Sim, existe um torneio esportivo em andamento, e acontece no Xadrez
Em Ekaterinburgo, na Rússia, oito Grandes Mestres lutam, em turno e returno, para definir quem enfrentará o norueguês Magnus Carlsen pelo título
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Adoro o Xadrez desde que, na minha tenra meninice, o meu saudoso pai Eduardo me presenteou com um manual básico, dedicado por um Mestre daqueles idos, Orfeu D’Agostini (1922-1995). Joguei razoavelmente, para os padrões da minha geração 50/60. Até cheguei a ganhar torneios colegiais e universitários. Depois, já um jornalista, a partir de 1968, vivi ao menos três experiências deliciosas, de fato inesquecíveis, que relato a seguir.
Em 1972, quando me alojei nos Estados Unidos, bolsista de Comunicações da Universidade de Stanford, pertinho de San Francisco, Califórnia, precisei fazer uma viagem até Los Angeles. Dois meses antes, entre Julho e Agosto, Bobby Fischer (1943-2008) havia abiscoitado o título de campeão do mundo ao superar o soviético Boris Spassky, em Reykjavyk, na Islândia. Na livraria do aeroporto, decidi comprar uma obra já famosa, com as 60 melhores partidas de Fischer. E eis que no avião, por uma coincidência sagrada, eu me acomodei exatamente ao lado dele. Habitualmente chato e arredio, Bobby, jovialíssimo registrou o seu autógrafo, ali mesmo, durante o nosso voo comum.
Em Agosto de 1973, a FIDE, a entidade que coordena o Xadrez no planeta, organizou em Petrópolis/RJ um dos seus Interzonais, torneios que selecionam os candidatos a desafiante do detentor do troféu. E um jovem brasileiro, Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, então apenas 21 de idade, liderava a competição. Num dos intervalos para descanso nos cruzamos e, de brincadeira, lhe pedi um presente de aniversário, que ele jogasse comigo uma partida. Claro, me permitiu começar. Eu já sabia que ele detestava a Abertura Inglesa, quando as peças brancas principiam com o Peão-do-Bispo-da-Dama. Mequinho me fitou, enfezado, mas seguiu em frente até me vencer em 33 movimentos. Ingênuo, ou idiota, ousei perguntar em que momento do combate ele sentiu que me bateria. E o Mequinho me lançou, humilhação, a frase devastadora: “Ué, no momento em que você me pediu o presente...”
Em Dezembro de 2004, em visita ao Brasil, o sucessor de Bobby Fischer, o agora apenas russo Anatoly Karpov, foi entrevistado por uma bancada especial no “Bola da Vez”, programa que a ESPN destinava a outros esportes. E o chefe José Trajano me incluiu entre os perguntadores. Eu seria, inclusive, o primeiro a questionar Karpov. E lá fui eu, de novo, de pedantismo inútil em punho. Fiz cara de muito sério e desferi: “Peão-quatro-do-Bispo-da-Dama”. Karpov me olhou com uma superioridade legítima e daí também me arrasou: “Ah, nem tente. Você quer que eu o derrote diante das câmeras da sua emissora?”. Claro, uma brincadeira, ele gargalhou, eu também, e até fomos a uma churrascaria, onde Karpov se esbaldou nas caipirinhas.
O Xadrez se tornou o assunto deste texto porque 1) eu o considero um Esporte e 2) presentemente se desenvolve, em Ekaterinburgo, Russia, o Torneio de Candidatos que designará o desafiante do norueguês Magnus Carlsen, 29 de idade, o campeão do mundo desde 2013. Tal certame ostenta oito disputantes que se enfrentarão, todos contra todos, em turno e returno, até o próximo dia 4 de Abril, sem perspectivas de adiamento.
A vitória vale um ponto e, no caso de igualdade, cada contendor leva ½. Ironia: nestes tempos tenebrosos de Covid-19, se trata da única competição em atividade na Terra. Escolhidos de acordo com critérios diferentes, do ranking da FIDE até o chamado “rating”, o número que considera os desempenhos de cada enxadrista em sua carreira recente, sete dos disputantes não refugaram. Só Boris Telmour Radjabov, do Azerbaidjão, acabou substituído. Obviamente, Magnus Carlsen, de“rating” 2862, hoje ocupa a posição de número 1.
Eis os Candidatos e as suas chances, na opinião mais do que abalizada de um caro amigo, o Grande Mestre Rafael Leitão, maranhense, de 40 de idade, cujo endereço de iInternet é www.rafaelleitao.com:
FABIANO CARUANA
Estados Unidos, 27 anos, “rating” 2842, ranking 2
Vice de Carlsen em 2018
“Muito bem preparado. Já perdeu do Ding. Mas, se eu tivesse que apostar, colocaria nele as minhas fichas.”
DING LIREN
China, 27 anos, “rating” 2805, ranking 3
Finalista da Copa do Mundo de 2019
“Normalmente muito sólido: ganha pouco e perde menos ainda. Passou por um verdadeiro teste de fogo ao bater um Caruana ultra-agressivo”.
ALEXANDER GRISCHUK
Rússia, 36 anos, “rating” 2777, ranking 4
Campeão do Grand Prix da FIDE em 2019
“Continua viciado em apuro de tempo (no Xadrez, existe um limite de minutos para um determinado número de lances). Vai ficar no meio da tabela.”
IAN NEPOMNIACHTCHI
Rússia, 29 anos, “rating” 2774, ranking 5
Vice do Grand Prix da FIDE em 2019
“Com o Nepo tudo pode acontecer.”
MAXIME VACHIER-LAGRAVE
França, 29 anos, “rating” 2767, ranking 8
Pelo ranking, ganhou a vaga de Radjabov
“Renasceu das cinzas, graças à desistência do Radjabov, mas é muito perigoso e até pode sonhar com o título.”
ANISH GIRI
Holanda, 25 anos, “rating” 2763, ranking 11
Classificado pelo “rating”
“Parece que falta um algo mais em seu estilo. Não vejo qualquer chance de o Giri lutar pelo título.”
WANG HAO
China, 30 anos, “rating” 2762, ranking 12
Campeão do Grand Swiss da FIDE em 2019, um certame com 154 enxadristas que se enfrentam em 11 rodadas, de acordo com um sistema de emparceiramento que muda a sua sequência conforme os melhores se sobressaem.
“Falam pouco dele, mas pode surpreender.”
KIRILL ALEKSEENKO
Rússia, 22 anos, “rating” 2698, ranking 39
Convidado pela organização, terceiro lugar no Swiss
“Está no torneio para aprender. É jovem e deve sair dessa experiência mais forte. Possivelmente vai acertar alguém, atrapalhar. Mas, terminará na parte de baixo da tabela.”
Resumo: para Rafael Leitão, a duas semanas do desfecho do torneio, Fabiano Caruana permanece favorito a tentar, pela segunda vez consecutiva, a derrubada de Carlrsen do seu trono. Prometo retornar a este espaço com eventuais edições extraordinárias sobre Xadrez. Para mais detalhes, é possível pesquisar em www.fide.com, o site oficial da entidade e da competição.
PS: Foi-se a querida Lila Covas (1933-2000), de cujo Corpo Municipal, nos meados da década de 80, fui orgulhosamente um Voluntário, a ensinar comunidades carentes a não desperdiçarem alimentos. Aliás, com o Mário (1930-2001), eu costumava jogar Xadrez. Mulher admirável a Lila, mãe do vereador Zuzinha e da também minha cara Renata, a mãe do prefeito Bruno. Carinho e solidariedade.
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