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A CBF, do "Manifesto de Glasgow" até o "Manifesto de Assunção"

Em 1973, os jogadores se submeteram aos caprichos dos cartolas que queriam boicotar a Mídia. Agora, atletas e Comissão Técnica se aliam contra a decisão da CBF de fazer a Copa América no Brasil.

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

A máscara oficial da seleção. Para proteger ou para suprimir a fala?
A máscara oficial da seleção. Para proteger ou para suprimir a fala? A máscara oficial da seleção. Para proteger ou para suprimir a fala?

Em 1973, eclodiu de surpresa. Agora, em 2021, se trata de uma notificação devidamente informada com bastante antecedência. Aquele, já no passado remoto, recebeu o nome de “Manifesto de Glasgow”, foi ridículo e produziu conseqüências patéticas. Este, de agora, bem pode ganhar o batismo de “Manifesto de Assunção” e talvez redunde em modificação profunda, antológica, digna, para o Futebol do País. É. A História nem sempre se repete.

Nem sempre - maleficamente. Proveniente do título brilhante na Copa do México/1970, porém à procura de um substituto para o Rei Pelé, em 1973, como preparação à Copa da Alemanha/1974 a seleção do Brasil realizou uma excursão à África e à Europa. Não se portou tão mal assim. Entre 3 e 21 de Junho disputou seis partidas: 2 X 0 na Argélia, 4 X 1 na Tunísia, 0 X 2 Itália, 1 X 0 na Alemanha Ocidental e 1 X 0 na União Soviética. Então, em 25 de Junho, perdeu da Suécia, 0 X 1. Sabe-se lá por quê, a sua Comissão Técnica não suportou algumas críticas e reagiu de uma maneira absolutamente desequilibrada e estapafúrdia.

Cláudio Coutinho, na capa da revista "Manchete Esportiva", na época da excursão de 1973
Cláudio Coutinho, na capa da revista "Manchete Esportiva", na época da excursão de 1973 Cláudio Coutinho, na capa da revista "Manchete Esportiva", na época da excursão de 1973

O País ainda padecia os chamados “Anos de Chumbo” da Ditadura Militar. E, à parte o treinador Mário Zagallo, era militar basicamente todo o comando da delegação, do seu chefe, o Coronel Eric Tinoco Marques, ao seu supervisor, o futuro Brigadeiro Carlos Alberto Cavalheiro, e ao líder dos preparadores físicos, o Major Cláudio Coutinho, mais tarde o treinador do time na Copa da Argentina/1978. Na noite do dia 25, no avião que viajava da Suécia à Escócia, a escala seguinte, da caneta de Coutinho nasceu um texto com 381 linhas e 13 erros de Gramática, tão ruim que mais provocou piadas do que mau-humor. Coutinho, posteriormente se arrependeria do que redigiu: "O fruto de um impulso malfadado".

Item do “Manifesto de Glasgow”: “Considerando que uma considerável parte da imprensa vem sistematicamente divulgando falsas notícias, deturpando fatos, forjando situações e publicando irreais acusações contra diversos componentes da delegação brasileira, inclusive nós, jogadores, decidimos, até quando se modifique o atual procedimento da imprensa, não mais concedermos entrevistas ou prestarmos informações, coletiva ou individualmente, a qualquer órgão da imprensa escrita, falada ou televisada”. Pois é...

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Em 1973, o lateral direito do Corinthians, o zagueiro central do Palmeiras etcetera e tal
Em 1973, o lateral direito do Corinthians, o zagueiro central do Palmeiras etcetera e tal Em 1973, o lateral direito do Corinthians, o zagueiro central do Palmeiras etcetera e tal

A citação a “nós, jogadores”, significa que todos os 22 atletas daquela turma foram compelidos a assinar o tal documento. Ao qual cada representante da Mídia reagiu de uma forma. Nenhuma tão divertida como a do diário “O Estado de S. Paulo”, que assim publicou a escalação dos onze que iniciariam o prélio contra a Escócia, no dia 30: “Goleiro do Palmeiras, lateral direito do Corinthians, zagueiro central do Palmeiras” etc. O Brasil até superou a Escócia por 1 X 0. Depois, em 3 de Julho, também bateu um combinado de semi-profissionais das duas Irlandas, a República e a do Norte, por 4 X 3. E haveria a vingança.

