Osmar Santos celebra 70 anos sem perder irreverência: "Fiquei velho!"
Locutor consagrado, até hoje realiza fisioterapia por causa de grave acidente, que não o impediu de acompanhar futebol e se aprofundar na vida de artista
Uma terça-feira de rotina em um escritório de três salas, próximo aos Jardins, em São Paulo. Atenciosa, a secretária encaminha o visitante para uma das salas. Na outra, ainda ocupado, está o narrador Oscar Ulisses, irmão do locutor Osmar Santos, o entrevistado.
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Ao entrar, à beira de uma mesa de reuniões, que toma boa parte da sala, o visitante vê Osmar, sentado em tranquilo silêncio. Uma serenidade aprimorada com o passar do tempo. No dia 28 de julho, o famoso radialista completou 70 anos. Conhecido como "Pai da Matéria", ele agora tem idade para ser avô.
A sensação do visitante, nestes instantes, é a de estar captando a intimidade da família. Na sala ao fundo, está o outro irmão de ambos, Osório, que, após atuar como executivo em grandes empresas, se tornou psicanalista. É o único que não trabalhou no rádio. O mais novo, Odinei, mora em Portugal.
A conversa com Osmar flui mesmo com poucas palavras. O sorriso é quase permanente em seu rosto. É natural, da própria personalidade dele, a mesma bem-humorada do tempo em que ele era um narrador consagrado, genial, com um raciocínio rápido e criador de bordões populares, como "Ripa na chulipa, pimba na gorduchinha", "Iiii quiii gooooollll..." e tantos outros.
“Veeelhooo”, brinca ele, a respeito dos seus setenta anos. Mas se refere com satisfação às várias comemorações desta data. “Óóótimo.”
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Na conversa, Osmar vai mostrando, com seu vocabulário restrito, o quanto as palavras, que fluíam em frases seguidas e rápidas, tanto quanto o "tiruliruli tirulirulá", podem ser substituídas pelo olhar. Pela entonação. Pela presença do sorriso. Da vida, ele sempre procurou ressaltar o lado construtivo. Lamentar-se nunca foi seu forte.
E, neste momento em que o futebol brasileiro vive um período de baixa, a primeira coisa que ele falou sobre futebol foi: "Kakááá...", em tom de exaltação. Inicialmente, a compreensão parece difícil.
Mas não é. Ele sabe muito bem o que diz. E estava falando, da forma que consegue, o nome de Kaká como um representante do São Paulo, na linda festa de apresentação de Daniel Alves, ocorrida na véspera. E que, na visão dele, é importante para impulsionar não só o São Paulo como o futebol brasileiro. Então ele completa, com gesto de positivo. "Boniiiiitoo..."
Ao ser fotografado na entrevista, ele irradia alegria cada vez que grita “Iiii quiiii goooooooool”, como fazia antigamente. Os três ouvintes, naquelas quatro paredes, eram privilegiados, vendo um ícone da narração desfilar seu talento só para eles. Sua alma vibrante, quando acesa, se mostra intacta.
O acidente no auge
Em 22 de dezembro próximo, completam-se 25 anos do acidente sofrido por Osmar. Sua fala ficou comprometida, assim como os movimentos do lado direito. Nascido em Osvaldo Cruz (SP) ele estava em Marília, cidade próxima, onde passou boa parte da infância, e ia para Birigui, participar de uma confraternização entre funcionários de uma concessionária de sua propriedade.
Pensava em voltar para Marília no dia seguinte, para passar o Natal com seus pais. Mas, no caminho para Birigui, durante chuva, sua Mercedes Benz bateu em um caminhão, cujo motorista, embriagado, fazia uma manobra irregular.
O carro quase não sofreu avaria, mas o vidro quebrado atingiu a cabeça dele. Osmar sofreu fratura e perdeu massa encefálica. Faz até hoje fisioterapia e todas as atividades necessárias para evoluir cada vez mais. A sua recuperação até aqui é considerada um feito pelos médicos.
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O acidente fez Osmar desenvolver seu lado observador. Sem perder a irreverência. Além da terapia física, ele precisou de uma emocional, feita por ele mesmo, para se transformar. Não tem barreiras ao falar do seu passado.
Pelo contrário, mostra entusiasmo e orgulho do que fez. Relembra vários jingles e chamadas famosas das transmissões, que embalaram a vida de apaixonados por futebol, principalmente nos anos 70 e 80.
Depois, para contar onde começou em São Paulo, diz: “Paaaan”, sobre a Rádio Jovem Pan, para onde foi em 1971, após despertar a atenção da direção da emissora com suas narrações na rádio em Marília. Foi para a Rádio Globo em 1977 e lá ficou por vários anos.
O jogo mais marcante
Perguntado sobre o jogo mais marcante que narrou, diz, com dificuldade para se expressar, mas com convicção: “77”, quando o Corinthians, naquela noite que parou São Paulo, foi campeão paulista após 23 anos na fila. Osmar também atuou na Rádio Record e foi locutor da TV Manchete, onde narrou a Copa de 1990.
