Mata-leão fantástico em Gaethje. Conor McGregor aceita desafio. Mas é imperdoável Charles do Bronx perder o cinturão
Por 200 gramas a mais, Charles do Bronx deixou de ser campeão dos leves. Situação amadora. No octógono, arrasou com Gaethje. Desafiou Conor McGregor. O irlandês aceita lutar com o brasileiro. Combate seria milionário
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
É necessário, justo, separar as duas situações.
Charles Oliveira, 'Charles do Bronx', como se tornou conhecido, fez história neste fim de semana, no UFC.
Phoenix, nos Estados Unidos, acompanhou uma situação teatral, digna de cinema.
Primeiro, o erro imperdoável, amador, que custou, com toda a justiça, a perda do cinturão dos peso-leve, na sexta-feira.
E, ontem, a redenção a vitória frenética, selvagem do lutador brasileiro, que se propôs a mostrar ao mundo seu talento. Mostrar que é o verdadeiro campeão de uma categoria mais do que disputada, recheada de talentos.
O caos aconteceu na sexta-feira, dia da pesagem e encarada.
Jamais em 27 anos da história do UFC, um campeão perdeu seu cinturão por não chegar à véspera da luta, valendo o título, com peso maior que sua categoria. A regra não poderia ser mais clara, dura, cruel.
E justa!
Charles faria o combate mas deixaria de entrar no octógono como campeão. Só o seu desafiante, Justin Gaethje, se vencesse, teria o direito de usar o cinturão. A vitória ao brasileiro daria apenas o direito de lutar, na próxima vez, pelo título.
O que aconteceu foi absurdo para um atleta de tão alto nível. Ele teria de pesar até 70,3 quilos para lutar como leve. Foi enorme decepção quando deu peso foi anunciado. 70,8 quilos. Charles teve ainda uma hora para tentar cortar esse meio quilo. Os lutadores, nestas condições, costumam fazer sauna, pedalar, tentar tirar o máximo de líquido do corpo.
Charles chegou a ficar nu na terceira e última tentativa de pesagem. Mas estava 200 gramas acima. Meia libra. E esse 'estouro' custou, de maneira perfeita, o cinturão.
Regras são regras.
Charles havia lutado pela última vez na noite de 11 de dezembro de 2021, vencendo Dustin Poirier, em uma finalização magnífica, em pé. Ou seja, teve cinco meses para fazer seu camp, treinamento, para a esperada luta diante de Gaethje.
E fazer o óbvio, chegar na pesagem com,no máximo, 70,3 quilos. De acordo com seu estafe, na quinta-feira, o brasileiro estava no peso. Na sexta, com meio quilo a mais. Jornalistas garantem que a balança que Charles utilizou dois dias antes da luta estaria desregulada.
Mas um atleta de um nível tão alto, que lutará pelo cinturão, teria a obrigação de checar novamente, procurar outra balança. E, o que ninguém quer comentar, assumir que, dois dias antes da luta, estava além do limite de segurança do peso da categoria.
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Erro amador.
Histórico.
Esse é um ponto que não pode ser esquecido, negligenciado.
A história de Charles Oliveira é muito sofrida para chegar onde chegou. E não permitiria um erro tão banal.
Nasceu em uma favela em Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá, em São Paulo. Filho de faxineira e dono de carrinho de lanches. Com nove anos foi diagnosticado com febre reumática e sopro no coração. Médicos avisaram seus pais que ele não poderia praticar esportes e viveria em uma cadeira de rodas. Eles não aceitaram o diagnóstico e procuraram tratamento em hospitais públicos.
Enquanto isso, um vizinho na favela apresentou o jiu-jitsu a Charles. A adaptação foi excepcional. Para manter o filho lutando era necessário comprar kimônos, a roupa especial para o jiu-jitsu. Os pais de Charles, para aumentar a renda passaram a recolher papelão pelas ruas. E vender por quilo, para a reciclagem.
Ele teve alguns amigos que seguiram pelo caminho das drogas. Viraram traficantes e acabaram mortos. Enquanto ele continuava treinando, apoiado pela família.
