Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

Memórias da Copa 4: em 66, os 47 convocados e o massacre de Pelé.

A vaidade dos cartolas produziu uma preparação inútil. E sem o craque, no esquecível Mundial da Inglaterra, a seleção sofreu a inédita e patética humilhação de cair fora já na etapa de grupos.

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

O sofrimento de Pelé no jogo contra Portugal
O sofrimento de Pelé no jogo contra Portugal O sofrimento de Pelé no jogo contra Portugal

Confesso que não nutri qualquer esperança de o Brasil repetir, na Inglaterra/66, aquele sucesso brilhante da Copa da Suécia/58, nem mesmo o triunfo razoavelmente mais opaco do Chile/62. Eu já tinha os 22 de idade, galopava na direção de um diploma na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, e um tanto melhor informado e amadurecido me irritava com a bagunceira na qual a CBD havia transformado a seleção então já apelidada de “Canarinho”. Enciumadérrimo com a popularidade do carismático Dr. Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação nos dois títulos, João Havelange, presidente da entidade, decidira assumir ele próprio o comando da equipe que foi à Europa. Um equívoco patético.

O Dr. Paulo e João Havelange, em tempos mais felizes
O Dr. Paulo e João Havelange, em tempos mais felizes O Dr. Paulo e João Havelange, em tempos mais felizes

Pior, Havelange cedeu ao populismo e determinou que Vicente Feola, o campeão de 58, de volta ao encargo de treinador, convocasse uma infinidade de atletas, exatos 47, inúmeros deles sem chance de chegar na Copa. Uma mescla de clínica geriátrica (veteranos em declínio como Gylmar, Djalma Santos e Bellini), de hospital ortopédico (craques bem longe das condições ideais como Amarildo, Garrincha e Zito), até de creche (garotos como Edu, 16 anos, do Santos) e, perdão, de repartição pública (protegidos dos cartolas, muitos jogadores apenas medianos como Fidélis, Nado, Paulo Henrique, Célio, Ubirajara, Fefeu, Parada – e deixo a quem me lê, propositadamente, o esforço de pesquisar as suas agremiações).

Parte dos 47 convocados e da CT do Brasil para a Copa de 66
Parte dos 47 convocados e da CT do Brasil para a Copa de 66 Parte dos 47 convocados e da CT do Brasil para a Copa de 66

Era obviamente impossível montar um time com tantos candidatos a onze vagas. Pobre Feola, se obrigou a criar quatro elencos – o Azul, o Branco, o Grená e o Verde – que se digladiaram em treinamentos ambulantes através de cidades diversas. Claro que a competição pelas vagas apenas serviu para incentivar a desunião no elenco. E a seleção, grotesca, foi a única, em toda a bela História do Futebol do Brasil, a empacar na fase de grupos. Admito: em férias na FAUM e num primeiro emprego de tradutor numa pequena editora, aproveitei para passar aquele mês de Julho no Rio de Janeiro, na casa dos primos Athos e Beatriz Fagá, ela filha da Tia Stella e do Tio Américo, aqueles da Copa de 50.

Outro lance em que Pelé foi detonado pelos zagueiros de Portugal
Outro lance em que Pelé foi detonado pelos zagueiros de Portugal Outro lance em que Pelé foi detonado pelos zagueiros de Portugal

O Athos e a Bebê, esse o apelido da Beatriz, tinham dois filhos, o Murilo, que se tornou um Doutor em Física, e o Marcelo, que virou Jornalista e, mais tarde, nos meados dos anos 80, seria Editor de Esporte da “Folha”. Ambos, ainda adolescentes, num radinho de pilha, vibraram com os 2 X 0 sobre a Bulgária, na estreia dia 12, mas se ensimesmaram quando lembrei que os tentos da seleção (Pelé e Garrincha) tinham surgido da cobrança de faltas, de bola parada. Daí, paulatinamente se entregaram à decepção. Contundido, Pelé não participou do prélio do dia 15, uma sapecada da Hungria, 3 X 1. Só retornou no sacrifício e na emergência da imperiosidade de vitória no combate seguinte, dia 19, contra Portugal.

Publicidade
Pelé, protegido pelo capote de um gentil policial inglês
Pelé, protegido pelo capote de um gentil policial inglês Pelé, protegido pelo capote de um gentil policial inglês

E nunca a palavra “combate” foi tão adequada. Três dos zagueiros de Portugal, os truculentos Vicente, Baptista e Hilário, se revezaram no massacre do Pelé. Que resistiu, estoicamente, até o desfecho da surra, outra vez 3 X 1. Então já coroado, simbolicamente, o “Rei do Futebol”, o Dico de Três Corações precisaria de oito semanas para se recuperar das pancadas. E nem a “Azzurra” dos meus ancestrais funcionaria de consolo em 66. Também se despediu na fase de grupos, ao perder, incrível, da Coréia do Norte, 0 X 1, gol de um tal de Pak Doo-ik. Tudo bem. Quatro anos depois, na Copa do México, eu inauguraria a minha carreira internacional de jornalista esportivo. E o Brasil e a Itália se pegariam na decisão.

O momento do gol de Pak Doo-ik, da Coréia do Norte, contra a Itália
O momento do gol de Pak Doo-ik, da Coréia do Norte, contra a Itália O momento do gol de Pak Doo-ik, da Coréia do Norte, contra a Itália

PS: Este texto representa o esboço de mais um capítulo de uma tentativa de eu escrever minha autobiografia; no mínimo, uma seleta de causos que vivi e/ou testemunhei. De hoje até esgotar o tema “Copa do Mundo”, publicarei, aqui no meu espaço do R7, textos sobre as outras disputas de 1970 até 2018. Algumas que inclusive eu cobri in loco: além de 70, de 1990 e de 1994.

Gostou? Clique num dos ícones do topo para “Compartilhar”, ou “Twittar”, ou deixe a sua opinião no meu “FaceBook”. Caso saia de casa, seja cauteloso e seja solidário, use máscara, por favor. E fique com o abraço virtual do Sílvio Lancellotti! Obrigadíssimo!

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.