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Roupa militar e arma quase real: honestidade dita regras do airsoft

Esporte que recria operações militares atrai participantes de classes sociais e profissões diferentes. Armas e uniformes aproximam o jogo da realidade

Especiais|Cesar Sacheto, do R7

Airsoft: jogo que simula operações militares com realismo impressionante
Airsoft: jogo que simula operações militares com realismo impressionante Airsoft: jogo que simula operações militares com realismo impressionante

Após a alvorada, os soldados estão perfilados para ouvir as instruções do comandante. Em poucos minutos, todos estarão empenhados em defender a Vila de Domus Dei, situada em uma península entre duas nações com poderosos exércitos. Ainda está frio e a neblina encobre a visão do alto do platô. Mas o dia promete ser quente e longo. Sentinelas armados de fuzis observam os principais acessos da cidade para evitar ataques de surpresa. Todos estão em alerta. O confronto é iminente.

Naquele mesmo dia, um pouco mais tarde, uma intensa batalha foi travada no território vizinho de Leogrado. Os militares armaram uma emboscada para retomar uma importante base tomada pelo exército de Santa Ana. O ataque foi violento. As rajadas de metralhadora eram ouvidas à distância e os feridos tombavam na vegetação rasteira daquela planície. Depois de muita resistência do oponente, o posto avançado foi recuperado. Missão cumprida.

O que poderia ser a narração de uma cena de guerra, na verdade faz parte de um jogo: o airsoft, um fenômeno que atrai milhares de seguidores pelo mundo, mas ainda é pouco divulgado no Brasil. Trata-se de uma brincadeira de “soldados” ou de “polícia e ladrão” de quando éramos crianças, porém na versão adulta e bastante sofisticada.

Na infância, pedaços de madeira, cabos de vassoura, canos e outros objetos simples eram transformados em revólveres e espingardas, e sons dos tiroteios eram reproduzidos com a boca. A molecada se escondia atrás de muros, paredes de casas vazias ou no meio de arbustos para fugir dos tiros imaginários.

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Já na diversão dos adultos, a simulação alcança outro patamar. É possível recriar confrontos com um nível de realismo impressionante. As armas dos jogadores de airsoft são réplicas perfeitas de pistolas e fuzis potentes, utilizados pelos exércitos mais poderosos do mundo.

"Temos operações policiais de assalto a banco. É uma grande brincadeira de polícia e ladrão de adultos. A gente fala que tínhamos as brincadeiras, mas não equipamento", compara Sérgio Schimidt, de 47 anos, professor de história e praticante há cerca de dez anos.

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Origem

O jogo foi criado no Japão nos anos 1970. Apaixonados por armas, mas impedidos de portá-las devido à rígida legislação armamentista no país, os japoneses criaram a modalidade para se divertir. O esporte chegou ao Brasil no início da década de 2000.

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O airsoft é difundido em vários países. República Checa e Rússia possuem as maiores competições do mundo, com cerca de 2.500 participantes. Nos Estados Unidos, a "Operação Irene" reúne aproximadamente 700 jogadores por edição.

No Brasil, o 1º WarZone, evento realizado em uma área de 3.2 milhões de metros quadrados, situada dentro de um hotel na área rural de Arujá, na Grande São Paulo, teve 1.050 inscritos. Participaram moradores de todos os Estados do país — exceto o Acre — e jogadores de 11 países diferentes, como Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia, França, México, EUA e China.

Brinquedos ‘reais’

Poucos detalhes diferenciam um armamento real daquele utilizado em uma competição de airsoft. Além da munição, apenas uma ponta laranja ou vermelha, imprescindível para a prática do esporte, revela se a arma é real ou de pressão. Medidas, material e até o peso são idênticos.

Os equipamentos — ou AEGs, como são chamados — são elétricos, movidos a gás ou mola e disparam bolinhas de PVC de seis milímetros, as chamadas “BBs”. Para comprar uma arma, basta ser maior, preencher os formulários e apresentar documentos necessários em lojas devidamente autorizadas pelo Exército Brasileiro, instituição que controla a venda.

As empresas especializadas na fabricação das armas de airsoft têm investido, e o resultado são produtos de ótima qualidade. No entanto, os preços não são para todos os bolsos. A maior parte dos fuzis e pistolas custa entre R$ 1.000 e R$ 5.000. Mas há outras armas ainda mais sofisticadas e exclusivas.

Sofisticadas, armas custam, em média, entre R$ 1 mil e R$ 5 mil
Sofisticadas, armas custam, em média, entre R$ 1 mil e R$ 5 mil Sofisticadas, armas custam, em média, entre R$ 1 mil e R$ 5 mil

Uma metralhadora Vulcan M-134, por exemplo, dispara 50 bolinhas por segundo em um dos modos de ação — são 3.000 BBs por minuto — e pesa cerca de 8 kg. Segundo o fabricante, existem apenas três unidades no Brasil. O valor? R$ 28 mil.

O vestuário no airsoft também é cuidadosamente escolhido pelos "soldados". As fardas são feitas com material semelhante às usadas por militares da ativa, mas não podem reproduzir peças do Exército Brasileiro. O kit contém gandola (camisa), calça, coturno, colete e capacete. Entretanto, o único item obrigatório para entrar nas zonas de combate são os óculos de proteção.

Diferenças para o paintball

O airsoft é bastante diferente do paintball, apesar de o jogo ser constantemente utilizado como fonte de comparação para os leigos. Mas as semelhanças ficam apenas no armamento e algumas peças do fardamento.

