Dia 3: a estreia do VAR e os erros penosos de Messi e de Cueva
Em três lances cruciais, a boa presença do árbitro de vídeo e os penais desperdiçados que poderão custar caríssimo à Argentina e ao Peru
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Manhã e tarde, nos horários do Brasil, em duas metades bem distintas, separaram o terceiro dia da Copa da Rússia de 2018. Na manhã daqui se encadearam duas pelejas em que, no papel, se destacavam dois favoritos absolutos. Na Arena de Kazan, a França que foi campeã em casa, 1998, e daí vice na Alemanha/2006, desafiou uma Austrália que no máximo chegou às oitavas da mesma competição. Em Moscou, a poderosa Argentina, também a campeã em sua casa, 1978, e uma outra vez no México/86, atuou contra a calouríssima e quase amadora Islândia, nação de 335.000 almas, a menor população dentre todas as 32 nações agora inscritas.
Posteriormente, na tarde ocidental, ocorreram dois jogos de parâmetros diversos e efetivamente equilibrados. Em Saransk, a capital da República da Mordóvia, integrante da chamada Federação da Rússia, se digladiaram o Peru, longe dos palcos desde a Espanha/82, e a Dinamarca, que retornou à ribalta depois da sua ausência, cá no Brasil, em 2014. E em Kaliningrado, um enclave entre a Lituânia e a Polônia, junto ao Mar Báltico, a Nigéria defendeu, diante da Croácia, um tabu peculiar: só havia vencido 5 das suas 18 aparições no passado Copa, todas contra equipes do Velho Continente.
Desde 2012 sob a orientação de Didier Deschamps, 49, o seu capitão na conquista do título de duas décadas atrás, os “Bleus” construíram a sua qualificação pelas pontadas em velocidade de três ousados atacantes, Kylian Mbappé, Antoine Griezmann e Olivier Giroud, os responsáveis por 50% dos seus 18 gols nas eliminatórias da Europa. Muito menos privilegiado no departamento do elenco, Bert Van Marwijk, holandês, 66, no cargo apenas desde Janeiro, se limitava a nutrir as esperanças na experiência do veterano Tim Cahill, 38, autor de ao menos um tento em cada uma das três edições da Copa em que já esteve, e agora à cata de anotar ainda na quarta, façanha que apenas três astros realizaram, Pelé e os tedescos Uwe Seeler e Klose.
Cahill permaneceu no aguardo. Mauro Vigliano, 43, um argentino de La Plata, se transformou, porém, no homem que as enciclopédias eternizarão como primacial no jogo. Na administração do VAR, o vídeo, aos 58’informou ao indeciso Andrés Cunha, do Uruguai, o árbitro de campo, que havia acontecido uma infração, e dentro da área, num carrinho de Risdon em Griezmann. Um fato histórico. A França que, através de Lucien Laurent (1907-2006) tinha marcado, aos 23’ de seu duelo contra o México, em 13 de Julho de 1930, o primeiro tento da primeira Copa, cravou o primeiro, também graças à tecnologia. Pênalti que Griezman converteu, com a frieza de costume.
Um outro pênalti, toque de mão, patético, do fraquíssimo zagueiro Umiti, um ingênuo reincidente dos “Bleus” e do seu clube, o Barcelona, propiciou o empate de Jedinak, aos 62’. E os “Socceroos” de Van Marwijk , estóicos, se resguardaram no empate até os 81’ quando, num lance de brilho individual, Paul Pobga invadiu a área e enviou um petardo à meta de Ryan. A bola bateu na parte inferior do travessão e caiu milímetros além da linha fatal. O árbitro de campo não necessitou recorrer ao VAR. Para a Copa a FIFA reimplantou um recurso já utilizado no Brasil, o do sensor eletrônico em cada meta, e que já havia garantido à mesma França um tento nos 3 X 0 sobre Honduras. Em Kazan, agora, imediatamente o sensor remeteu um tremor e um sinalsonoro a um relógio que Cunha portava no pulso, França 2 X 1.
Uma inesperada sensação na Eurocopa de 2016, quando se desvencilhou de Portugal e da Inglaterra e só perdeu o embalo diante da França, na etapa das quartas, o elenco dos “Strárkarnir Okkar”, ou os “Nossos Rapazes”, desde então sob o comando do dentista Helmir Hallgrimsson, também fascinam por uma singularidade. Na cultura da sua ilha não existe o sobrenome. O bebê masculino herda o nome do pai e mais o sufixo “son”. Numa linda camisa virtual que ganhei de Julius Lankesson, um repórter de Reykjavyk, se lê que sou Silvivar Eduárdósson. Poderia tal exoticidade controlar Messi & Cia.?
A “Albiceleste” carregou um bom punhado de problemas ao complexo do Spartak da capital da Rússia. Caso da denúncia de Gabriel Anello, um radialista nada confiável e já processado judicialmente por motivos variegados, de que o treinador Jorge Sampaoli, 57, no posto desde 2016, havia assediado uma funcionária da concentração. Messi & Cia. bela, porém, não pareceram nada abalados e, logo no início da porfia vigorosamente pressionaram a defesa de cinco, às vezes seis dos “Strárkarnir Okkar”. Aos 19’, entre três rivais, no miolo da área grande, Aguero, o ex-genro de Maradona, virou e fuzilou, 1 X 0.
