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Memórias 7: Lazaroni, o "burro" de Ricardo Teixeira na Copa de 90

De como flagrei, no meu vôo Rio-Roma, os xingamentos do presidente da CBF ao treinador que ele próprio havia escolhido para a seleção do Brasil

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Dunga, Collor (sim, ele mesmo), Alemão e Branco, em treina da seleção
Dunga, Collor (sim, ele mesmo), Alemão e Branco, em treina da seleção Dunga, Collor (sim, ele mesmo), Alemão e Branco, em treina da seleção

Começou acidentalmente, e num voo transatlântico, do Rio de Janeiro até Roma, a minha missão de cobertura, para a “Folha”, da Copa de 90 na Itália. Ivan Siqueira, um caro amigo de lides gastronômicas, também diretor da “Ícaro”, revista de bordo da saudosa Varig, soube que a logística do jornal havia reservado uma passagem em meu nome e me propiciou um upgrade à primeira classe. Não se recusa conforto numa viagem de quase 10.000 quilômetros. Só que, por incrível coincidência, mais do que aconchego, a promoção me permitiu uma poltrona isolada, bem no bico do aparelho, exatamente à frente de onde se alojaram Ricardo Teixeira, o então presidente da CBF, e Kléber Leite, ex-presidente do Flamengo e um dos patriarcas pioneiros do Marketing Esportivo no Brasil.

Ricardo Teixeira
Ricardo Teixeira Ricardo Teixeira

Eu não me separava de um gravadorzinho de bolso, no tamanho e no formato de um maço de cigarros. Mas, não sabia que tal apetrecho me seria utilérrimo. Depois de um par de uísques, Teixeira elevou o vozeirão e desandou a falar mal de uma infinidade de pessoas do Futebol. Não havia me vislumbrado, ou não me identificou. Percebi a chance de um flagrante e, obviamente, de uma matéria. E levantei o gravadorzinho a uma posição em que captasse o papo sem que os meus vizinhos de trás o vissem. Pois, entre palavrões e ironias, o presidente da CBF zombou de Sebastião Lazaroni, o treinador que ele mesmo escolhera para comandar a seleção do Brasil naquela Copa.

Kleber Leite
Kleber Leite Kleber Leite

Num resumo, afirmou que cometera uma estupidez brutal ao contratar Lazaroni, um burro e um incompetente e um coitado etc. etc. etc. Mal desembarquei em Roma e colhi a minha bagagem, me dirigi a uma agência da Italcable e transmiti um texto com a preciosa descrição do episódio. A “Folha” publicou na primeira página. Teixeira tentou desmentir e até me processar. Desistiu quando eu exibi, a um grupo de colegas, e a um magistrado, o conteúdo da fita com toda a sua parlapatice. E eu nem fôra até a Velha Bota para acompanhar a seleção de Lazaroni. Com base na capital eu me incumbiria de seguir a “Azzurra”, que se concentrava em Marino, numa das periferias da cidade, e a Argentina localizada em Trigoria, no lado oposto.

Lazaroni e a sua Comissão Técnica na Itália/90
Lazaroni e a sua Comissão Técnica na Itália/90 Lazaroni e a sua Comissão Técnica na Itália/90

Uma autoestrada, batizada de A90, mais conhecida como “Gran Raccordo Anulare”, ou GRA, com 66 quilômetros de extensão, dá a volta em toda Roma, tangencialmente. Aconteceu de, no mesmo dia, numa Lancia Beta alugada pela “Folha”, eu visitar Trigoria pela manhã, Marino pela tarde e ainda bater ponto no Centro de Imprensa Gaetano Scirea, ao lado do Estádio Olímpico, de modo a enviar os meus despachos. Aconteceu de, num mesmo dia, eu dar volta e meia no GRA. Peguei a Lancia Beta, na data da minha chegada na Bota, com zero no odômetro. Daí, ao partir, entreguei com 30.000. À distância segui as outras equipes do grupo da “Azzurra”, EUA, Áustria e Tchecoslováquia E ainda as do grupo da Argentina, a Romênia, Camarões e a URSS.