"São parecidos em algumas formas de competir. Mas, o paintball é mais comercial. Você pode alugar os equipamentos no próprio campo e jogar. No airsoft, os eventos são fechados e você precisa de uma equipe. É um jogo mais tático", explica Caio Paulino, jogador e organizador do WarZone Brasil, maior evento de airsoft das Américas.

Evento de airsoft reúne mil adeptos de vários países em São Paulo

As diferenças começam pelas regras. No paintball, o jogador recebe munição com tinta que deixa visível o acerto. Além disso, os jogos terminam com a eliminação de um time, sendo o outro declarado campeão.

No airsoft, não há vencedores. Os jogadores recebem missões dos comandantes de seus exércitos, como invadir terras, tomar bases de inimigos ou resgatar presos de guerra, entre outras. Alcançado o objetivo, o jogo está encerrado.

Honra é a base do jogo

Outro ponto importante, destacado por todos os praticantes da modalidade, é a honestidade. Como a munição não deixa marcas, é imprescindível que o atingido se acuse. A regra é ficar em posição de hit (ferido, em inglês), cobrir-se com um pano vermelho na cabeça e chamar o médico do exército ao qual faz parte.

Jogador se acusa ferido com pano sobre a cabeça
Jogador se acusa ferido com pano sobre a cabeça Jogador se acusa ferido com pano sobre a cabeça

"O barato do airsoft é que você depende da honra do outro. Imagine no futebol, você na área, como defensor, a bola bate na sua mão e o juiz não vê. O que você faz? Esconde a mão e continua o jogo. No airsoft é o contrário. Você precisa se acusar", enfatiza Sérgio Schimidt, morador de Tatuí (SP), que já participou de eventos em vários países.

Personagens

Em uma competição de airsoft, os jogadores incorporam totalmente os personagens. Ao acompanhá-los, a sensação é de estar em um acampamento militar real. As ordens dos comandantes são obedecidas sem contestações. A disciplina é um ponto forte durante o jogo.

No entanto, termos comuns nas conversas entre os jogadores são amizade e irmandade. Para entrar no mundo do airsoft, é preciso conhecer outro praticante, fazer amizades. Só então você pode ter acesso às competições. E os laços se tornam ainda mais fortes durante os acampamentos e os combates.

"Para mim, ser campeão é terminar qualquer missão e ver que estão todos juntos. Esse é o grande valor. A irmandade que você encontra aqui e nas pessoas que você traz para o airsoft. Hoje, os meus melhores amigos são desse meio. Você carrega para a vida toda. Uma família", enfatiza o estudante Otávio Damasceno Cavalheiro.

Os praticantes de airsoft também tentam combater uma visão que consideram preconceituosa em relação ao esporte devido à relação com armas e táticas militares: a violência e/ou truculência dos praticantes.

"O grande problema é que, como lida com armas, existe uma visão errônea sobre o esporte. Somos jogadores. A minha arma só sai de casa para ir ao campo. É como uma chuteira de um jogador de futebol", compara Caio Paulino.

O adepto do esporte é alguém que gosta do militarismo. No entanto, a maioria do público é formada por profissionais das mais diversas áreas. São médicos, professores, advogados, empresários e pedagogos, mas que há uma parcela de policiais e militares das Formas Armadas entre os competidores.

Mulheres

Mais um tabu que não deve ser levado em conta quando se pensa no airsoft: a participação das mulheres. Apesar de estar em menor número, elas têm aderido cada vez mais à modalidade e mostram que não há espaço para preconceitos nas missões.

A pedagoga se transforma na combatente Thaís Góes durante as missões
A pedagoga se transforma na combatente Thaís Góes durante as missões A pedagoga se transforma na combatente Thaís Góes durante as missões

A pedagoga Thaís Góes, de 42 anos, que mora em Brasília, é uma das entusiastas do esporte e rechaça que ocorra discriminação ou assédio entre homens e mulheres. "Nunca houve preconceito ou desrespeito. Tudo no mesmo nível", afirma.

Thaís conta que descobriu o esporte há dois anos por meio do filho, então com 13 anos, que assistia vídeos na internet com os combates.

Após uma rápida pesquisa no computador e algumas visitas em lojas especializadas, a pedagoga estava pronta para iniciar uma nova experiência em sua vida.

"Fiquei encantada. Me encontrei. Foi onde me identifiquei. É uma paixão", exalta Thaís, que hoje é líder de uma equipe e comemora o aumento do número de mulheres nas competições em todo o país.

"Quando comecei, só tinha eu e mais duas meninas. Hoje, são 30 mulheres [no DF] e as equipes fazem questão do recrutamento feminino', complementou a jogadora.

A pedagoga chegou ao campo maquiada e bem produzida. Thaís garante que a transformação na "combatente" não tira dela a preocupação com o visual nos mínimos detalhes, mas diz que o espírito do jogo fala mais alto na hora da ação.

"A gente tem o lado feminino. Mas, quando estamos em campo, isso fica um pouco de lado, porque temos que agir e até falar mais firme. A transformação é outra. Se você me ver com o equipamento, você vai bater no meu ombro e vai dizer: ‘Ô cara’. E eu vou dizer: ‘Cara, não. Você está falando com uma mulher'", brincou.

Vídeogame real

Também surgiram comparações entre o airsoft e o Counter-Strike, um dos mais famosos jogos do mundo em FPS (First Person Shooter, em inglês) — ou em primeira pessoa — que simulam combates.

"O virtual aceita muito mais situações que o real. No videogame, os gráficos não pegam algumas nuances do mundo real. Por exemplo, você não é descoberto pelo inimigo por ter se mexido demais, feito barulho ou ser notado mesmo estando camuflado. Mas há muitos jogadores de CS que migram para o airsoft", revela Caio Paulino.

Simulação ou realidade? Veja imagens de um combate de airsoft

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