Formidavelmente, a Islândia não sucumbiu. E, aos 23’, numa falha coletiva da retaguarda platina, em especial do arqueiro Caballero, o esperto Finnbogason determinou o primeiro gol da sua pátria numa Copa do Mundo, 1 X 1. Impecavelmente contido pelo capitão Gunnarsson, e sem choques bruscos, e muito menos violência, Messi lutava para liderar o seu time e para fazer o seu tento. Ganhou uma chance principesca aos 64’, depois que Magnússon derrubou Meza dentro da área. Pênalti. Haldersson, no entanto, pulou no canto certo, o direito, e espalmou. Daí, a “Albiceleste” passou a brigar com o cronômetro. E o tic-tac prevaleceu, impacto, Islândia 1 X 1 Argentina.
Confirmados os três pontos da França e a infeliz nulidade da Austrália, se amplificou bastante o significado do jogo entre Peru e Dinamarca na abertura da segunda metade da jornada deste sábado. O jogo que basicamente contou ao planeta que existem a Mordávia, a cidade de Saransk, quase 300.000 habitantes, e a sua impressionante Arena, capacidade para 41.685. É, lá como aqui, uma questão de legado. Depois de tanta polêmica a respeito da suspensão de Paolo Guerrero pelo consumo de cocaína, o treinador Ricardo Gareca, 59 de idade, desde 2015 com a seleção, relegou o atacante do Flamengo ao banco de reservas. Na “Danamyte”, por sua vez, Age Hareide, 64, no comando desde 2016, além de confirmou a primazia do sobrenome Schmeichel na sua meta: Kasper Schmeichel, 31, o pimpolho daquele Peter, titular da equipe em 129 pelejas e inclusive no título da Europa de 1992.
Maioria absoluta da Arena, talvez 3/4 da sua lotação, a torcida dos “Incas” apenas silenciou aos quase 45’. Ao acertar um corte maravilhoso em Yurary, o são-paulino Cueva caiu dentro da área. Pênalti claro que o mediador Bakary Gassama, de Gâmbia, titubeou em assinalar. Do VAR, manuseado por Felix Zwayer da Alemanha nasceu o anúncio: confirmado, pênalti. Eterno firuleiro, Cueva enfiou o pé embaixo da pelota e a arremessou quase meio metro acima do travessão. Aos 59’, no flanco esquerdo, o ótimo Eriksen viu que Yusuf Yurary Paulsen escapulia entre dois beques “Incas”. O filho de dinamarquesa com tanzaniano bateu cruzado, 1 X 0. Pior, Gareca demorou até os 63’ para colocar Guerrero em cena. Aos 79, quase Guerrero empatou, de calcanhar. Só quase. Penalizados o treineiro Gareca, que viu mal o prélio, e o pedante Cueva, pelo pênalti que desperdiçou. Brava a Dinamarca. Muito melhor sobrepujar o dificil Peru do que a França superar a Austrália.
Enfim, a pugna derradeira da rodada propôs uma olhada a um mapa do Mar Báltico para se constatar a localização exata de Kaliningrado e da ilha de Oktyabrsky, onde está o seu estádio para 33.973 pessoas. A igualdade de 1 X 1 entre a Argentina e a Islândia tornou crucial o desafio de Croácia e Nigéria para a qualificação no Grupo D. Com Zlatko Dalic, 51 de idade, no posto desde 2017, o time apelidado de “Vatreni”, ou “Ardente”, se defrontaria com o elenco mais inexperiente da competição, 18 dos seus 23 convocados em sua estreia não somente numa Copa mas com a camisa verde das “Super-eagles”, as “Superáguias” do alemão Gernot Rohr, 64, na seleção desde 2016.
Indiscutivelmente superior, a "Ardente" fez 1 X 0 aos 32', jogada ensaiadíssima, levantamento de Modric, desvio de Rakitic e o toque definidor de Mandukic. Só que o volante Etebo desastradamente se intrometeu e perpetrou um auto-gol. Daí, sem que as "Superáguias" sequer rascunhassem uma reviravolta, a Croácia dobrou a contagem aos 71'. O capitão Modric, sempre ele, cobrou um escanteio, outra jogada ensaiadíssima, na direção co cocuruto de Mandukic. Que não dominou a pelota, contudo. William Ekong o agarrou. Sandro Maria Ricci, o árbitro brasileiro de Poços de Caldas, não necessitou do apoio do VAR. Apontou o pênalti sem hesitar. Modric, claro, Modric realizou, 2 X o. Croácia na frente da tabela e um combate fundamental na próxima quinta, dia 21: a desalentada Argentina. No dia 22, Islândia X Nigéria. A Islândia já expôs a sua garra. A Nigéria não mostrou nada.