Relação entre política e futebol volta à tona nos gramados do país
Antonio Lacerda/15-06-20No último dia 1º, o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, foi derrotado na disputa para fazer seu sucessor. Quatro dias depois, ele viu seu Botafogo ser o primeiro rebaixado do Brasileirão de 2020.
A relação do futebol com a política no Brasil novamente voltou à pauta do dia, em uma época na qual a economia tem falado mais alto. E colocado, em termos futebolísticos, o país em um patamar internacional semelhante ao que tinha poucos anos antes da profissionalização do futebol, em 1935, quando o jogador brasileiro era visto como talentoso, mas o futebol não assustava franceses, espanhóis, tchecos, iugoslavos, italianos, uruguaios e argentinos.
Com a profissionalização, o Brasil começou a se tornar o "País do Futebol", após os clubes se estruturarem melhor e o jogador ganhar confiança para desempenhar seu futebol. E assim permaneceu durante algumas décadas.
Esta ligação, entre esporte e bastidores de Brasília, tem forjado a própria identidade do brasileiro, do Oiapoque ao Chuí. Até o alheio ao futebol, afinal, se envolve com o clima nacional em dia de jogo do Brasil na Copa. Sente pelo menos uma ponta de tristeza com a derrota e surfa no clima positivo da vitória.
Políticos também amam seus clubes. E, nesta atmosfera apaixonada, craques da bola muitas vezes são recebidos no Congresso, para algum depoimento ou homenagem, como heróis, fazendo os congressistas se transformarem em tietes.
Maia é um dos idealizadores de uma lei, na Câmara dos Deputados, para transformar os clubes brasileiros em Sociedades Anônimas. Esta lei foi base para uma outra, em pauta no Senado, de autoria do atual presidente da casa, Rodrigo Pacheco.
A possibilidade da aprovação da lei ganha força em um momento no qual o futebol brasileiro precisa novamente se reinventar. Com os clubes da Série A e B acumulando mais de R$ 8 bilhões em dívidas, tendo uma receita bem menor do que tal valor.
Uma verdade se apresenta com força, neste momento. Muitos clubes tradicionais, vistos como grandes, não podem mais ser administrados como se tivessem a dimensão de outrora, diante da falência financeira que só não é formalizada porque não são empresas.
Todos, com exceção do Flamengo, não têm conseguido administrar seus passivos e apenas uns poucos, como Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Grêmio ainda têm, em função das receitas por causa da popularidade, status de grandes, do ponto de vista de negócio, segundo muitos estudiosos de marketing.
Clube-empresa é solução?
Mesmo assim, apenas se tornar empresa pode não ser a solução, conforme afirmam especialistas entrevistados pelo R7. Uma empresa tem, acima de tudo, de buscar o lucro e, com tamanho passivo e a necessidade de títulos, a transformação de um grande clube em S.A o obrigaria a reduzir os investimentos, por exemplo, em jogadores caros.
Com isso, poderia, inicialmente, se tornar um clube mediano. Principalmente aqueles que têm uma grande torcida, mas muito mais concentrada nas regiões em que atuam.
"Acho muito dificil os clubes se tornarem empresas. Só seria possível se todos, absolutamente todos, forem S.A. O Cruzeiro ou Atlético-MG, se virassem S.A, por exemplo, poderiam se sustentar economicamente. Mas não investiriam para ter equipes competitvas no nível dos grandes clubes que são, pois isso não traria retorno ao investidor", afirma o economista Denis Rappaport, mestre em Administração pela Duke University (EUA) e especializado também em Esportes.
Para ele, a transformação em S.A não seria traduzida em negociações na Bolsa de Valores, como ocorre com clubes europeus.
"Dificilmente os clubes brasileiros, tirando duas ou três exceções, chegariam à Bolsa de Valores. Antes de lançar as ações a mercado as empresas passam por uma avaliação de instituições financeiras sobre a viabilidade do lançamento de ações. As instituições concluiriam que o IPO (oferta pública primária ) é inviável."
A IPO ocorre quando uma empresa emite novas ações ou cotas diretamente para investimentos do público. Diante disso, Rappaport sugere um outro modelo de gestão, que não vise ao lucro, já que, muitas vezes, os clubes grandes têm a exigência de investimentos para conquistar títulos.
"Acima de tudo, os clubes precisariam profissionalizar a gestão. O que não significa virar S.A. Considero que o melhor modelo seja o de Organização do terceiro setor, ONGs, sem fins lucrativos , mas com gestão profissional. Existem escolas e hospitais , sem fins luctativos , muito bem geridos. Enquanto outros fecham. É a qualidade de gestão que faz diferença."
Nesta nova fase do futebol brasileiro, muitos antigos clubes grandes realmente deixaram de ser grandes, do ponto de vista financeiro e em relação às perspectivas em curto prazo, conforme ressalta Paulo Beltrão, também especialista em marketing esportivo.
"A tradição precisa ser revista e atualizada. Uma vez falei com um executivo de marketing de uma multinacional e ele me disse que, se o futebol tivesse segurança jurídica, contratos redondos, balanço, uma mínima segurança, teria cinco ou vezes mais dinheiro", conta.
Até o Flamengo, por mais que tenha buscado sanear suas finanças, teria dificuldade em se tornar empresa, segundo Beltrão.
"Os investidores não colocam dinheiro porque não compensa e, quando colocam, estão se arriscando. Há um passivo e uma instabilidade jurídica que podem explodir a qualquer momento. O Flamengo, por exemplo, mesmo, também daqui a um tempo, em função dos desdobramentos jurídicos da tragédia no Ninho, poderá ter um passivo de imagem gigantesco, que impede o investimento de empresas no clube."
E enquanto a política busca uma solução para o futebol, o deputado Rodrigo Maia, neste momento, experimenta com precisão uma das únicas diferenças entre ambos. E que se mostra um obstáculo, porque, muitas vezes, para o torcedor seria muito mais racional começar do zero. Esquecer-se que um dia amou um clube.
Acontece que, na política, ele até pode mudar para outro partido. Mas, no futebol, não. E então, o coração de todo torcedor não deixa de ser uma estrela solitária.
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