Maradona 'rejuvenesce' aos 60, após altos e baixos que o tornaram mito
Em 2020, em meio à pandemia, ídolo argentino, visto de forma transcendental em seu país, iniciou um processo de condicionamento físico
Especiais|Eugenio Goussinsky, do R7
Uma semana, 20 anos. Durante os sete dias desde o aniversário de 80 anos de Pelé, o futebol andou pelo tempo, percorreu boa parte do século 20, até chegar a Maradona, que completa 60 anos nesta sexta-feira (30).
Há, portanto, uma irônica simetria entre o surgimento e a ascensão de Pelé, até ele sair de cena e ver o argentino, maior craque a história de seu país, ser o que mais se aproximou de sua genialidade. Duas gerações. Duas legiões de fãs. Como duas longas primaveras separadas por duas décadas.
Nascido em Lanús, em 30 de outubro de 1960, Diego Armando Maradona Franco, ou "Dieguito", ou "Don Diego", ou "El Pibe", cresceu na Vila Fiorito, local com grande pobreza, na periferia de Buenos Aires. E com 9 anos, sua canhota encantou os adultos, que o viam jogar pelo time infantil chamado Cebolitos. Logo um vizinho o indicou para fazer teste no Argentino Juniors, onde iniciou nas categorias de base, para depois se profissionalizar.
Aos 17 anos, o garoto já havia sido chamado para a seleção principal. Não foi convocado por César Menotti para o Mundial de 1978, o que até hoje é uma frustração em sua trajetória. No ano seguinte, despontou no Mundial de Juniores, quando foi o destaque da Argentina campeã.
Naquela competição, uma cena se tornou conhecida: o jogador, com seus volumosos cabelos negros, arrancando em velocidade, obstinado, passando por adversários e se equilibrando a cada tentativa de pará-lo, ajudado pelo movimento dos braços.
Mais do que Pelé, que usava o tronco, Maradona usava os braços, que rodopiavam, como uma maneira de lhe dar o devido equilíbrio aerodinâmico.
Craque explosivo, Maradona contagiava os companheiros com sua intensidade, a ponto de levantar o modesto Napoli, clube pelo qual ele se consagrou, a partir de sua chegada, em 1984.
Mas a mesma rebeldia assustava e irritava dirigentes, como João Havelange e Joseph Blatter, presidentes da Fifa, entidade tantas vezes desafiada por ele, sob alegações de falta de transparência, corrupção e abuso do poder.
Maradona se identificou com o Napoli, incendiando a calorosa torcida do Sul da Itália. Como sempre foi um mensageiro dos excluídos, tornou-se símbolo da região, depois de também ter passado como um furacão pelo Boca Juniors, seu clube de coração, e pelo Barcelona, time pelo qual conquistou a Copa do Rei e teve partidas memoráveis. O técnico da equipe era o argentino César Menotti.
Na Catalunha, porém, também viveu um período turbulento, com briga contra adversários, hepatite e uma séria contusão.
A Copa do Rei foi conquistada em cima do Real Madrid, que havia se distanciado do Barcelona desde os anos 50. Maradona, na vitória por 2 a 1, que valeu o título, foi aplaudido de pé pelos madrilhenhos, após ter uma atuação de gala.
Seus maiores problemas foram contra o Athletic Bilbao, campeão em 1983 e 1984.
No primeiro confronto, ele levou uma entrada forte de Andoni Goikoetxea, tendo seu tornozelo fraturado.
No ano seguinte, na final da Copa do Rei, irritou-se durante o jogo, contra o mesmo Athletic de Bilbao, no Santiago Bernabeu, e deu pontapé na cabeça do goleiro, iniciando uma confusão gereralizada.
Somente Maradona foi punido, com três meses de suspensão. Goikoetxea, que entrou na briga, nem sequer foi suspenso. E, ironicamente, o espanhol foi expulso na primeira partida da temporada seguinte do Campeonato Espanhol.
Na Copa do Mundo de 1982, a primeira do ídolo argentino, também teve passagem tumultuada quando, sem se destacar da forma como se esperava, ele perdeu o controle e deu um chute na barriga do volante Batista, do Brasil, no fim da partida em que a seleção brasileira eliminou a da Argentina.
