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Memórias da Copa 2: da "Batalha de Berna" ao surgimento de Pelé.

De como meu irmão Gigio e eu nos vingamos da Hungria dos 4 X 2 da Suíça/54. num jogo no quintal de casa, às peripécias que redundaram na minha festança solitária pelos 5 X 2 na Suécia/58

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

A volta olímpica na Suécia, Brasil campeão, em 1958
A volta olímpica na Suécia, Brasil campeão, em 1958 A volta olímpica na Suécia, Brasil campeão, em 1958

O quintal de casa não tinha mais do que uns dez metros de comprimento por uns três de largura. Começava na parede da sala de jantar e terminava em um barracão de ripas que servia como o despejo de bugigangas variadas. Mas, para mim e para o meu mano Gigio, dois anos mais novo, ganhava os ares de um estádio monumental. Dava para disputarmos pelejas acirradas de gol-a-gol ou, com amigos da vizinhança, partidas de até três contra três. Lá nos vingamos da Hungria que, na indigitada “Batalha de Berna”, numa das quartas de final da Copa da Suíça, em 1954, havia sapecado 4 X 2 na seleção do Brasil. Como? Eu explico melhor: reproduzimos o prélio, inclusive com direito a narração, pois o Gigio imitava espetacularmente as vozes de alguns locutores, nós dois contra ninguém. Claro, vencemos aqueles magiares, e devastadoramente, por infinitos tentos a absolutamente zero.

Suíça/54, Hungria 4 X 2 Brasil, uma cena da "Batalha de Berna"
Suíça/54, Hungria 4 X 2 Brasil, uma cena da "Batalha de Berna" Suíça/54, Hungria 4 X 2 Brasil, uma cena da "Batalha de Berna"

Coisa do clima que se instalou no Futebol do País depois do “Maracanazo” da Copa de 50. Toda competição em o Brasil entrava era pretexto para um furibundo desejo de reparação. Tínhamos escutado via rádio o Pan-americano de 1952, em que o Brasil de Zezé Moreira vencera depois de bater o Uruguai, na decisão, por 4 X 2. E também, em 1953, o Sul-Americano em que o Brasil então de Aymoré Moreira, mano de Zezé, perdera do Paraguai, 2 X 3. Ora, tudo bem perder do Paraguai, contra quem o Brasil até já havia travado uma guerra. Porém, da Hungria, uma nação apenas localizável depois de vasculhar num Atlas?

Suíça/54, Hungria 4 X 2 Brasil, jornalistas x polícia na "Batalha de Berna"
Suíça/54, Hungria 4 X 2 Brasil, jornalistas x polícia na "Batalha de Berna" Suíça/54, Hungria 4 X 2 Brasil, jornalistas x polícia na "Batalha de Berna"

Pior, a transmissão do prélio insistiu em culpar o árbitro, Mr. Arhur Ellis, da Inglaterra, pela queda do Brasil, num combate em que o pau quebrou, e em que até periodistas trocaram sopapos com os rivais magiares e com a polícia da Suíça. Pobre Mr. Ellis, durante muito tempo seu nome virou epíteto de “juiz ladrão”. Corintiano, meses após, me compensei pelo troféu do IV Centenário de São Paulo. O mano Gigio, palmeirense, precisaria esperar até 1959. De todo modo, em 1958 todo o Brasil se envaideceria com a espetacular conquista da Copa da Suécia. E se libertaria, no dizer do admirável e sempre polêmico Nélson Rodrigues (1912-1980), o escritor, teatrólogo e jornalista, de seu “ululante complexo de vira-lata”.

Pelé, em 1957, caricatura pioneira de Dino
Pelé, em 1957, caricatura pioneira de Dino Pelé, em 1957, caricatura pioneira de Dino

Claro que em 58 eu também acompanhei a Copa graças ao rádio. Filmes compactos dos cotejos desembarcavam por aqui apenas com 48 horas de atraso. Como tínhamos um apartamento em São Vicente e, à parte as férias, nós passávamos quase todos os fins-de-semana na Baixada, eu adorava ir de bonde à Vila Belmiro e ver o Santos do meninote Pelé se exibir. Eu mal imaginava que, tempos depois, me tornaria um seu amigo. Odiei quando, em um amistoso inútil de treinamento, contra o meu Corinthians, no Pacaembu, o becão Ari Clemente atropelou Pelé e por bem pouco não o tirou da Copa. Mas delirei com os seis tentos que marcou em apenas três porfias. Dois deles, um contra Gales, nas quartas, 1 X 0, e outro contra a Suécia, na final, 5 X 2, integram o rol dos mais belos que vi em minha vida.

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Final de 58, gol de Pelé, depois de dois chapéus em dois zagueiros da Suécia
Final de 58, gol de Pelé, depois de dois chapéus em dois zagueiros da Suécia Final de 58, gol de Pelé, depois de dois chapéus em dois zagueiros da Suécia

Seguimos aquela decisão, o Gigio, eu, meus pais, a mana Márcia, nossa caçula, no depósito da madeireira Miguel Forte, sogro de meu padrinho João Baptista, no bairro do Bom Retiro, a narração devidamente reverberada através de alto-falantes. Havia umas cem pessoas por lá, chope e churrasco, refrigerantes para os menores, zil guloseimas, e eu relembro que coube à Mamma Helena guiar o nosso Fusca de volta à casa pois o Babbo Edu atravessara o seu limite cervejeiro. Na verdade, com o placar já em 4 X 2 e a Jules Rimet assegurada, praticamente ninguém mais se dedicou a ouvir a transmissão. A rara exceção: eu. Havia, pendente, um bolão de resultados a se encerrar, e eu tinha apostado nos 5 X 2. Quando Pelé registrou mais um gol, aos 90', só eu vibrei, maluco a pular sobre as tábuas de imbuia. Demorou até se aperceberem que eu acabara de embolsar o valor de um ano de mesada.

Didi e Gylmar abração o chorão Pelé, depois da final de 58
Didi e Gylmar abração o chorão Pelé, depois da final de 58 Didi e Gylmar abração o chorão Pelé, depois da final de 58

PS: Este texto representa o esboço de mais um capítulo de uma tentativa de eu escrever a minha autobiografia; no mínimo, uma seleta de causos que vivi e/ou testemunhei. De hoje até esgotar o tema “Copa do Mundo”, publicarei, aqui no meu espaço do R7, textos sobre as outras disputas de 1962 até 2018. Algumas que inclusive cobri in loco, de 1970, de 1990 e de 1994.

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