Quando a delegação retornou, no dia 5, a Mídia exerceu marcação cerradíssima sobre a liberação da bagagem da Confederação na aduana do Galeão. A alfândega costumava cerrar os olhos ao excesso de bugigangas que os jogadores traziam do Exterior. Naquela ocasião, porém, não pôde. Acabou obrigada a reter de eletrodomésticos a itens alimentícios como queijos do tipo Stilton e ainda caixas e mais caixas de bebidas como os legítimos uísques britânicos. Criou-se, mesmo, um clima horroroso de indisposição e de inimizade,

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Clodoaldo, hoje, um discreto e ensimesmado chefe de delegação
Clodoaldo, hoje, um discreto e ensimesmado chefe de delegação Clodoaldo, hoje, um discreto e ensimesmado chefe de delegação

Detalhe curioso, interessante coincidência: fazia parte da delegação de 1973, como um médio-volante, Clodoaldo Tavares Santana, o “Corró”, de quem ganhei a camisa número 5 da partida diante do Uruguai na Copa do México/70, o jogo do seu tento aliviante, 1 X 1, num duelo dramático que o Brasil venceria por 3 X 1. Pois o "Corró" é hoje o chefe da delegação nestes dias de cotejos pelas eliminatórias à Copa do Qatar/2022. Sempre muito discreto nos modos e nas falas, ele não assumiu nenhuma posição, publicamente. De todo modo, é evidente que se recorda do que houve em 1973 em comparação a este 2021.

Sintetizo, rapidamente, o nó da presente crise. Depois de a Colômbia desistir por causa do seu momento político nebulosíssimo, a Argentina, designada para co-hospedar a Copa América, também abdicou da organização, agora por causa da pandemia Covid-19. Mesmo nas imediações absurdas dos 500.000 mortos, o Governo do Brasil instou a CBF a assumir a (ir) responsabilidade. O prestativo Rogério Caboclo, presidente da entidade, topou, sem consultar ninguém. Principalmente sem consultar os jogadores e a Comissão Técnica que se envolvem, neste momento, nas Eliminatórias sul-americanas da Copa do Qatar/2022.

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Distantes, no duplo sentido, Juninho e Caboclo, na Granja Comary
Distantes, no duplo sentido, Juninho e Caboclo, na Granja Comary Distantes, no duplo sentido, Juninho e Caboclo, na Granja Comary

Na recente quarta-feira, 2 de Junho, na Granja Comary, quando um grupo de atletas o procurou para reclamar, consta que o presidente os destratou de forma abominável. Na quinta, já em Porto Alegre, onde o Brasil abrigaria o Equador, na sua quinta pugna pelas eliminatórias, líderes dos jogadores se reuniram com o treinador Adenor Tite Bachi e com o coordenador técnico Oswaldo Giroldo Júnior, o ex-astro Juninho Paulista, campeão do mundo no Japão/Coréia do Sul/2002, para a costura de um posicionamento comum.

Logo depois, na entrevista coletiva protocolar de cada pré-combate, que ainda previa a aparição de Casemiro, o capitão do time, apenas o treinador se abalou a demonstrar seu enorme constrangimento. Metaforicamente, Tite colocou o corpo à frente na proteção dos seus pupilos, e prometeu a divulgação de uma posição formal neste próximo dia 8, a terça-feira, ao final do prélio com o Paraguai: “Até lá nós vamos nos concentrar exclusivamente no nosso Futebol”. Uma pena que Rogério Caboclo não deixe. Um presidente trapalhão.

