O manipulador Infantino. Limpou a imagem da Fifa e da Rússia
Entusiasmado, Infantino comemora o acerto da sua aliança com Putin. Conseguiu a Copa mais lucrativa da história. E garantiu sua reeleição
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
Moscou, Rússia
A Copa de 2018 era fundamental para a sobrevivência de Gianni Infantino à frente da Fifa.
Seria o primeiro Mundial depois do mais terrível processo de corrupção na entidade. E ele soube a quem procurar. Vladimir Vladimirovitch Putin, o presidente ditatorial da Rússia.
Uma mão manipuladora lavou a outra.
E ambas queriam limpar sua imagem.
Tanto da Fifa, que teve escancarada a sua estrutura, lotada de corruptos, pelo FBI e Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Como da própria Rússia, conhecida por grande parte do mundo pela restrição de liberdade pessoal e da influência estatal na população.
Tudo isso a um preço. Como fez o Brasil, a Rússia proporcionou tudo o que a Fifa pediu. Isentou de impostos a entidade. Proporcionou nada menos do que R$ 6 bilhões de lucro ao órgão comandado por Infantino.
Assim como em 2014, o dinheiro correu solto também na construção dos estádios. Foram 10 novos. E dois completamente reformados. O custo não é confirmado oficialmente, mas é avaliado em perto de R$ 17 bilhões. A pedido da Fifa, foram construídos na parte europeia do gigantesco país, para evitar viagens muito longas. O lado asiático foi deixado de lado.
E Putin ainda colocou um exército de mais de cem mil pessoas trabalhando na Copa do Mundo. Soldados, seguranças, guardas de trânsito e inúmeros voluntários. A princípio seriam 'só' 17 mil. Só que o número foi mais do que dobrado para atender a demanda. Eles estão em excesso em todas as partidas da Copa.
Não por coincidência, o uniforme dos voluntários é vermelho, cor predominante no território e no uniforme do time russo.
E na concorrida entrevista de Infantino sobre o balanço da Copa, Infantino apareceu vestido de voluntário. Uma pequena retribuição pública a tudo que Putin fez pelo Mundial.
"O futebol mudou a percepção do mundo sobre a Rússia. Quase 1 milhão de pessoas estiveram na Rússia, em todas as cidades. É um país lindo, que recebem bem as pessoas, que quer mostrar ao mundo que o que as vezes se diz não é o que acontece aqui.
"É um país extremamente rico em cultura, em história. A história da humanidade, de todos nós. E podemos descobrir pelas cidades que esta foi uma grande aventura. E as centenas de milhares de pessoas que vieram puderam sentir a grande atmosfera", falou como um ótimo relações públicas.
Advogado ítalo-suíço, Infantino sabe que só ocupa o cargo de presidente graças à caça aos corruptos da Fifa. Quem deveria estar no seu lugar era Michel Platini, que também sucumbiu às investigações sobre os principais dirigenes do mundo. Infantino foi por nove anos o secretário-geral da Uefa, o segundo homem de Platini.
Burocrata e entusiasta da ampliação do número de times disputando a Copa e de países que a organizem, ele deixou bem claro que colocou seu poder para impor 48 seleções já na Copa de 2026, nos Estados Unidos, México e Canadá. Isso se não aumentar já para a Copa do Catar, em 2022.
Questionado sobre a óbvia queda do nível técnico, ele se defendeu com primazia.
"Nós analisamos a mudança. E decidimos de maneira unânime ampliar para 48. Começou com 13, para 24, para 32. E o número de membros da Fifa no Mundo aumentou, a qualidade aumentou. Nesta Copa do Mundo tiveram times que sempre jogam a Copa e não se classificaram. ITália, Chile, Holanda, Camarões, EUA.
"Times que normalmente se classificam, não conseguiram. Então a qualidade está sempre lá. Quem esperava a Croácia na Final? É um país pequeno na final. Isso mostra a qualidade. E não há nada mais forte do que participar num evento como a Copa do Mundo para ampliar o futebol num país. O Panamá participou pela primeira vez de uma Copa. Marcou dois gols e celebraram. O primeiro gol deles na Copa foi como se tivessem ganhado a Copa. E isso é a Copa do Mundo. Levar crianças a participar do futebol, jogar do futebol.
"48 times é 25% dos membros da Fifa e isso é um número razoável. Em 2026 eles vão estar prontos para receber uma grande Copa do Mundo", disse, com ênfase decorada, de quem sabia muito bem que teria de explicar essa multiplicação de países.
