Del Nero se vingou da Globo. E a Seleção se fechou para o mundo
O Brasil é uma das equipes que menos dá entrevistas no planeta. Está cada vez mais distante do torcedor. Del Nero puniu todos os jornalistas brasileiros
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
Belo Horizonte, Brasil
"Posso afirmar, categoricamente, que o Marco Polo Del Nero não tem nenhuma relação com a CBF.
"Tenho independência dentro dos limites de fazer o que eu imaginar que pode ser feito para o futebol brasileiro.
"É importante esclarecer que a partir do banimento, ainda que provisório, o Marco Polo nunca mais teve relação com a CBF, nunca mais influenciou qualquer tipo de processo, hoje não tenho relacionamento com ele, não converso com o Marco Polo."
Essas foram as palavras do atual presidente da CBF, Rogério Caboclo, ditas no programa "Bem, Amigos", no Sportv, há duas semanas.
Partindo do princípio que Caboclo está falando a verdade, uma incrível coincidência segue firme nesta Copa América.
E atinge em cheio a TV Globo, dona do evento.
Desde maio de 2015, quando surgiu o maior escândalo envolvendo a cúpula da Fifa, na sua história, com direito a inúmeras prisões e acusações, Marco Polo del Nero foi atingido diretamente.
Ele era o grande parceiro de José Maria Marin, ex-governador de São Paulo, ex-presidente da CBF e que se tornou presidiário nos Estados Unidos.
A Globo sempre manteve uma relação de total parceria com a CBF. Na Copa do Mundo de 2014 nunca estiveram mais próximas.
Quando Marin foi preso, Del Nero esperava que a proximidade com a emissora dona do monopólio do futebol na tevê aberta continuasse. Só que ele passou a ser questionado, atacado.
Como reação, ele decidiu que acabaria os privilégios da Globo na Seleção Brasileiras. Ao longo de décadas, a emissora teve acesso a entrevistas exclusivas, jantares, cafés com treinadores da Seleção, informações privilegiadas que eram repassadas, preferencialmente, no Jornal Nacional.
Foi assim, por exemplo, em 2014.
Só que Del Nero resolveu se vingar.
E desde 2015, tudo mudou.
Com a desculpa da 'democratização', a Seleção Brasileira é uma das mais fechadas do mundo. A própria CBF TV faz imagens da saída e chegada da delegação para os jogos. Mostra bastidores. Faz entrevistas (sem questionamentos pesados, óbvio) com os jogadores.
E repassa o material no seu site.
Qualquer veículo de comunicação pode acessar, desde uma minúsculo portal de Mococa até a TV Globo para colocar no Jornal Nacional.
Acabaram as exclusivas.
O repórter pode chorar diante dos assessores de imprensa.
Não há durante a Copa América.
E ponto final.
Na Copa do Mundo da Rússia, a Globo enviou um exército de mais de 200 pessoas para cobrir a Seleção.
Foi um tiro n'água.
Não teve nada de diferente.
Gastou muito dinheiro à toa.
No final, quando quis algo diferente, usou material da CBF TV, que estava acessível dos computadores do Jardim Botânico, onde fica a emissora.
A vingança segue ainda nesta Copa América de 2019.
A Seleção está classificada para a semifinal contra a Argentina.
Os treinamentos táticos brasileiros foram todos fechados.
Só duas coletivas ontem.
Do Thiago Silva e do Gabriel Jesus.
Só.
Hoje, domingo, é o dia 'seco'.
Sem acesso dos jornalistas nem ao aquecimento dos jogadores e nenhuma entrevista.
É proibido entrar na Cidade do Galo, concentração do Atlético Mineiro, aqui em Belo Horizonte, onde a Seleção vai treinar.
A rotina nesta Copa América desta maneira radical.
Jogo, entrevista dos jogadores após a partida e coletiva de Tite. No dia seguinte, treino dos reservas, ninguém fala. No segundo dia, 15 minutos de acesso dos jornalistas ao aquecimento dos atletas. E depois do treino secreto, um atleta dá entrevista. Depois, o dia 'seco'. Aí, na véspera da próxima partida, mais treino secreto. Tite e um jogador falam em coletiva. 24 horas depois, o jogo.
Os repórteres da emissora carioca têm o direito de fazer uma pergunta na coletiva, como todos os outros jornalistas. Todos terão o áudio da resposta.
A Globo sentiu o baque.
A equipe que está acompanhando a Seleção é muito menor do que em outras ocasições. Mesmo com a competição disputada aqui no Brasil.
A cúpula percebeu.
Não há diferença entre ter 30 jornalistas ou 200.
A falta de acesso por conta da nova filosofia da CBF é total.
A Globo tem o mínimo de informações do time, exatamente igual como os outros veículos de comunicação.
Com a recessão, e a Seleção blindada, o número de jornalistas brasileiros, seguindo o time de Tite pelo país, caiu drasticamente.
A relação entre os atletas, o técnico e os repórteres é cada vez mais fria, distante.
O que é um baque principalmente para a Globo e seus canais a cabo Sportv. Fica tudo exatamente pasteurizado.
Imagem e declaração diferentes só da CBF TV.
Não há saída.
Rogério Caboclo garante que não tem mais relação com Del Nero.
Mas a vingança de Marco Polo continua se impondo.
Travando os veículos de comunicação.
Distanciando a Seleção dos torcedores.
Sabotando quem o banido presidente queria.
A emissora que era parceira da CBF.
Mas lhe virou as costas.
Não o protegeu das acusações da Fifa.
Pelo contrário, seguiu pelo mesmo caminho.
O acusou, questionou.
Del Nero se vingou.
O ódio dele pela Globo respingou em todos os veículos.
O Brasil é uma da seleções mais fechadas do mundo.
Tite só fala em coletivas, onde não pode se aprofundar.
Não há tempo.
Os jogadores, em zonas mistas apressadas.
Ou em coletivas curtas.
Tudo é superficial.
Raso, distante.
O que fica ainda pior para um país pentacampeão.
Que desaprendeu a vencer.
E que agora se fecha cada vez mais...
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