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Para o Catar, a internacionalíssima seleção (quase) nacional da Suíça

Com uma maioria de titulares não nascidos em seu território, a equipe helvética comprometeu a classificação da Itália à Copa do Mundo. A "Azzurra", nos anos 30, uma pioneira nas importações.

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

A celebração da Suíça pelo passaporte ao Catar/2022
A celebração da Suíça pelo passaporte ao Catar/2022 A celebração da Suíça pelo passaporte ao Catar/2022

Por mais de oito décadas, desde a Copa do Itália/1934, a sua primeira em toda a longa História do Futebol, a seleção da Suíça ganhou uma fama ruim por dedicar o seu estilo ao “Verrou” (em francês), ao “Riegel” (no alemão), ou no “Catenaccio” (em italiano). Na tradução elementar, um “Cadeado”, um “Ferrolho”. Sumariamente, uma solene e implacável retranca. Criação do austríaco Karl Rappan (1905-1996), o treinador da Suíça de 1937 até 1963, o “Ferrolho” se baseava numa linha de beques protegidos por um líbero – naquela época, exclusivamente, com as funções de defender, uma obrigação que o craque alemão Franz Beckenbauer re-codificou nos meados dos anos 60. Não foi na retranca, porém, que uma seleção da Suíça acaba de complicar a Itália nas Eliminatórias do Catar/2022.

Karl Rappan e o esquema do "Ferrolho"
Karl Rappan e o esquema do "Ferrolho" Karl Rappan e o esquema do "Ferrolho"

A Suíça de Rappan não brilhava. Meramente impedia os seus adversários de jogar decentemente. Eram muito feias as suas pelejas. Só eventualmente surgia um gol. De todo modo, graças à retranca e aos tentos de contra-ofensiva e em situações de bola parada, a “Nati”, a equipe helvética, eliminou a Alemanha na Copa da França/38 e a Itália na edição que hospedou em 1954. Apenas a partir dos anos 90 o cenário se transformaria. Então, com a abertura das fronteiras internas das nações da EU, a União Européia, mais a tolerância com a imigração e ainda as tradicionais facilidades que o regime financeiro da Suíça propicia ao dinheiro lá investido, a sua federação, a denominada “Schweizerischer Fussballverband”, permitiu que os clubes se reforçassem com inúmeros atletas importados de outras plagas. Hoje, ironia, a “Nati”, diminutivo de “Nationalmannschaft”, a seleção nacional, é, curiosamente, a mais internacionalizada do planeta ludopédico.

Kobi Kuhn, na sua despedida na "Nati", em 2008
Kobi Kuhn, na sua despedida na "Nati", em 2008 Kobi Kuhn, na sua despedida na "Nati", em 2008

O processo de estrangeirização começou no banco, pelo argentino Enzo Trossero, seu treinador de 2000 a 2001. Depois, se aprimorou com um único nativo, Kobi Kuhn, de 2001 até 2008, falecido em 2019. Em seguida, com o alemão Ottmar Hitzfeld (2008/2014), o bósnio Vladimir Petkovic (2014/2021) e o atual “manager”, o turco Murat Yakin. Tanto Petkovic como Yakin, aliás, são helvéticos por naturalização. Em tal percurso, a Suíça conseguiu um milagraço: embora eliminada pela Ucrânia nos penais, nas oitavas de final, terminou invicta a Copa da Alemanha/2006 e sem ceder um único tento no tempo regular, Na África do Sul/2010, bateu a Espanha, a futura campeã, e manteve a sua meta incólume até perder do Chile, 1 X 0. Já havia, no entanto, acumulado um magnífico recorde para as antologias da competição, preciosos 558 minutos sem sofrer um golzinho sequer.

Murat Yakin, na sua apresentação como treinador da "Nati"
Murat Yakin, na sua apresentação como treinador da "Nati" Murat Yakin, na sua apresentação como treinador da "Nati"

Paralelamente, paulatinamente, ao menos nos palcos continentais da UEFA, a Suíça se provou capaz de lutar por títulos. Em 2018/2019, na primeira edição da Nations League, a disputa que a entidade inventou como alternativa da sua Eurocopa, chegou às semifinais, perdeu de Portugal, que seria o campeão, 1 X 3, e só ficou sem o bronze, diante da Inglaterra, na loteria dos penais. Então, nas oitavas da Euro/2020, 1 X 3 atrás da França, ganhadora da Copa da Rússia/2018, virou o placar, 3 X 3 e nos penais seguiu às quartas. Saiu atrás da Espanha, 0 X 1, empatou a peleja e levou o desafio à prorrogação, quando desperdiçou duas possibilidades claras de sucesso. Desafortunada, fracassou nos penais.

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Denis Zakaria, suíço da República Democrática do Congo
Denis Zakaria, suíço da República Democrática do Congo Denis Zakaria, suíço da República Democrática do Congo

Impressiona absurdamente a escalação do time com que Murat Yakin, em detrimento da Itália favorita, abiscoitou a sua vaga à Copa de 2022. Funcionou bem a retranca, a Suíça não perdeu nenhum dos oito cotejos do Grupo C, a sua retaguarda sofreu apenas dois tentos. A sua ofensiva, no entanto, registrou 15, um ostensivo sintoma de mudança de padrão pelo reforço das novas opções de convocação. Detalhe significativo: de seus onze titulares da partida decisiva contra a Bulgária, 4 X 0, aquela da qualificação ao Catar, seis, a maioria, têm as suas origens no Exterior. O lateral Kevin Mbatu e o volante Denis Zakaria, na República Democrática do Congo. O meia e capitão Xherdan Shaqiri, no Kosovo. E os atacantes Mario Gavranovich, Rúben Vargas e Noah Okafor, respectivamente, se orgulham de suas raízes bósnio-croatas, dominicanas e nigerianas. Enfim, um coquetel de fato “globetrotter”.

Xherdan Shaqiri, suíço do Kosovo
Xherdan Shaqiri, suíço do Kosovo Xherdan Shaqiri, suíço do Kosovo

E também dentre os reservas transbordam aqueles não-helvéticos. O defensor Manuel Akanji, de pai da Nigéria. Bryan Okoh, seu colega de posição, idem, e nasceu nos Estados Unidos. O central Ulisses Garcia, caboverdiano, nasceu em Portugal. O apoiador Djibril Sow tem sangue senegalês. O meia Kastriot Imeri e o avante Andi Zeqiri, como o capitão Shaqiri, poderiam atuar por Kosovo: as suas famílias fugiram juntas dos conflitos balcânicos dos anos 90. O ala Ricardo Rodriguez é filho de um espanhol com uma chilena. Outro ala, Sebastiano Esposito, provém das vizinhanças de Nápoles. E o central Eray Comert, da Turquia do treinador Yakin. Complementa essa ONU o seu Supervisor Técnico, Pieluigi Tami, italiano. Detalhe derradeiro: de todos os 22 atletas que o treinador mobilizou nas Eliminatórias, somente oito atuam em clubes da Suíça. A grande ironia: foi a “Azzurra”, já nos anos 30, a primeira seleção a usar, extensivamente, os atletas não nativos.

A camisa principal da seleção da Suíça
A camisa principal da seleção da Suíça A camisa principal da seleção da Suíça

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