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Silvio Lancellotti - Blogs

Na Paralimpíada de Tóquio/2020, a brava gente brasileira da Natação

Saíu da piscina a primeira medalha do País, nos Jogos, a prata do Gabrielzinho Araújo. Saiu também o primeiro ouro, com Gabriel Bandeira. E dois bronzes, de Phelipe Rodrigues e dele, Daniel Dias.

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Gabriel Bandeira
Gabriel Bandeira

Invariavelmente passa despercebida a circunstância de que o Brasil abiscoitou a primeira das suas medalhas em Jogos Paralímpicos numa edição não sincronizada com os Jogos Olímpícos e numa modalidade que não mais se pratica formalmente no País. Ocorreu nos Paralímpicos de 1976, em Toronto, Canadá, enquanto os Olímpicos se desenrolavam em Montreal. E aconteceu na Bocha sobre a Grama, hoje um jogo de diletantes.

O pioneiro Robson de Almeida recebe cumprimentos
O pioneiro Robson de Almeida recebe cumprimentos

Conquistaram uma de prata dois amigos, cadeirantes, Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos Costa, que faziam tratamento nos Estados Unidos, daí decidiram se inscrever por mero prazer e eternizaram seus nomes na História. A primeira de ouro surgiu em 1984, em Jogos compartilhados por Nova York e por Stoke Mandeville, onde os Paralímpicos tinham se originado em 1948. Subiu ao topo do pódio uma mulher sem a perna esquerda, Amintas Piedade, a campeã do Arremesso de Peso, o qual ela lançava de uma cadeira especial.

O Centro Aquático de Tóquio
O Centro Aquático de Tóquio

Antes desta XVI Paralimpíada organizada por Tóquio, no Japão, projetada para 2020 mas realizada apenas agora, o Brasil já havia acumulado 301 medalhas, 87 de ouro, 112 de prata e 102 de bronze. Líder sossegado dentre todos os Esportes que os deficientes físicos ou sensoriais praticam, o Atletismo soma 142 medalhas: 40-61-41. E em seguida aparece a Natação com 102: 32-34-36. Ou, agregados, os campos, as pistas, os tanques e as piscinas obtiveram mais de 81% de todos os galardões que o País, por enquanto, arrebatou.

André Brasil
André Brasil

Aliás, provêm de piscinas os três atletas mais premiados em Jogos Paralímpicos. Absoluto na ponta, o campineiro Daniel Dias, até Tóquio, havia colecionado 24 medalhas (14-7-3), em Pequim/2008, Londres/2012 e no Rio/2016. O carioca André Brasil abocanhou 14 (7-5-2), também em Pequim, em Londres e no Rio. E Clodoaldo Silva, o “Tubarão” potiguar, guardou 14 (6-6-2) de Atenas/2004 até o Rio. Pena, Clodoaldo, 42 de idade, já se aposentou. Pior, André, de 37, só não foi ao Japão porque, depois de tanto tempo o Comitê Paralímpico Internacional, ou CPI, considerou que o fato de ele ter uma perna “apenas” 5cm mais curta do que a outra não o caracterizaria como deficiente. Convenhamos, um exagero no zelo.


Clodoaldo Silva
Clodoaldo Silva

Ainda aos 33 anos, porém, o campeoníssimo Daniel Dias está em Tóquio e já principiou a competir na noite de 24 de Agosto, cá no Brasil, a manhã oriental de 25. No Rio, Deniel amealhou o primeiro ouro. Porém, coube a Odair Santos, deficiente visual de Limeira/SP, auxiliado por um guia, obviamente regulamentado, uma espécie de elástico a unir os dois pelos punhos, ficar com a primeira medalha do País no evento, a prata dos 5.000m do Atletismo, que abriu antes as suas atividades . Em Tóquio, as atividades do “Esporte Base” só começarão no dia 27 de Agosto. E a Natação, sozinha, pôde bem se locupletar.

Odair Santos e o seu santo guia
Odair Santos e o seu santo guia

Depois de uma bateria de eliminatórias, classificou duas garotas e cinco rapazes às provas finais, marcadas para seis horas depois. E, por carência de contendores na sua especialidade, um oitavo nadador entrou diretamente, na decisão. Detalhe fundamental: nos Jogos Paralímpicos os atletas se dividem em categorias, de acordo com o seu grau de funcionalidade. Deficientes físicos, por exemplo, vão de 1 até 10 – quanto menor o número, menor a sua funcionalidade. Os deficientes visuais vão de 11 a 13. Os intelectuais ficam no 14. E se designam as modalidades por letras. Natação é S, do inglês “Swimming”.


Eis, cronologicamente, como se exibiram os oito:

Ronaldo Silva, à direita, com o treinador Mitcho Bianchi
Ronaldo Silva, à direita, com o treinador Mitcho Bianchi

RONALDO JOSÉ SILVA


S1 – 100m Costas

Com meros oito concorrentes, dispensou as eliminatórias. Ronaldo caiu na água com o sexto tempo: 3’08”95. Um paulista de Santa Rita do Passa Quatro, hoje 40 anos de idade, ficou paraplégico em conseqüência de um acidente de carro em 2007. Então, graças ao esporte, pôde se livrar de cinco anos de estiramento numa cama. Melhorou bem a sua marca, 3’03”18 e ficou com a quinta colocação.