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O "Gran Raccordo Anulare" em torno de Roma
O "Gran Raccordo Anulare" em torno de Roma O "Gran Raccordo Anulare" em torno de Roma

Além de combates no Olímpico, presenciei pelejas no Comunale de Florença, no San Paolo de Nápoles, no San Nicola de Bari e até no Sant’Elía de Cágliari, na Ilha da Sardenha, o duelo radical entre a Inglaterra e a Holanda, com os seus torcedores desnaturados. Ocorreu em 16 de Junho. Quase nas vésperas, a “Folha” me encarregou de testemunhá-lo, muito menos pelo resultado no gramado do que pelo inexorável conflito entre as hordas de violentos dos dois países. Só que já não mais existiam passagens aéreas de Roma até Cágliari. E, claro, evidentemente, eu não pretendia, não deveria falhar.

O Centro Olímpico de Roma
O Centro Olímpico de Roma O Centro Olímpico de Roma

Estava hospedado no Residence Park Parioli, o hotel que eu mesmo escolhera por ser de um fratello, Riccardo Florentino, que me permitia extravagâncias como manter uma espiriteirazinha, no apartamento, para as refeições de emergência. Por causa da diferença de fuso, eu tinha que me adaptar ao horário do fechamento do jornal no Brasil, 23h00. Ou, plena madrugada na Itália. E os restaurantes de lá e a cozinha do hotel não se dispunham a esperar por causa do deadline de um periódico. Eu diversas ocasiões eu perpetrei o meu macarrãozinho no apartamento. Bem, na noite peninsular do dia 14, depois de remeter um texto sobre Itália 1 X 0 Estados Unidos, já livre do fechamento, eu me refugiei num bar diante do hotel. E me safei.

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Hooligans britânicos em Cágliari
Hooligans britânicos em Cágliari Hooligans britânicos em Cágliari

Chorava as minhas mágoas com Domenico d’Abruzzo, o proprietário, quando um cidadão na mesa do lado ouviu e se intrometeu, saudavelmente. Era um piloto da Marinha e iria a Cágliari para cuidar de parte da segurança aérea do prélio famigerado. E poderia me caronear. Só que iria de helicóptero. Acrofóbico, detestei aquela chance. Que, no entanto, se demonstrou quase providencial. As duas turbas se chocariam a poucos quarteirões do Sant’Elía. Ao final das contas, à caneta mesmo eu redigi o artigo que transmiti à minha chefia graças a um telefone do estádio. Sim, menos pelo resultado, 1 X 1, do que pelo conflito absurdo, dizimado por cassetetes e por bombas de gás lacrimogênio. Ótimo trabalho. Mas, falta que eu explique a razão objetiva do motivo da expressão que usei, “quase providencial”.

A torcida da Inglaterra no Sant'Elia
A torcida da Inglaterra no Sant'Elia A torcida da Inglaterra no Sant'Elia

Por se tratar de um helicóptero militar, o bicho decolou de uma instalação militar. Preocupado em não encontrá-la, deixei a Lancia no estacionamento do Scirea e fui de táxi. Na volta, a instalação fechada, não havia a menor hipótese de eu obter um outro táxi. Gentil, o piloto, cujo batismo eu não revelo, propositadamente, aceitou me levar até o Scirea. Só que não poderia duplicar aquela sua irregularidade. Não havia a menor hipótese de pousar o bicho. O seu roteiro vetava um desembarque físico que não fosse na sua base oficial. Desceria, porém, até um metro do chão, o suficiente para que eu saltasse sem me arrebentar. Sobrevivi. No entanto, escorreguei e desabei sobre o braço esquerdo. Na manhã seguinte o Departamento Médico do Scirea constatou uma séria luxação e imobilizou a minha pobre mão.

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Em ação, no Olímpico
Em ação, no Olímpico Em ação, no Olímpico

Não aguentei e arranquei a bandagem. Já me bastava o fato de que havia chegado à Itália com robustos 105kg e, que, por causa do fuso, dos restaurantes fechados etc. etc. etc., retornaria ao Brasil com 90. É. O universo acredita que, na cobertura de uma Copa, o profissional se diverte enquanto trabalha. Bem, na Itália/90, a Rete 4 de TV fez um programa com dois colegas de percursos opostos. Um rapagão da Turquia, que gastava as manhãs na piscina do Olímpico, as tardes nas quadras de Tênis e as noites numa boate montada só para os visitantes. Outro, que transmitia uma dúzia de despachos por jornada, mesmo com a mão esquerda na tipoia. Não. Não vou dizer quem foi. A modéstia, scusi, me impede...

PS: No próximo capítulo, o Futebol propriamente dito, Lazaroni, Azeglio Vicini, Maradona, e a descoberta de um colega de Brasília, o xará Sylvio Guedes, mais um, como eu, perdido entre despachos no Scirea.

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