Tite, na Granja, com os pupilos, em busca da união que faz a força
Tite, na Granja, com os pupilos, em busca da união que faz a força Tite, na Granja, com os pupilos, em busca da união que faz a força

Denunciado, dia 3, ao Conselho de Ética da CBF por seu comportamento abominável, assédio moral e até sexual a uma funcionária mais antiga na entidade do que ele, 2012 contra 2019, Caboclo também ficou famoso, nos bastidores, pelos seus hábitos etílicos. Testemunhas asseguram que, antes de a seleção subir ao campo para pegar o Equador, ele invadiu o vestiário e esboçou um discurso entrecortado, grotesco e incompreensível.

Casemiro aceitou se pronunciar depois dos 2 X 0 sobre o Equador. E, em cerca de dois minutos de papo diante das câmeras de TV, ainda que elipticamente e sem apontar nomes ou definições, não escondeu que o elenco e a sua Comissão Técnica já se decidiram: não participarão da Copa América aqui no Brasil. Uma fonte muito mais do que confiável me afirmou que não se trata só de “medo da Covid-19”. Além de uma justa preocupação com a pandemia, os jogadores, escorados em Tite & Cia., alinhavam outros desassossegos.

Casemiro, seríssimo, na entrevista pós-jogo contra o Equador
Casemiro, seríssimo, na entrevista pós-jogo contra o Equador Casemiro, seríssimo, na entrevista pós-jogo contra o Equador

Da boca da minha fonte: “Não dá pra comparar jogos de Eliminatórias com Copa América. Nas Eliminatórias, ou na Libertadores, existe uma única delegação e não nove outras equipes, todas no mesmo torneio. Além disso, uma Copa significa uma festa. É claro que nós queremos estar na festa da Copa do Qatar e, por isso, temos a obrigação de disputar as eliminatórias. Mas, não vemos sentido em dar uma festa aqui no nosso País, onde já morreram quase 500.000 pessoas. Respeitamos a hierarquia. Mas, perdão, não aceitamos que nos tratem como inúteis. Queremos, para nós, o mesmo respeito que nos pedem.”

A mesma fonte jura que é unânime o posicionamento dos atletas e que a CT perfilha integralmente a atitude dos seus pupilos. Tite, Oswaldo Juninho Giroldo e todos os outros membros da CT estariam “fechados” com a postura dos atletas, ocorra o que ocorrer. E o treinador, até, já entregou o cargo à CBF. Resta, sem deboche, saber o que sobrará de Caboclo e da CBF no episódio. Principal patrocinadora da seleção, a Nike, irritada, não escondeu o seu incômodo com as acusações de assédio. E fez questão de lembrar que em 2020 desfez seu contrato com Neymar por causa de uma denúncia assemelhada.

O painel dos patrocinadores da seleção, todos muito incomodados com Caboclo
O painel dos patrocinadores da seleção, todos muito incomodados com Caboclo O painel dos patrocinadores da seleção, todos muito incomodados com Caboclo

Outros cinco apoiadores fundamentais, por ordem alfabética a Ambev, a Gol, o Itaú, o Mastercard e a Vivo, também se declararam apreensivos e desejosos de aprofundamento e de rapidez nas investigações do caso. E agravou o futuro de Caboclo o fato de, no final da tarde deste sábado, dia 5, o Conselho de Ética da própria CBF, às pressas, convocar uma reunião extraordinária para analisar o episódio e daí, possivelmente, em Assembléia Extraordinária, sancionar o presidente com alguma punição. Por enquanto, antes mesmo da eventual liberação do “Manifesto de Assunção”, o senhor Rogério Langanke Caboclo está afastado por trinta dias do trono de monarca da entidade. A consequência número 1: vitória básica dos jogadores e de Tite. E já se desmoralizou a Copa América no Brasil.

PS: Sobre a possibilidade de a seleção "Canarinho" disputar a competição, me parece crucial , aqui, explicitar uma singela minúcia, Apenas na quarta-feira a CT fará a convocação oficial do elenco da Copa América. Ainda, nada indica que o treinador será Tite. E nem que, fique ele no comando, chamará os mesmos atletas que agora estão em ação nas Eliminatórias.

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