Gabrielzinho Araújo
Gabrielzinho Araújo

GABRIEL DOS SANTOS ARAÚJO

S2 – 100m Costas

Detinha o melhor tempo de todos os inscritos, 2’00”09, mas se poupou nas eliminatórias e marcou o suficiente para se classificar à decisão, 2’09”73. Mineiro de Santa Luzia, 19 anos, nasceu com focomelia, uma anomalia congênita que redunda em membros bem mais curtos do que o normal. No Parapan de Lima/2019, abiscoitou duas medalhas de ouro, uma de prata e duas de bronze. Agora, mandou na prova até quase o seu desfecho. Por causa dos braços diminutos, todavia, tem que bater na placa com a cabeça e o chileno usou os braços, vantagem de 2”07. De todo modo, Gabrielzinho, assim o chamam seus colegas, levou a prata, a primeira medalha do Brasil em Tóquio.

Gabriel Bandeira
Gabriel Bandeira

GABRIEL BANDEIRA

S14 – 100m Borboleta

O segundo melhor índice de qualificação, 54’64, marcou o segundo nas eliminatórias, 56”78. De Indaiatuba/SP, 21 de idade, é um deficiente intelectual, com dificuldade de aprendizado e de entendimento. Gabriel foi o penúltimo a reagir ao som da largada, mas realizou uma exibição mais que fantástica, ouro e o novo recorde paralímpico, 54”76, curiosamente 12 centésimos acima do seu próprio índice. É, o garoto de Indaiatuba jamais se esquecerá da primeira vez em que se ouviu o Hino Nacional em Tóquio/2020.

Phelipe Rodrigues
Phelipe Rodrigues

PHELIPE ANDREWS RODRIGUES

S10 – 50m Livre

Terceiro no índice, 23”50, praticamente manteve o tempo na sua bateria, 23”74. Recifense de 31 anos, nasceu com uma anomalia no pé esquerdo, cuja o sacrifício de várias cirurgias, sucessivas, não solucionou. Adotou a Natação como saída fisioterápica e se tornou um astro. Compete desde Pequim e já colheu cinco medalhas de prata e uma de bronze. Uma reclassificação rigorosíssima, ao estilo da que encerrou a carreira de André Brasil, quase o tirou do Parapan de Lima. Mas, ganhou todos os recursos e então, no Peru, levou sete de ouro e, ainda, um pódio de bronze. Numa prova em que o nadador sequer respira para não se atrasar em milímetros, Phelipe, levou a vantagem crucial da reação na largada, 0”62, apenas pior do que os 0”61 do espanhol David Leveq. Não bastou para vencer. Mas levou um belo bronze, os mesmos 23”50 do índice. Curiosidade: Leveq acabou no último posto.

Mariana Ribeiro
Mariana Ribeiro

MARIANA RIBEIRO

S10 – 50 Livre

Sétima no índice, 28”71, melhorou quase nada mas, com 28”41 foi quarta lugar nas eliminatórias. Uma fluminense de Itaboraí, 26 anos, aos 14 recebeu o diagnóstico de ser portadora da Síndrome de Arnold Chiari, que afeta desde o cérebro ao sistema nervoso e à pressão sanguínea, uma condição que leva a um turvamento da visão e à sensação de estar prestes a cair. Com 28”58, acabou em quinto. Aliás, repetisse os 28”41 ficaria em quinto.

Douglas Matera
Douglas Matera

DOUGLAS MATERA

S13 – 100m Borboleta

Congênito de retinite pigmentosa, que paulatimente leva à cegueira, precisa de ajuda para se acomodar na posição de partida e de um toque singular, com uma vara que bate na cabeça ou nas costas, para lhe fornecer a distância até a virada ou a chegada. Com 58”60, era o oitavo dentre os inscritos. Com 58”66, foi o sétimo a obter a vaga na final. Em que anotou 58”53 porém manteve a sétima posição. Um carioca de 28 anos, Engenheiro Civil, também vai nadar, com chances bem maiores, os 50m Livre e os 200m Livre da S13.

Carol Santiago
Carol Santiago

MARIA CAROLINA SANTIAGO

S10 – 100m Borboleta

Quinta no índice, 1’07”09, e quinta na classificação, com um tempo quase igual, 1’07”30. Outra Engenheira Civil, esta recifense veterana, de 36 anos, faz a sua estreia nos Paralímpicos. Nasceu com uma deficiência congênita de nervo ótico, que lhe permite apenas ver formas chapadas com o olho esquerdo e que compromete totalmente a sua visão periférica do direito. Era atleta de águas abertas até que o risco a enviasse à piscina. Utiliza os 100 Borboleta mais como uma forma de se adaptar ao espaço pois a sua especialidade é a prova dos 50m Livre. Foi a campeã do planeta, na distância, no Mundial de Londres/2019. Mas, aqui, com 1’07”11, se limitou a uma sétima colocação.

Daniel Dias
Daniel Dias

DANIEL DIAS

S5 – 200m Livre

O recordista paralímpico da prova, 2’27”83, claramente se poupou e, mesmo com um tempo super-distante do seu melhor, meros 2’45”16, conquistou uma raia central, de maneira a controlar os rivais de ambos os lados. Daniel nasceu com um braço direito que não chega ao cotovelo, o esquerdo ainda mais curto e com uma protuberância no formato de dedo, a perna direita que não chega ao joelho, e nunca se lastimou do destino. Muito ao contrário, soube se transformar num competidor excepcional e ainda num ser humano modelar, bem humorado, sempre com o seu sorriso escancarado. Campineiro, 33 de idade, inclusive, como hobby, ele consegue tocar bateria. Impossível desta vez acompanhar o ritmo do espanhol Ponce Bertrán, que marcou 2’35”20. E muito menos o do italiano Francesco Bocciardo, 2’26”76, novo recorde dos Jogos. No entanto, com 2’38”61, Daniel garantiu um honrosíssimo terceiro lugar, outro bronze, a sua 25ª medalha.

O logo dos Jogos, na Baía da Tóquio
O logo dos Jogos, na Baía da Tóquio

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