No Palmeiras, Abel Ferreira havia avisado Endrick. Ancelotti cansou das firulas de Endrick. ‘Futebol não é teatro’, bradou o italiano
Era uma grande chance de mostrar todo o seu talento. Mas Endrick não só desperdiçou, como provocou a ira de Carlo Ancelotti, dos companheiros e da mídia espanhola. Faltou humildade contra o Getafe. Foi substituído, no ato, e voltará à reserva dos reservas. Lição
Cosme Rímoli|Do R7

No dia 21 de julho de 2022, o mundo soube.
O Real Madrid havia comprado a maior revelação recente do futebol brasileiro.
Em uma negociação que envolveu cerca de R$ 400 milhões, passou à frente dos gigantes Manchester City e PSG.
O brasileiro de 16 anos e meio era do clube espanhol.
No um ano e meio que ficou no Palmeiras, Abel Ferreira fez questão.
Teve longas conversas com o jovem atacante.
E o ponto que mais insistiu foi em relação à seriedade durante as partidas do Real Madrid.
Por mais que Endrick tivesse recursos técnicos para tornar uma jogada mais plástica, o português sabia que Carlo Ancelotti, um dos seus modelos de treinador, não abre mão da seriedade.
Insistiu muito e até agiu como o italiano, cobrando forte as firulas desnecessárias, vício que trazia da base, onde teve uma trajetória espetacular e não era cobrado de forma tão veemente.
Por isso, Abel ‘segurou’ a entrada do atacante no time titular.
O considerava imaturo, como era normal para um jogador de 17 anos, que vira estrela mundial.
Abel fez o que pôde, garantem conselheiros do Palmeiras, muito ligados à rotina do clube.
E lá foi o garoto de R$ 400 milhões à Espanha, em julho de 2024.
Encontrou Carlo Ancelotti de braços abertos, mas atento ao seu comportamento.
Ele não permitiu que Endrick fosse para o segundo time do Real Madrid.
O Real Madrid Castilla, que disputa a Segunda Divisão Espanhola, e amadurece as jovens grandes contratações.
Vinicius Júnior e Rodrygo não queriam, mas tiveram de passar por lá.
Ancelotti acreditou que, aos 18 anos, e com estafe de 12 pessoas, entre empresários, nutricionista, preparador físico e até coach, o brasileiro comprado do Palmeiras, ele estaria melhor preparado psicologicamente.
Entenderia que o Real Madrid possui estrelas do mundo todo e que joga de forma coletiva.
Ainda mais quando os jogos não estão definidos e valem muito.
A situação atual é pesada, depois da eliminação precoce da Champions League.
Faltam cinco rodadas para acabar o Campeonato Espanhol e a equipe está em segundo, a quatro pontos do rival, e líder, Barcelona.
O Real Madrid tem a obrigação de vencer seus últimos jogos para tentar ganhar o título.
O jogo contra o Getafe ontem estava difícil.
A Real Madrid vencia por 1 a 0, mas o rival criava chances para empatar.
Endrick havia ganho a chance de, pela primeira vez, ser titular no Campeonato Espanhol, com a suspensão de Mbappé.
O francês ainda se recupera de uma entorse no tornozelo direito.
O planejamento de Ancelotti previa que, esta temporada, Endrick seria reserva e só entraria como titular nas primeiras partidas da Copa do Rei.
Mas, surgiu a chance e o brasileiro entrou como titular contra o Getafe.
Ele atuava entre os zagueiros, buscando infiltrações, abrir espaço aos companheiros e usando seu arranque, a velocidade.
As características de Endrick combinavam com a movimentação em linha e adiantada da zaga rival.
Foi assim que teve duas chances.

A primeira, aos 31 minutos do primeiro tempo, cara a cara com Soria, depois de tabela espetacular com Vinicius Júnior.
Ele chutou forte, o goleiro conseguiu desviar a bola, que entraria, mas o togolês Djené salvou.
Mas, foi a segunda, aos 11 minutos do segundo tempo, que o envenenou contra Ancelotti, os companheiros e a mídia espanhola.
O irônico da situação é que ele estava impedido, o lance não valeria.
Mas o que contou foi a atitude.
Ele conseguiu invadir a defesa do Getafe sozinho, na corrida.
Endrick estava, de novo, diante de Soria.
Com a grande diferença que o turco Guler estava sozinho, do seu lado, com o gol vazio.
O brasileiro escolheu a pior opção, dar uma cavadinha, encobrir, humilhar o goleiro do Getafe.
Desprezou a chance do jogo coletivo e rolar a bola para o companheiro marcar.
Endrick pegou mal demais na bola, que foi nas mãos do goleiro.
Ancelotti ficou histérico de raiva.
E imediatamente mandou que Bellingham entrasse na partida.
A torcida do Real Madrid vaiou o brasileiro.
Ancelotti não disfarçou sua insatisfação.
O Real Madrid ganhou apenas por 1 a 0, três pontos importantíssimos.
Mas a desilusão com Endrick foi o grande assunto da coletiva do italiano.
“Ele teve duas oportunidades.
“Na primeira, ele não poderia ter feito melhor.
“Na segunda, talvez até estivesse impedido, mas não pode fazer essas coisas.
“É jovem e tem que aprender.
“Ele deve chutar o mais forte possível, não pode fazer teatro.
“No futebol, clube de teatro não existe.”

A consequência é que Endrick voltará na fila.
Voltará a ser reserva do reserva.
Ancelotti já tomou a mesma atitude com Morata, que também enfeitou uma jogada contra o Valladollid, no Espanhol de 2013/2014.
E ficou seis partidas fora do time, ‘para aprender’.
O Real Madrid decidirá a Copa do Rei no sábado.
Contra o grande rival Barcelona.
Mbappé voltará ao time, mesmo sentindo leves dores.
Há sérias dúvidas se Endrick ficará sequer no banco de reservas.
Nada do que está acontecendo é surpresa para Abel Ferreira.
O técnico do Palmeiras havia previsto e avisado ao atacante para ser o ‘mais sério’ possível no Real.
Ainda mais com Ancelotti.
O italiano, que não sabe se seguirá em Madrid, ou até assumirá a Seleção.
Mas enxerga todo o potencial do jogador.
Vai punir Endrick, mas não autoriza o Real a emprestá-lo ‘para ganhar experiência’.
Propostas não faltam.
Como as do Valladolid, Sampdoria, Benfica.
Ancelotti enquanto estiver como treinador quer Endrick bem perto.
Para ele mesmo dar as lições que acredita que o brasileiro precisa.
E não aprendeu com Abel Ferreira no Palmeiras...