Ameaças, cortes de salários. Jogadores pagam pelo coronavírus
Clubes com patrimônios bilionários decidiram usar a força conta seus atletas e funcionários. Demissões, cortes de salários. E até ameças de dirigentes
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

São Paulo, Brasil
Bastaram dois meses de pandemia do coronavírus.
E os dirigentes de clubes com patrimônio bilionários estão mostrando seu lado mais cruel.
"Jogador que não quiser jogar pode pedir demissão", cravou ontem o presidente do Internacional, Marcelo Medeiros.
Justo ele que sobreviveu à infecção do coronavírus, sentiu no organismo a ação das doenças.
Inteligente, sabia que os casos no país ontem chegavam a 91.589 infectados e 6.329 pessoas, que não tiveram a sua sorte, e estão mortas. 428 delas perderam a vida ontem, sexta-feira que Medeiros ameaçava seus atletas.
Como se eles não tivessem o direito de ter medo do contágio treinando ou jogando.
Que vale mais?
A dívida do Internacional sem jogos ou os atletas expostos ao coronavírus?
No Flamengo, o pensamento frio da diretoria teve como alvo os funcionários do clube. Não os que lidam com os jogadores profissionais. Mas os trabalhadores da base.
O presidente Rodolfo Landim demitiu 62 funcionários. Sim, foi demissão sumária. Nada de redução nos salários ou suspensão do emprego. Os mandou, sem dó, para a rua. Na pior crise da história do país.
Foi além.
Reduziu em 25% os salários dos funcionários que recebem acima de R$ 4 mil.
A economia prevista é de R$ 3 milhões.
A expectativa é que os jogadores e a Comissão Técnica tenham uma redução de 25% nos salários.
Quem quer seguir trabalhando no Cruzeiro, seja jogador, técnico ou cozinheiro, já sabe. A partir de ontem está ganhando 25% a menos. E o dinheiro não será reposto.
A direção do Corinthians não quis saber de protestos. Avisou que os funcionários terão redução de salários de 70%. Além da redução de carga de trabalho.

O técnico Tiago Nunes e o restante da Comissão Técnica foram tratados como simples funcionários e tiveram corte de 70% no seus vencimentos.
Os jogadores corintianos, 25% a menos.
Só que Andrés Sanchez não teve limites.
Decidiu cortar a ajuda de custo para os jovens jogadores, ainda amadores, e atletas de outros esportes.
Muitas vezes é com esse dinheiro que os atletas pagam condução para ir ao clube, reforçam a alimentação, ajudam seus pais, enquanto tentam seguir a carreira no esporte.
Já há no Parque São Jorge quem faça rifa, ou até 'vaquinha', uma coleta coletiva, para ajudar esses garotos.
O São Paulo cortou 50% dos salários em carteira e suspensão do direito de imagem. O dinheiro será reposto em seis vezes, depois que o futebol voltar.
Os jogadores ficaram revoltados, porque não houve discussão, o corte foi imposto pela diretoria, mas fizeram um pacto de não reclamar publicamente.

Os clubes estão respaldados.
O governo federal impôs a Medida Provisória 936.
Os empregadores podem a reduzir salários e jornadas de trabalho por até três meses. Ou então, suspender contratos por até 60 dias.
Os salários podem ser diminuídos entre 25% e 75%, de forma individual.
Ou 100% se for acordo por categoria.
O Coritiba, por exemplo, fez tudo o que tinha direito.
Demitiu, suspendeu e reduziu salários de funcionários. Jogadores passsam a ganhar um quarto de salários a menos.
O Grêmio diminui em 25% os salários dos atletas e Comissão Técnica.
O Santos queria reduzir em 50% o salários dos atletas. Depois de muita discussão, o acordo foi de 30%.
O Vasco não pagou nenhum salário de 2020 a alguns jogadores. A outros deve meses de direito de imagem. Há quem não recebeu férias. E funcionários tiveram seus contratos suspensos.
O clube só bancará 30% para os funcionários enquanto prevalecer a pandemia.
O Palmeiras diminuiu o salário dos jogadores e de Vanderlei Luxemburgo em 25%. Os funcionários também terão salários diminuídos.
O Goiás impôs redução de 50% nos salários de seus atletas. Sem discussão.
O Internacional, de Marcelo Medeiros, resolveu economizar 30% de seu orçamento. Direito de imagem dos jogadores, salário do treinador argentino Eduardo Coudet, valeu tudo para atingir os tais 30%.
De uma maneira geral, todos os clubes da Série A resolveram levantar dinheiro cortando salários dos atletas e treinadores, que são privilegiados.
Mas agora descobriram novos alvos.
Mais humildes.
Sem voz.
E funcionários estão perdendo emprego, ficando sem salários.
Ou ganhando 30%.
Garotos da base perderam a 'ajuda de custo', muitas vezes salários disfarçados.
Situação cruel

E que mostra que os clubes brasileiros, apesar de patrimônios de centenas de milhões ou até mesmo bilionários, não têm reserva, dinheiro para emergência.
É uma relação injusta.
Desunidos, jogadores aceitam tudo.
Os sindicatos, na prática, não têm serventia.
Os atletas jamais estiveram tão nas mãos dos patrões.
Daí a ameaça de Marcelo Medeiros...