O Atlético e o orgulho por Dudamel. O homem que não se dobrou
Ele não aceitou que a seleção venezuelana seguisse sendo palanque eleitoral para Maduro e para Guaidó. Não cedeu. E assumiu o Atlético Mineiro
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
O torcedor do Atlético Mineiro tem de ser orgulhar.
Seu clube contratou não só um ótimo treinador, capaz de revolucionar, fazer ser levado a sério o futebol da Venezuela.
Mas um homem de personalidade invejável.
É o melhor goleiro da história do país. Defendeu o selecionado por 17 anos. Teve seu talento reconhecido na Colômbia, onde chegou ao seu ponto máximo, decidindo a Libertadores contra o Palmeiras, pelo Deportivo Cali, em 1999. Jogou também na África do Sul, além do seu próprio país.
De gênio forte, não se submetia a dirigentes. E nem a treinadores, companheiros. Foi assim que fez questão de se impor cobrando pênaltis, que adorava. Marcou 21 gols na carreira.
Foi assim que chegou ao comando da seleção sub-20 da Venezuela. Conseguiu uma façanha: o vice-campeonato mundial, em 2017, na Coreia do Sul.
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Com a fraca campanha nas Eliminatórias de 2018, tomou o lugar de Noel Sanvicente no time principal. Mas não conseguiu levar o time até a Rússia. Mas na última rodada, fez estrago. Seu time venceu o Paraguai e tirou a equipe da Copa.
O futebol da Venezuela havia melhorado com a intervenção estatal do falecido presidente Hugo Chávez. Ele liberou para os clubes de futebol o mesmo privilégio que era das equipes de beisebol e de basquete: comprar dólares pela cotação oficial. E fechava os olhos para a revenda no mercado negro, com 600, 800% a mais.
As equipes foram se fortalecendo.
Assim como a seleção venezuelana, que chegou a sediar a Copa América de 2007, com altas suspeita de corrupção. Dirigentes teriam subornado a cúpula da Conmebol para levar a competição para o país.
O time "Vinho Tinto" serviu como propaganda do governo socialista.
Mas a crise econômica estourou com a morte do ditador Hugo Chávez, em 2013.
Dudamel conseguiu, mesmo sem dinheiro, não só resgatar o bom futebol da Venezuela. Mas fez seu país obter um respeito inédito dentro do campo.
Tudo compreensível na vida profissional de um ex-jogador e agora técnico competente.
Mas o motivo de orgulho do torcedor atleticano está na decisão do treinador em abandonar a seleção da Venezuela.
O presidente Nicolás Maduro e o maior representante da oposição, Juan Guaidó, decidiram usar o selecionado como propaganda.
Com a permissão da Federação Venezuelana, eles iam ou indicavam representantes para visitas oficiais ao time.
O presidente Laureano González não colocava obstáculos para os encontros políticos. Dudamel pediu para eles não mais acontecerem. Só que não foi ouvido.
E decidiu que era hora de ir embora.
Não se submeteu.
"Não tinha mais condições de trabalhar na seleção. Houve problemas que afetavam o meu desempenho e dos meus jogadores. Decidi que era hora de sair", disse Dudamel ontem, antes do anúncio de seu contrato de dois anos com o Atlético Mineiro.
Não quis entrar em detalhes. Mas deu pistas sobre o que aconteceu.
"Havia problemas com a Federação Venezuelana. Foi melhor sair."
A imprensa de Caracas ficou ao lado do treinador.
O Atlético Mineiro terá não só um técnico de qualidade, mas muito trabalhador, exigente, moderno. A Venezuela, mesmo sem tantos jogadores técnicos, mostrava intensidade, velocidade e desenho tático claro, definido.
Ele exigiu a contratação de quatro profissionais que estavam com ele no time Vinho Tinto. Marcos Mathías (auxiliar técnico), Joseph Cañas (preparador físico), Rodrigo Piñón (analista de desempenho) e Jeremías Álvarez (coach motivacional). Sim, coach motivacional. Dudamel leva muito a sério o trabalho psicológico.
Não há demérito algum em ter um venezuelano conduzindo um clube com a tradição e importância do Atlético Mineiro.
Só a ignorância e a xenofobia explicam tanta ignorância nas redes sociais.
Os ataques a Dudamel são rasos.
E injustos.
O novo treinador atleticano não se submeteu.
Não permitiu que a seleção venezuelana fosse palanque eleitoral.
Foi necessária muita personalidade.
Mas ele disse 'não'.
Ele merece assumir o cargo.
Ficar com o lugar que já foi de Telê Santana...
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