Na verdade, Infantino ao assegurar mais países, ele garante maior apoio político para se reeleger e também mais dinheiro das tevês de 48 países que transmitirão os Mundiais.
Infantino só foi surpreendido e teve de pensar com maior profundidade para escapar da cobrança sobre os direitos humanos na Rússia. Que ainda seguem restritos. Ele usou toda sua retórica para não atacar o país do seu parceiro Putin.
"Há muitas injustiças no mundo. O mundo não funciona da maneira como os cidadãos do mundo gostariam. Há muitas coisas que gostaríamos de mudar, com as quais não estamos felizes. Não apenas em um país, em uma região, mas no mundo inteiro. E claro que vamos falar, vamos fazer o possível para mudar as coisas para o bem, sempre que pudermos. Mas aqui estamos na Copa do Mundo, estamos focados em futebol, em celebrar o futebol.
"E acho que uma das coisas que estão sentindo falta no mundo é a capacidade de falar um com o outro, de ter diálogo. Essa é a base para resolver os problemas. Poderia haver um pouco mais respeito, se não não vamos a luhar nenhum. E o futebol pode abrir canais, abrir discussões, ajudar a que possamos falar uns com os outros.
"Nos darmos conta de que podemos dar nossa contribuição. O futebol não pdoe resolver todos os problemas do mundo, não pode mudar o passado. Mas pode ter impacto no futuro. Espero que as pessoas vejam o que estamos fazendo no futebol e tentem se inspirar no que fazemos. Temos que olhar para o futuro. Sem fechar os olhos para o que está acontecendo."
Talvez nem o presidente russo fosse tão bem na argumentação.
Espetáculo verbal ele deu ao usar os números em favor de sua argumentação de que esta Copa é a melhor de todos os tempos.
"É a melhor Copa do Mundo porque 98% dos estádios estavam ocupados, 1 milhão de turistas de fora da Rússia, mais de 3 bilhões de pessoas vendo na TV. É seis vezes o Superbowl, ou coisa assim. 7 milhões de visitantes da Fan Fest. Tivemos grande sucesso com o VAR, foi muito positivo. O programa de anti-doping teve um número inédito de testes e até agora, bato na madeira, um número zero de resultados positivos.
"Só tivemos um jogo que terminou 0 a 0. A maioria dos jogos teve grande emoção. Estou no futebol há mais de 20 anos, e o nível de organização, de excelência dos estádios, transporte, segurança que eu aqui... e eu posso julgar porque é o meu trabalho, foi inédito. Todo mundo que foi a outras Copas, a outros campeonatos grandes, pode testemunhar isso. Um grande parabéns a quem trabalhou com isso. E a grande festa na Rússia. Se você andar pela Praça Vermelha, especialmente no começo da Copa, pessoas com camisas de países diferentes celebrando, do começo ao fim."
O último aperto que recebeu foi sobre ser ou não imoral não pagar nenhum centavo aos dezenas de voluntários que trabalham de sol a sol, sem folga durante o Mundial da Rússia. Justo ele que recebe, pelo menos oficialmente, R$ 6,2 milhões por ano, para presidir a Fifa.
O salário foi instituído até como uma tentativa de evitar a corrupção dos presidentes da Fifa. Para não caírem em tentação.
"Todos estão pelo amor ao futebol e pela sociedade. Nós temos voluntários em todas as atividades da vida. Temos de ter gratidão por fazer as coisas, por participar, por mostrar aqui na Rússia o impacto, a empatia. Essa é a grande atmosfera do esporte no mundo”, disse o dirigente.
“Como presidente da Fifa eu sou pago, você (jornalista) é pago, todos são pagos. Mas nós temos voluntários na Copa e em outros torneios também. Sao pessoas normais, é a base do esporte, do trabalho. Temos de agradecer", confirmando que a bilionária Fifa seguirá sem pagar a quem quiser colaborar com os Mundiais.
Depois da exibição se seu talento verbal e manipulação, não é por acaso que o advogado franco-suíço já sabe. Tem apoio incondicional da esmagadora maioria das federações do mundo. E, em junho do próximo ano, quando acabar o período que completa o mandato de Joseph Blatter, que foi obrigado a abandonar a Fifa, pelo escândalo da corrupção, Infantino será reeleito. Talvez até por aclamação. Quem ousar desafiar o seu poder, perderá tempo.
Serão mais quatro anos de domínio total do esporte.
Infantino e Putin sabem muito bem o que fazem...