Desde criança, no interior paulista, os irmãos passavam as tardes narrando jogos fictícios, baseados nas transmissões que ouviam da distante e rural Osvaldo Cruz. O senhor Romeu, pai dos meninos, era lavrador. E a mãe, Clarice, dona de casa.
Em São Paulo, Osmar Santos não largou os estudos. Conciliou o trabalho com a faculdade, formando-se em Educação Física pela Fefisa e em Administração Pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A cultura e o bom gosto sempre o acompanharam. Veste-se com esmero. Está de terno azul escuro e uma elegante camisa quadriculada, azul e branca. Usa um celular pequeno, de modelo bem antigo.
Aponta para o braço direito e explica que, por não conseguir movê-lo, não precisa de um aparelho mais moderno, que tenha WhatsApp. Educado, não gosta de palavrões.
Nos jogos, Osmar Santos fazia questão de incluir passagens de poetas como Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. E inventava seus bordões a partir de conversas do dia-a-dia, de frases que ouvia na rua.
A arte em sua vida
Foi épica a homenagem que ele fez a Adoniran Barbosa, famoso compositor de samba paulista, ao narrar, no dia 12 de dezembro, a conquista do título paulista pelo Corinthians em 1982.
Adoniran morrera dias antes, em 23 de novembro. “Poetas são eternos”, bradava Osmar. “O Corinthians é um fantástico poema do povo”, emendava, ressoando emoção.
Perguntado se tem saudade de tudo aquilo, não titubeia: “Muuuita.” Por outro lado, mostra entusiasmo com a sua realidade. “Pintuuura”, diz.
Desde que iniciou sua recuperação, por sugestão de uma terapeuta ocupacional, ele entrou em contato com a pintura. Faz quadros criativos, alegres, cheios de cores. Muitos deles trazem imagens de plantas e de pássaros.
Tendo já feito centenas de quadros, os expõe em vários lugares. E, mesmo não tendo a atividade como uma fonte de renda, os vende por valores consideráveis.
Pratica a pintura cerca de 4 horas por dia e ainda tem aulas semanais, com artistas amigos da família.
O narrador nunca havia se envolvido com a arte antes do acidente. Balança levemente a cabeça para os lados, informando que nunca havia pintado nada. E dá um sorriso suave, querendo dizer: "Veja só, como é a vida!"
A querida Osvaldo Cruz
Osmar mostra preocupação com o outro. Percebe a insegurança das pessoas. Gosta de elogiar. Oscar Ulisses é um bom narrador? "Óóóóótimo..." Tem paciência enquanto espera alguém para ajudá-lo a se expressar, interpretando para o interlocutor algumas palavras.
Sobre Neymar, por exemplo, ele fala um “Ótimo”, mas sem tanta empolgação. Isso indica que admira o talento do jogador dentro de campo, mas tem restrições ao seu comportamento fora dele.
E Messi? “Óóóótimo!”, diz. E Cristiano Ronaldo? “Óóóótimo”, repete. Messi ou Cristiano Ronaldo? “Cristiano!” É porque Cristiano é Animaaaal?. Ele sorri, concordando. Osmar inventou o termo “Animal” quando se referia ao jogador Edmundo, por causa da volúpia em campo.
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Messi ou Pelé? “Peléééééé...Óóóótimo.” Messi ou Rivellino? “Rivelliiino.” E o futebol brasileiro de hoje? “Meia boca.” E o País? “Meia boca.” Foi ele, lembre-se, que comandava os comícios históricos da campanha Diretas Já, em 1984.
Osmar continua assistindo a jogos, mas hoje se dedica mais à pintura, ressalta. E esbanja prazer ao falar da família. Faz um semblante sério, orgulhoso, quando perguntado quantos filhos tem. E, com os dedos, indica o número dois.
Então, segue a narrativa, revelando que seu filho Vitor trabalha como produtor na Rede Globo, e sua filha, Lívia, está em Nova York, estudando assuntos ligados a cinema. "Livia, fiiiiiilme..."
O radialista vivia uma vida frenética. Hoje, fortaleceu seu lado contemplativo. Paternal. Fraterno. Família.
Nunca se negou a aprender, dentro dos tratamentos constantes que realiza. Ouve atento e procura seguir as instruções. Observa a vista da janela e, enquanto o visitante conversa com o irmão dele, repete, várias vezes: “Osvaldo Cruuuuz.”
Ele fala com emoção da sua cidade natal, uma localidade rural, humilde, feita de plantações, campos e estradas de terra. Osmar Santos não parou no tempo. Ele é amigo do tempo. Ri quando fala sobre a velhice e sobre a finitude humana.
Repete o nome da cidade onde nasceu porque tem um objetivo. Continua esperto como sempre. Suas palavras têm lógica. Ele narra com frases curtas. Transparentes. Preciosas. Osmar Santos quer dizer que, nesta vida cheia de conquistas e perdas, o desafio diário é conseguir sempre manter a própria essência.
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