Sinceridade de Casagrande com Neymar trava plano da Globo
"Monstro." "Mimado." Críticas do comentarista podem acabar com a reaproximação da emissora com o principal jogador brasileiro
Cosme Rímoli|Cosme Rímoli

"Me incomoda a maioria dos torcedores brasileiros e da imprensa ficarem passando a mão (na cabeça) do Neymar. Ele já demonstrou diversas vezes comportamentos fora do coletivo, mimado, colocando até em risco a equipe. Ontem (quarta-feira), ele levou um amarelo no primeiro tempo.
"Se ele faz mais uma falta ou cava uma, o juiz coloca ele para fora. O que seria desastroso. Isso pode acontecer em uma Copa do Mundo (...) Pô aí falam: "o Cavani não sei o que, contrata (o fulano), o Neymar tem que sair do Barcelona porque está muito nas costas do Messi, aqui o centroavante não combina com ele, vamos levar para ele outro lugar". Estamos criando um monstro, ao invés de corrigir o monstro para ele virar gênio.
"O Pelé, com toda a genialidade dele, descia alguns degraus para fazer parte do coletivo. Não ficava parado no degrau dele forçando para que os outros chegassem até ele. O Neymar ainda não tem a genialidade, o tamanho de um Maradona, de um Messi, de um Cristiano Ronaldo que a equipe pode esperar ele resolver. Não é assim. Os brasileiros se iludem com isso."
De forma direta, Casagrande, o principal comentarista da tevê Globo, que deverá ser a única a transmitir a Copa do Mundo, diante da falta de recursos da Bandeirantes, acabou com o trabalho de reaproximação da emissora do principal jogador do país.
A recessão também atingiu a Globo. E está espantando os anunciantes. Até do futebol. A audiência caiu cerca de 22% nos últimos dez anos. A não ser eventos fortes, como finais, ou partidas importantes, decisivas, não há mais a mesma mística envolvendo o esporte. O que já estava ruim, ficou muito pior com os 7 a 1.
E também com a corrupção envolvendo dirigentes da Fifa, da CBF. Gillette, Sadia, Michelin, Unimed e Samsung abandonaram o patrocínio da entidade. A Chevrolet deixou de pagar para ter seu nome no Campeonato Brasileiro. A Petrobrás não quis mais o seu nome atrelado à Copa do Brasil. A Petrobrás...

A Globo teve de alterar sua política interna de décadas. E para atrair seus patrocinadores para a Copa, Banco Itaú, Brahma, BRF, Coca-Cola, Johnson & Johnson e Vivo, resolveu tomar uma atitude que não agradou seus funcionários. Os narradores dos jogos terão de falar os nomes dos anunciantes, sem ganhar um centavo a mais por isso. Antes, entravam propagandas gravadas, os narradores se calavam. A mudança foi para agradar quem ainda resolveu pagar pelo Mundial.
O mesmo critério vale para os patrocinadores dos campeonatos, que formam outro pacote. Banco Itaú, Brahma, Chevrolet, Hypermarcas, Unilever e Vivo. Houve a divisão para diminuição dos custos. A empresa ficaria livre para pagar por todo o futebol ou só o Mundial ou ainda, só os campeonatos de clubes.
Diante desse quadro, a emissora tenta se reaproximar do principal jogador do Brasil no Mundial. Neymar. A relação que já foi íntima, como era a de Ronaldo Fenômeno, esfriou desde a Olimpíada de 2016.
Em fevereiro daquele ano, Casagrande já havia censurado de maneira intensa o jogador.
"Ele reina sozinho no time do Brasil, mas ainda tem muito a provar no futebol. No Barcelona ele é o terceiro melhor – atrás de Lionel Messi e Luisito Suárez –, e até o quarto – se contarmos o Iniesta, que está no fim da carreira, mas ainda joga muito quando entra. Ronaldo tinha a sombra de Rivaldo, Ronaldinho, Juninho Pernambucano e tantos outros craques da época e mesmo assim era soberano.
"O Neymar tem muito a apresentar, mas ele está se comportando mal, precisa de uma bronca de pai. De pai não, de avô, porque o pai dele está tão deslumbrado com o sucesso quanto ele. Outro dia ele postou numa rede social uma capinha de celular que custa R$ 16 mil. Ele é ídolo num país em que as pessoas passam fome! É um desrespeito isso."

Ao chegar os Jogos do Rio, desancou o comportamento do jogador nas primeiras partidas do Brasil e despertou a ira do atleta. A vingança de Neymar veio com a conquista da medalha de ouro. Não adiantaram todos os elogios do mesmo Galvão. Primeiro, o jogador fez um vídeo ironizando as críticas que recebeu. Depois, se afastou do esporte da emissora.
Seguiu, no entanto, muito próximo de Luciano Huck, atores e atrizes da emissora, da humorista Tatá Werneck. Dos narradores, comentaristas e repórteres, Neymar seguiu cada vez mais distante.
Nos jogos das Eliminatórias, amistosos da Seleção e partidas do Barcelona, Galvão Bueno passou a sistematicamente a elogiar Neymar. Sua transferência para o PSG foi tratado como prioridade na emissora carioca. O repórter Mauro Naves é muito próximo do pai do jogador, Neymar Sênior.

O plano arquitetado para ter Neymar próximo durante a Copa, estava dando certo. Programas especiais sobre a vida do jogador seguem sendo feitos para serem exibidos no Mundial. Ter o jogador em exclusivas na Rússia seria certeza de audiência e agrado nos patrocinadores.
Tudo estava caminhando bem.
Até ontem.
Já na transmissão da vitória do Real Madrid contra o PSG, os elogios de Galvão Bueno a Neymar não encontravam ressonância em Casagrande. O principal jogador do Brasil insistiu em jogadas individuais quando havia companheiros livres. Essa atitude irritou profundamente Casagrande. Mas ele foi cuidadoso nas críticas.
Só que hoje, no programa Redação, no Sportv, ele se sentiu mais livre, mais à vontade. E falou sem censura o que pensa de Neymar. Suas declarações nesta manhã repercutiram em todos os grandes portais do país.
E há a certeza que chegaram à assessoria de Neymar.
"Monstro", "mimado" não são termos que agradem ao jogador.
A preocupação na Globo é que toda a reaproximação tenha ido por água abaixo.
E que Neymar volte a ficar arredio com a emissora.
Mesmo durante a Copa.
Mas é o preço que a Globo paga.
Por ter alguém tão sincero e espontâneo como Casagrande.
Se ele vê um jogador fundamental à Seleção Brasileira, um dos três melhores do mundo, com 26 anos, mimado, egocêntrico, tomando um cartão amarelo de forma irresponsável aos 14 minutos do primeiro tempo, ele vai falar.
Mesmo que seu nome seja Neymar...