O jeito intempestivo do argentino fez os dirigentes do Barcelona aceitarem a proposta do Napoli. Por lá, jogou por anos e saiu também em meio a polêmicas, principalmente após a Argentina ter superado a Itália no estádio em que Maradona se consagrou.
No momento do hino, sempre com uma ligação visceral com a nação em que nasceu, Maradona xingou os torcedores que vaiaram o seu país. A Argentina foi para a final da Copa de 90, mas perdeu para a Alemanha. Na premiação, chorando muito, Maradona mostrou frieza em relação ao presidente da Fifa, João Havelange, nos cumprimentos.
Quatro anos antes, ele chegara ao auge da carreira, ao conduzir a Argentina para o título mundial de 1986.
Fez o que é considerado o gol mais bonito das Copas, nas quartas de final contra a Inglaterra, ao arrancar do meio-campo e tocar para o gol vazio após driblar o goleiro Peter Shilton. Minutos antes ele havia feito um gol com a mão, validado pelo juiz tunisiano Ali Bin Nasser.
O lado humano de um herói
A fase de declínio do craque começou a partir do fim da Copa de 90, quando começaram suas rusgas maiores com a Fifa e ele acusou o então presidente da entidade de trabalhar para favorecer a derrota argentina.
No documentário sobre a vida do craque, dirigido por Asif Kapadia, há a tese de que, com a derrota da Itália para a Argentina, inconformada por ter perdido dinheiro por causa do resultado, a máfia napolitana deixou de dar proteção ao jogador.
A partir daquele ano, veio uma sequência de complicações para Maradona. Em fevereiro de 1991, ele sofre acusação, de tribunal napolitano, de envolvimento com prostitutas e com tráfico de drogas, tendo negado veementemente a segunda acusação.
Dias depois, exame após jogo contra o Bari constatou a presença de cocaína na urina do jogador. Em abril de 1991, quando ele estava suspenso por 15 meses, foi preso acusado de posse de drogas, em Buenos Aires.
O vício em drogas, porém, o tornou uma vítima da fama. E uma referência no esforço de se reerguer, após algumas internações.
Foram anos até se superar, enquanto carregava seu flagelo durante o fim da carreira, no Sevilla (1992–1993), no Newell´s Old Boys (1993–1994) e no Boca Juniors (1995–1997). Em sua trajetória no futebol, Maradona fez 493 gols.
Em 2020, em meio à pandemia, o mito argentino, que é visto de forma transcendental para muitos em seu país, iniciou um processo de condicionamento físico. Com muita esteira ergométrica, bicicleta, corridas e boa alimentação, chegou a 75 kg, apenas cinco a mais do que seu peso durante parte da carreira.
O sessentão Maradona, que por tantas vezes se entregou e extrapolou os prazeres humanos, deixou o álcool e as comidas gordurosas de lado, para rejuvenescer. E sobreviver, após passar muitos anos no limiar entre a vida e a morte, sufocado na solidão da glória.
Ele prossegue na carreira de técnico, agora no Gimnasia y Esgrima, de La Plata. Em 2010, comandou a Argentina na Copa do Mundo, quando treinou o jovem Messi, em início de carreira.
Maradona foi uma espécie de irmão mais velho para a maior revelação argentina desde que deixou o futebol.
Messi, nascido em 1987, sempre o viu como seu maior ídolo, apesar de ambos terem perdido o contato, pelo menos em público, desde que Maradona, sentindo-se traído pelos dirigentes da associação argentina, deixou de ser técnico da seleção.
Agora livre das drogas, "Don Diego" vive um período semelhante ao de 2005 quando, animado, comandou até um programa de auditório, o histórico La Noche del 10. Em uma das noites, recebeu Pelé, para a conversa mais amistosa que tiveram.
No fim, os dois fizeram uma tabelinha de cabeça, só interrompida porque Maradona agarrou a bola, em função da necessidade do intervalo. Um intervalo tão próximo naquele momento, que, entre eles, nem parecia ter durado 20 anos.
Maradona 60 anos: o herói 'torto', amado pelos argentinos
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