Memórias da Copa 13: sim a Baggio e a Baresi, e um não a Maradona
Nos EUA/94, a antecipação de que os dois lesionados da Itália disputariam a decisão contra o Brasil. E também a revelação de que se tramava uma denúncia de doping contra o já ex-"Pibe de Oro"
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Minha estada na Itália, na Copa de 1990, não se mostrou profícua, apenas, no segmento especificamente esportivo do Futebol. Graças ao enorme impacto do meu despacho inicial, o flagrante da deseducação absurda de Ricardo Teixeira, o presidente da CBF, em relação a Sebastião Lazaroni, o treinador da seleção, eu provoquei a atenção de vários personagens influentes na alta politicagem do Ludopédio. Por exemplo, Joseph Blatter, o secretário-geral da FIFA, que parecia um escudeiro fiel de João Havelange, o presidente da entidade, mas ambicionava a sua posição. Também Antonio Matarrese, presidente da federação da Bota, usava e abusava das fofocas anti-João Havelange. Como o presidente da CBF era genro do presidente da FIFA, se considerou que eu fosse mais um do pelotão de seus opositores.
Um passarinho me informou que Blatter gostaria de me conhecer e que ele fazia a barba quase todos os dias num salão chiquérrimo de um certo hotel e que habitualmente lá cruzava com Matarrese. Lógico, eu me aboletei no tal salão e depressa o ciclo fonte-repórter nasceu e frutificou, a ponto de perdurar até a Copa dos EUA/1994. Então, de novo, a redação da “Folha” me incumbiu de acompanhar as seleções da Itália e da Argentina. E estrategicamente eu escolhi me localizar em Newark, Estado de Nova Jersey. Selecionei um hotel à frente de um aeroporto internacional, distante apenas 20 minutos do Giants Stadium onde a Itália faria a sua estréia, e pouco mais de 40 de Martinsville e da Pingry School onde faria os seus treinos. Um hotel encostado em um providencial entroncamento de largas vias expressas, que tanto poderiam me levar a Boston, no Norte, base da Argentina, como a Washington DC, no Sul, onde a Itália realizaria ao menos um combate. E isso sem dizer que, da janela do meu apartamento, eu vislumbrava a Estátua da Liberdade e o perfil antológico de Nova York, com suas duas “Torres Gêmeas”, ainda intactas.
Como em 90, na Copa de 94 eu quase nada me preocupei com a seleção do Brasil, nos EUA sob o treinador Carlos Alberto Parreira e o supervisor Mário Zagallo. No campo eu só vi a seleção jogar, precisamente, em 17 de Julho, no Rose Bowl de Los Angeles-Anaheim, Califórnia, a data da decisão da competição. Minha pauta, porém, determinava que eu acompanhasse as atuações de Roberto Baggio e de Franco Baresi – para os meus editores, e não para mim, as duas surpresas na escalação de Arrigo Sacchi. No dia 23 de Junho, ainda na fase qualificatória, no Giants, contra a Noruega, um triunfo da “Azzurra” por 1 X 0, gol de Dino Baggio, nenhum parentesco com o Roby, Baresi sentiu o joelho direito. Logo na tarde seguinte, se submeteu a uma artroscopia. Um colega da “Folha”, precipitado, anunciou que se acabara a Copa do Franco. Não eu. Judicioso optei por acompanhar a intervenção no Lennox Hill Hospital e por conversar pessoalmente com Baresi. E revivo a graça que escutei: “Parece que uma cobra me picou”. De fato, a intervenção não deixara cicatrizes além de dois pontinhos que pareciam desenhados por uma caneta esferográfica de ponta fina.
