São Paulo, Brasil
"Já estava angustiado.
"A magnitude de Pelé surgiu como um baque.
"A redescoberta de sua importância, relevância.
"Eu não acreditava.
"Até ver a cena e ler uma mensagem que resumiu tudo o que eu pensava e não conseguia expor.
"A pior imagem da história do futebol mundial é ver Pelé em um caixão.
"No coração da Vila Belmiro.
"Recebendo o carinho do filho Edinho, que tanto defendeu, mesmo quando não tinha defesa.
"Não há como separar mais Edson, com seus erros, do jogador fabuloso, icônico, capaz de tirar o Brasil da periferia do mundo, na década de 50.
"A vida terminou para os dois.
"Porque, quando Edson tinha de relembrar um lance, dar um autógrafo, ganhar um abraço, atender a milhões de selfies, o sorriso orgulhoso do homem de 50, 60, 70, 82 anos era dele, a fagulha voltava a acender.
"A humanidade de Pelé começou a se impor em 2009, com uma estranha dificuldade para andar. As dores tomaram conta da sua perna direita, a sua preferida na hora de marcar, de driblar, de lançar, de mostrar ser o melhor de todos.
"A origem estava no quadril. Ele não suportou tantos chutes aos gols adversários, tantas brecadas, tantas arrancadas em zigue-zague.
"Tantos pontapés desleais, quando os protetores cartões amarelos e vermelhos nem existiam.
"Pelé forçou Edson a suportar as lancinantes dores. Manter a fama de o 'Atleta do Século 20'. Tentando fazer de conta que não estava vivendo no século 21 e já aos 71 anos.
"Foi até não suportar mais, tendo sido operado em 2012.
"Acreditou que estaria 'curado'. Mas os médicos avisaram que as chances eram quase nulas de melhoria completa. Viu-se diante do espelho com muletas.
"Apostou que uma segunda cirurgia nos Estados Unidos daria jeito. Voltou em uma cadeira de rodas. Deixá-la era sacrifício que beirava o impossível.
"Preferiu não ir às aberturas das Olimpíadas no Brasil, em 2016, e da Copa do Mundo da Rússia. Pelé não queria que a humanidade de Edson despertasse pena, tristeza, constrangimento. Ele sempre se viu como um super-homem sem capa.
"As notícias ruins passaram a ser péssimas. Estava em São Petersburgo, acompanhando a já frustrante seleção de Tite, e comentava-se que Pelé não andaria mais. Jornalistas russos souberam por pessoas ligadas à organização do Mundial.
"Eles só poderiam estar completamente enganados. O estafe do Pelé deve ter se desentendido com Putin. Eu apostava, iludido.
"Só que os fatos foram se impondo à esperança.
"Eu havia entrevistado Pelé em três oportunidades. Falamos sobre o futebol brasileiro duas vezes, de maneira superficial. Mas já servindo para mostrar seu enorme carisma.
"Foi na terceira, como ministro de Fernando Henrique, na imponência de Brasília, que ele mostrou sua força. Indignado com a postura, que considerava escrava, dos jogadores brasileiros.
"Percebi que Fernando Henrique colocou Pelé no Ministério dos Esportes porque ninguém seria capaz de enfrentar os dirigentes do futebol brasileiro para acabar com a Lei do Passe. Só ele.
"E foi o que fez.
"Por mais amor que tinha ao Santos, ele mesmo poderia ter ido jogar no Real Madrid, no Barcelona, na Inter de Milão. No Milan. Mas sua ligação de coração e até legal ao Santos, mais o pedido do governo federal, que o considerava um símbolo, o mantiveram no país.
"Sabia que ele estava retirado, saído de cena. Mas não acreditei, como muitos jornalistas que estavam no Catar, quando foi revelado, em detalhes, o terrível diagnóstico de câncer no cólon. Com metastáse, ou seja, a doença se espalhando por seus órgãos vitais. E o tratamento não dando resultado.
"Com ele optando por não se internar na UTI do Albert Einstein.
"Pelé quis corrigir os erros de Edson em vida. Reuniu-se com os filhos e com os netos, inclusive o filho de Sandra, a filha que ele não assumiu. Mesmo com ela doente terminal. Sandra teria discutido com sua amada mãe Celeste. E ainda fez 'estardalhaço' na imprensa, nas palavras do Rei. Daí a distância que manteve até o fim.
"Mas, com o terrível diagnóstico, Pelé acertou as arestas com Gabriel e Otávio, que não vingaram no futebol. Dividiu a herança. E ainda escolheu onde está hoje, neste inesquecível 2 de janeiro de 2022, descansando em um caixão no centro da Vila Belmiro.
"No mesmo local onde se ajoelhou, em 1974, e agradeceu aos céus pela carreira que teve no Santos.
"Acompanhei com admiração ele se tornar de vez um ícone mundial, graças ao Cosmos. Indo muito além das três Copas. Soube só muito depois que a Warner Bros. era dona do clube de Nova York.
"No Catar vi as inúmeras homenagens a Pelé. Sua figura estava presente nos incríveis prédios de Doha. Na faixa da torcida brasileira. Jornalistas, principalmente argentinos, me perguntavam todos os dias do estado de saúde de Pelé.
"Queria acredita que era exagero.
"Mesmo quando o meu dia 29 de dezembro foi sofrido com a notícia da morte de Pelé, no fundo eu mantinha a esperança de ser um grande engano.
"Até que, hoje, o corpo está na Vila Belmiro.
"A dor de quem ama futebol e vê esta cena é comovente demais.
"Nem a terrível doença nem a quimioterapia nem todos os remédios possíveis e impossíveis conseguiram esconder a sua feição.
"O rosto de Pelé segue sendo o de Pelé, ao contrário do de muitas pessoas que perdem a vida.
"Só restam as furtivas lágrimas, que ninguém pode ver, enquanto tento fazer passar a minha tristeza, dor diante da finitude de quem não tem fim.
"Pelé morreu.
"Charles Chaplin morreu.
"Elvis Presley morreu.
"Muhammad Ali morreu.
"Marilyn Monroe morreu.
"Maradona morreu.
"É o que dizem.
"Mesmo com seu corpo no gramado da Vila Belmiro...
"Eu não acredito..."
Velório de Pelé em Santos: multidão se despede do Rei do Futebol
![Narciso, ex-jogador do Peixe, foi mais uma voz favorável a aposentadoria da camisa 10, eternizada por Pelé no Santos. Ele afirma que, assim como é feito nos Estados Unidos, o número precisa ser guardado."Os esportes americanos fazem isso com seus ídolos, que são imortalizados. Pelé é o maior de todos. Na minha opinião, tem que ser, sim [aposentada]. Tem que guardá-la e deixá-la na lembrança", defendeu](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/2V7O2EZ4ZZKKVNVQE4YNR4UB2Q.jpg?auth=097c11cc326a5407091911f346acd11d829120175a81a7f23e2a90e0a8775ea2&width=900&height=1600)
Desta segunda-feira (2) até a manhã de terça (3), os fãs, autoridades, amigos e familiares de Pelé, o Rei do Futebol, poderão se despedir da lenda do esporte, que morreu na última quinta-feira (29) em decorrência de complicações de um câncer de cólon, descoberto em 2019. O velório de Pelé, que será aberto ao público, terá o estádio da Vila Belmiro como palco