, a entidade reguladora do Voleibol no planeta, uma autorização formal para se inscrever em ligas femininas. Em Fevereiro de 2017, logo na sua estréia pelo Golem Volley de Palmi, na Calábria, Série B da Itália, fulgurou ao anotar 28 pontos na vitória sobre o Delta Informàtica Trentino, 3 sets a 1. Além dos fartos aplausos do público, arrebatou o laurel de melhor em quadra na partida.

Em Bauru
Em Bauru Em Bauru

No final do ano se transferiu à Associação Vôlei Bauru, do interior de São Paulo. E imediatamente se destacou. Em cinco prélios anotou 90 pontos em 18 sets, média 5, acima das marcas de estrelas da seleção brasileira, caso de Tandara, do Vôlei Nestlê, média 4,91. E brotou, inevitavelmente, a polêmica: mereceria Tiffany uma convocação para a equipe nacional? Um debate com pronunciamentos estapafúrdios.

Publicidade

Um médico famoso, o ortopedista João Grangeiro Neto, ex-voleibolista, o responsável, aliás, pela comissão que concedeu a liberação da Superliga, afirmou que Tiffany passou a sua puberdade como homem e que algum tempo de controle da testosterona não bastaria para equilibrar sua potência à de uma atleta que cresceu e evoluiu como mulher. Ora, por quê assinou a autorização? Porque Tiffany lhe apresentou toda a crucial documentação exigida pelo COI, o Comitê Olímpico Internacional.

Abro parênteses com um resumo das obrigações impostas pelo COI desde Janeiro de 2017: a identificação da pessoa como pertencente ao gênero feminino e a sua comprovação de estar abaixo dos tais 10 nanogramas através dos últimos doze meses. Não integrava a lista do COI a imperiosidade de uma intervenção de mudança de sexo. Tiffany, de todo modo, já exibia o índice de 2,5 e já havia realizado duas cirurgias.

Publicidade
Cacá Bizzocchi
Cacá Bizzocchi Cacá Bizzocchi

Além de repisar na questão do hormônio próprio do gênero masculino, Cacá Bizzocchi, outro ex-voleibolista, treinador de fama, manifestou a sua preocupação de que o “Caso Tiffany” possa levar o esporte feminino a “um estado de transformação e descaracterização". Cheio de dedos, Cacá se escondeu atrás do politicamente correto: “Não é uma questão de inclusão ou de tolerância, mas de equidade fisiológica, igualdade de competitividade e legitimidade.” E ainda ousou uma sugestão absurdamente chocante: “Talvez seja necessário limitar a participação de transexuais a um ou dois por equipe.” Como determinados regulamentos que preveem quotas que evitem abusos na importação de estrangeiros.

Com outras palavras, porém o mesmo argumento sofista, a ex-craque Ana Paula, via redes sociais, insinuou que muitas atletas não se pronunciariam por medo de patrulhamento. E se arvorou em porta-voz das suas colegas: “A maioria não acha justo uma trans jogar com as mulheres. E não é. Corpo foi construído com testosterona durante a vida toda. Não é preconceito, é fisiologia. Por que não, então, uma seleção feminina só com trans? Imbatível!”

Publicidade

Sinto, Ana Paula, você, como Grangeiro e Cacá, ignora o básico da discussão.

Ana Paula
Ana Paula Ana Paula

Estatisticamente, Tiffany de fato extrapolou nos pontos em seus embates de princípio de carreira nova na Superliga. Aos poucos, todavia, na medida em que as adversárias aprenderam a marcá-la, e a encará-la nos lances de rede, o volume das suas cortadas se reduziu. A média de Tandara, sim, é inferior. Só que a amostra de Tandara é muito, muito maior. Enquanto os números de Tiffany se referem a 18 sets, os de Tandara se fundamentam em 54. Isso, 254 pontos em 54 sets. E parece óbvio que a média de Tiffany cairá ainda mais.

Tiffany não se sobressai em nenhuma outra categoria que os scouts da Superliga acompanham. E basta testemunhar as suas pugnas ao vivo ou em teipe para constatar que falha demais na recepção e na defesa. Ainda: também não é verdade que tenha preservado a potência que ostentava antes da transição. Perdeu cerca de 60% do seu tônus e da sua força. Saltava até 3m60 de altura (rede a 2m45) e agora se limita a 3m15 (rede a 2m24). Pode-se afirmar que encurtou o seu alcance em 24cm.

Hoje, menos 24cm de alcance
Hoje, menos 24cm de alcance Hoje, menos 24cm de alcance

E José Roberto Guimarães, o treinador da seleção, que pensa o eternamente ponderado Zé Roberto? A sua resposta se alicerça numa lógica exemplar: “Uma questão simples. Se dentro de quadra fizer o esperado e fizer a diferença, tecnicamente falando, passa a interessar como qualquer outra atleta. Eu quero o melhor. Se for o caso, consultarei a CBV. Não vejo problema nenhum na convocação. Basta que esteja elegível.”

A palavra “elegível” devolve o tema ao rol de obrigações impostas pelo COI e prontamente adotadas pela FIVB. Já sobram, nos bastidores da cartolagem mundial, aqueles que antes se omitiram e agora, por causa da repercussão do, perdão, “caso Tiffany”, comentam que a definição foi compilada apressadamente, de afogadilho. Talvez. Pois a FIVB acaba de determinar, para o dia 24, uma reunião de análise do tema. E o COI anunciou outra para logo após o encerramento dos Jogos de Inverno de PyeongChang, Coréia do Sul, 25 de Fevereiro. Tudo pode acontecer, inclusive um aumento brutal na quantidade e na intensidade das dificuldades para a transição de gênero.

Nuzman & Ary Graça
Nuzman & Ary Graça Nuzman & Ary Graça

Em qualquer circunstância, pela crônica incompetência da FIBV (presidida, aliás, por um brasileiro, Ary Graça, da trupe de Carlos Arthur Nuzman), pelo superficialismo crônico do COI, restará um único prejudicado na alma e na mente. Prejudicado, quem sabe, irrecuperavelmente: o ser humano Rodrigo/Tiffany ou Tiffany/Rodrigo, o seu nome, convenhamos, não mais importa em nada.

Gostou? Clique em “Compartilhar”, em “Tuitar”, ou registre a sua importante opinião em “Comentários”. Muito obrigado. E um grande abraço!

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.