Dia 13 de Julho, aos 70’ da semi com a Bulgária, Itália 2 X 1, depois de anotar os dois tentos da sua “Azzurra”, caçado por adversários truculentos, o Roby saíra de maca do campo do Giants Stadium. Com ele eu mantinha uma relação, perdão pela vanglória, quase de amizade. Certa ocasião, na Pingry, audacioso, invasivo, enquanto o Roby concedia uma entrevista, às suas costas eu ousara contar, uma a uma, manualmente, quantas trancinhas formavam seu “codino”, seu rabo-de-cavalo. Estranhei, número 17, pois ele era fanático pelo 18, seu dia de nascimento, mês de Fevereiro de 1967. Comentei. E em princípio Baggio se enfureceu. Pediu a Vittorio Oreggia, do “Tuttosport”, que checasse e re-checasse. O azar, 17! E me agradeceu: “Te devo essa!” Pois ele me pagaria ao anoitecer de 16 de Julho, na Loyola Marymount University de Los Angeles, depois do treino derradeiro da “Azzurra” antes da decisão diante do Brasil. Chamou ao Vittorio e a mim, num canto remoto da entrada dos vestiários, e assegurou: “Nós dois, Franco e eu, estaremos a postos na final”.
Por um celular que mais parecia um paralelepípedo, eu transmiti a notícia à “Folha”. Que a publicou, no formato de uma notinha de catorze linhas, na primeira página da edição de domingo. Na manhãzinha do dia 17, assim que apareci no Centro de Imprensa do Rose Bowl, um comitê de coleguinhas me recepcionou com ironias, gozações e até chacotas. “O Lancellotti ensandeceu”, observaram os mais gentis. Todos engoliriam a verdade no instante em que a FIFA distribuiu a súmula prévia com as escalações das duas equipes. Verdadeiros heróis no cotejo, por 120’, a prorrogação incluída, num sol causticante de meio-dia, placar de 0 X 0, os dois desperdiçaram as suas cobranças na única decisão de Copa, até então, que se completou nos penais. O Roby perdeu exatamente aquela que garantiu o sucesso do Brasil. Baggio se eternizaria pelas imagens da sua desdita, mãos na cintura, cabeça baixa, ao fundo seus companheiros desalentados, inúmeros no chão.
Também se eternizaria, nos EUA/94, a imagem em que Dieguito Maradona, no dia 25 de Junho, de mãos dadas com uma jovem paramédica, deixa o campo do Foxboro Stadium de Boston na direção de um exame antidoping. Fase de grupos, a sua Argentina havia superado a Nigéria por 2 X 1, ambos de Caniggia, e basicamente assegurado a sua vaga na etapa das oitavas. Maradona, porém, jamais vestiria novamente aquele uniforme. Uma história longa e muito triste, que havia se inaugurado na Copa da Itália, em 8 de Julho de 1990, no Olímpico de Roma, logo após a porfia em que a Alemanha bateu a Argentina por 1 X 0 e o “Pibe” desandou a xingar dignitários da FIFA. Trata-se de uma história de traições, na qual me emaranhei no dia 29 de Junho, depois de Itália 1 X 1 México, em plena estrada, de Washington DC até o Centro de Imprensa do Giants Stadium. No celular-paralelepípedo eu recebi uma ligação que me obrigou a parar no acostamento. Era uma voz roufenha, de sotaque tedesco, que me notificou: “Silvio, fique atento. A FIFA emitiu um aviso de que um atleta de um jogo de 25 de Junho foi flagrado nos exames anti-dopimg. O documento não cita seu nome. Mas, saiba que é o Maradona”. Conto em detalhes no próximo artigo.
PS: Aqui esbocei mais um capítulo de mais uma tentativa de eu escrever uma autobiografia; no mínimo, causos que vivi e/ou que testemunhei. No próximo, ainda EUA/94, a complexa reconstituição do rumoroso, mas suposto, caso de doping de Maradona, a minha investigação que pouca repercussão produziu no Brasil, mas que mereceu prêmio na Argentina. Até esgotar o tema Copa, eu publicarei, em meu espaço do R7, textos sobre as outras disputas até 18.
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