A carreira de Charles foi meteórica. Ao se profissionalizar teve 12 vitórias seguidas, invicto. Foi levado para o UFC como grande promessa. Passou por uma fase instável. De vitórias seguidas de derrotas frustrantes.
Até que em 2017, se firmou. Os treinamentos passaram a ser muito mais pesados, a dedicação muito maior. Vieram dez vitórias seguidas, até ontem. E já tinha o recorde de 15 finalizações. Além do cinturão dos leves.
Por tudo isso, o que aconteceu na sexta-feira é imperdoável.
Charles só encontrou uma maneira de amenizar, limpar sua imagem.
Ele decidiu entrar no terreno de Gaethje, especialista na trocação. Dono dos socos mais precisos e potentes da categoria. Já tinha sido campeão interino graças às suas selvagens atuações.
O brasileiro sabia ser absurdamente superior no jiu-jitsu, na luta agarrada. Mas partiu para a troca de socos. Frenética. Ele tomou dois diretos que o levaram para a lona. Só que o norte-americano preferiu esperar que levantasse, não queria se arriscar 'no chão', por medo de finalização de Charles.
O supercílio esquerdo do brasileiro sangrava.
O ginásio de Phoenix torcia freneticamente por Gaethje.
Até que um cruzado de direita de Charles explodiu no rosto do norte-americano, que caiu. Estava definida sua sentença de 'morte'.
O ex-favelado pulou como um gato sobre o rival. Estava no seu território. Os olhos do norte-americano mostravam desespero.
Primeiro, Charles tentou uma chave de braço, defendida por Gaethje. Mas não teve como ele não dar as costas. E o brasileiro encaixou um lindíssimo mata-leão. O norte-americano teve de desistir, para não desmaiar.
A vitória, aos três minutos e 22 segundos, no primeiro round, foi fantástica, fabulosa, empolgante. Inesquecível.
Charles desabafou, saiu do octógono para festejar, beijou até a careca de Dana White, presidente do UFC. Se desculpou pelo vexame na pesagem.
E, lógico, aproveitou os holofotes para desafiar o irlandês Conor McGregor, lutador capaz de conseguir a maior bolsa possível no UFC.
Mesmo longe de seu auge, o irlandês ainda é um ícone.
"Está faltando alguma coisa aqui, não está? O campeão se chama Charles Oliveira, o Charles do Bronx! Eu sou um problema da divisão. Vocês podem bater. Está escrito lá em cima. Eu sou o campeão. Eu não quero saber o nome, nem o lugar.
"Conor McGregor, você vai vir ou vai correr?", desafio, espertamente, Charles.
A resposta foi imediata. Conor usou suas redes sociais para criar a expectativa sobre o possível combate.
"Eu não sei se eu quero cortar peso. Estou gostando de parecer uma geladeira. Sinto que quero lutar com esse tamanho pois gostaria de me assistir lutando (risos). Mas eu adoraria lutar com o brasileiro, 100%! Amo o Brasil, estou invicto contra os brasileiros. Todos foram nocauteados. Tenho que pensar sobre!"
Vindo de três derrotas seguidas, nos seus quatro últimos combates, Conor lutou pela última vez em junho de 2021, perdendo para o limitado Dustin Poirier, derrotado por Charles.
Conor já passou por três categorias: pena, leves e meio-médios.
Aos 33 anos, milionário, não se dedica à carreira como antigamente.
Já anunciou sua aposentadoria algumas vezes.
É fraco no jiu-jitsu. Segue apenas sendo um chamariz para muito dinheiro.
Mas a humilhante vitória que impôs a José Aldo, em 2015, tirando seu cinturão dos leves com apenas 13 segundos, segue inesquecível.
Charles foi inteligente, esperto, ao desafiá-lo. Sabia que teria uma resposta imediata. E, se acontecer a luta, mesmo 'casada' ou seja, com o irlandês com 77 quilos, como meio-médio, o brasileiro é franco favorito.
O momento é de comemoração, entusiasmo.
Mas Charles do Bronx e seu estafe precisam encarar a realidade.
A perda do cinturão dos leves do UFC foi uma bobagem.
Situação amadora.
Imperdoável...
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