Foi muito fácil o tri do Real Madrid na Copa do Mundo/2018 da FIFA
Faltou público na competição oficial da entidade que manda no Futebol. E daí, pois sobrou a grana dos Xeiques árabes e do patrocinador da China?
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Não existisse a dinheirama do petróleo de seus monarcas, não fossem esses monarcas, os Xeiques, feudalistas com uma elogiável pátina de modernidade, e talvez o Futebol nem existisse nos Emirados Árabes Unidos, um conjunto de sete reinos tribais, localizado entre a Arábia Saudita e o Sultanato de Omã, diante das jazidas do Golfo Pérsico. Lá, populares de verdade são as corridas de camelos, que acontecem, cotidianamente, entre 7h00 e 9h00, e atraem multidões na casa dos três ou até quatro zeros. Nenhuma surpresa, portanto, o fracasso absoluto de público que a FIFA acaba de amargar com a sua 15ª Copa do Mundo de Clubes, realizada nas cidades de Abu Dhabi e de Al Ain.
Passou pouco dos 138.000 espectadores a platéia que viu cinco partidas no Estádio Hazza bin Zayed em Al Ain, de capacidade para 22.217, e mais outras três no igualmente Zayed, de Abu Dhabi, 49.500. A média ficou em torno de 19.720, não de 17.250, porque a disputa do bronze entre o Kashima Antlers e o River Plate, assim como a batalha pelo título entre o Al Ain e o Real Madrid, ocorreram no mesmo dia 22, em Abu Dhabi, e em rodada dupla. Média pior, apenas, na Copa que os Emirados sediaram em 2017 e que o Real levantou ao superar o Grêmio dos gaúchos por 1 X 0. Então, com um público de 132.565 espectadores, a média se limitou ao patamar dos 16.570, sim, efetivamente irrisório. O Real, aliás, que cravaria um tri, 2016, 2017 e 2018.
Embora cada um dos sete Emirados Unidos – Abu Dhabi, Ajman, Dubai, Fujairah, Ras Al-Khaimah, Sarjah e Umm Al Quwain – tenha a sua própria estirpe de comando, os Xeiques descendem de famílias aparentadas, de nômades que se cruzaram e se recruzaram milenarmente na região. Eram primitivos, beduínos que vagavam através de uma área de 83.600km2 (menor que a de Santa Catarina, perto dos 95.740), em busca dos oásis com água e comida. Somente a 100 quilômetros do Golfo, junto a colinas de temperatura branda e um razoável regime de chuvas, havia plagas mais verdejantes com tamareiras, palmeiras e roseirais à margem de lagos surpreendentes.
Trata-se, precisamente, da região da cidade de Al Ain, de 430.000 habitantes, a quarta maior dentre as escassas 19 urbanizações dos Emirados, 9,6 milhões. Em tais plagas, de perfil bem diferente em relação à Península da Arábia, as dinastias dos Tahnoon e dos al Nahyan transformaram em uma potência local o time fundado em 1968, durante a eclosão da Era do Petróleo, por operários imigrantes do Bahrein e do Sudão. Basicamente graduados em escolas dos Estados Unidos e da Inglaterra, no Ocidente os novos bilionários árabes se fascinaram com o Futebol. Aos 42 de idade, Khaldoon al Mubarak, neto de um dos patriarcas que consolidaram os Emirados em 2 de Dezembro de 1971, é hoje acionista principal do Manchester City. Que importa faltar público se tais dignitários não economizam nos subsídios ao esporte da bola no seu país?
Em 2017, apesar da insignificância numérica da platéia, a Copa de Clubes da FIFA deu um lucro oficial de cerca do equivalente a R$ 60 milhões. Oficial e formal, visto que a entidade não revela com quanto entram os Xeiques e que despesas os Emirados bancam, nas viagens, hospedagens, na alimentação e no charme dos presentes que distribuem aos seus convidados. E mais: sobra, ainda, um patrocínio paralelo dos chineses da Alibaba, empresa de transações via Internet que até 2022 recheará as burras da FIFA com a meiga bagatela de, aproximadamente, R$ 350 milhões. Para as dinastias, porém, não interessava arrecadar nem um único Dirrã, moeda que, curiosamente, vale tanto quanto o Real do Brasil. Nas tribunas do Zayed, fantasiavam o triunfo.
Apenas duas vezes, antes, na aventura da Copa de Clubes da FIFA, um azarão atingiu de fato a decisão. Em 2010, na edição inaugural dos Emirados, numa das semifinais o Mazembe do Congo sobrepujou o Internacional de Porto Alegre, 2 X 0, e daí sucumbiu à lógica da Internazionale de Milão, 0 X 3. Em 2013, no primeiro de dois certames seguidos no Marrocos, o Raja Casablanca local detonou o Atletico/MG, 3 X 1, e daí se dobrou à força do Bayern de Munique, 0 X 2. Fantasiavam? O Al Ain, maior campeão nacional dos Emirados, 13 títulos em 44 torneios, acabara de eliminar o River Plate (2 X 2 no tempo normal, 0 X 0 na prorrogação, 5 X 4 nos penais). Mas, desafiaria o bi da Copa, o Real Madrid, claro, de tradições mil e de um favoritismo integral.
Zoran Mamic, o controvertidíssimo treinador do Al Ain, inclusive condenado à prisão em sua pátria, a Croácia, porque surrupiou uma bela grana dos cofres do Dínamo de Zagreb, o seu ex-time, não se preocupou em armar um sistema defensivo retranqueiro. Pelo contrário, ofereceu espaço e liberdade aos “Merengues”, tanto que Marcelo, sem a missão de marcar, zanzava livre no gramado. E foi justo nas costas de Marcelo que, aos 13’, o egípcio El Shahat se desvencilhou do arqueiro Courtois e atirou, certo de que faria o gol, enfim evitado por Sérgio Ramos em cima da linha fatal. Quem não faz, toma. E a velha escrita de novo se cristalizou no lance imediatamente seguinte, um chute de canhota de Modric, 25 metros, no canto, Real 1 X 0.
O elenco de Mamic obviamente aceitou o seu destino. E, à parte algumas investidas isoladas, sempre propiciadas pela desconcentração dos “Merengues”, optou por tocar a pelota, no aguardo de alguma tolice dos visitantes. Nada. Muito ao contrário, aos 60’, no desfrute de uma rebatida, Marcos Llorente desferiu um petardo impiedoso, outro de 25 metros, agora de destra, 2 X 0. Ainda, aos 78’, na cobrança primorosa de um escanteio, Modric entregou a bola à testada seca de Sérgio Ramos, 3 X 0.
Valeria pela honra o tento do japonês Shiotani, de cocuruto, depois de um longo alçamento do brasileiro Caio, aos 85’. Festa do “Boss”, o “Patrão” dos Emirados, que talvez merecesse se orgulhar de, ao menos, cair diante do soberano Real por somente 1 X 3. Talvez. Desafortunadamente, todavia, quase nos acréscimos o garoto Vinícius Jr., ex-Flamengo, induziu o zagueiro Yahia Nader a fazer contra a sua própria meta. Desfecho: “Merengues” 4 X 1 e o tri.
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