Em seis meses, um curso rápido de gestão com o português Jorge Jesus
Técnico tinha razão para reclamar da diretoria quando perdeu titulares, mas não fez isso; também soube motivar o grupo e evitar polêmicas
Futebol|Marcos Rogério Lopes, do R7
Jorge Jesus chegou ao Flamengo em junho e, logo no início de seu trabalho, quando começava a acertar o time, perdeu o zagueiro titular Léo Duarte, vendido para o Milan no final de julho. Logo em seguida, em agosto, foi embora o volante Cuellar, para a Arábia Saudita. E o técnico continuou trabalhando, sem reclamar.
Também pediu um primeiro volante e não foi atendido pela diretoria. Em seus primeiros treinos, em junho, Jesus constatou que no elenco não havia nenhum especialista na posição (Cuellar estava com a seleção da Colômbia, na Copa América).
Em vez de usar os microfones para antecipar eventuais derrotas e dividir a culpa, transformou Arão no defensor que ele jamais havia pensado em ser.
E deu certo. No último fim de semana, o time do técnico português foi campeão da Libertadores (2 a 1, de virada, sobre o River Plate) e do Campeonato Brasileiro (mesmo sem entrar em campo, com a derrota do então concorrente Palmeiras).
Recriador de atletas
O volante teve de ouvir muito nos último meses até atingir o ápice de sua carreira. Ficou famoso o "tá mal, Arão", gritado por Jesus na beira do campo durante os extenuantes treinamentos.
Jesus treina forte, sempre, e admite que erra. Na derrota para o Emelec, por 2 a 0, nas oitavas de final da Libertadores, sem Everton Ribeiro e Arrascaeta, tentou improvisar o lateral Rafinha como meia e foi um desastre. Na coletiva, afirmou que a culpa era exclusivamente dele.
Jesus sabia que tinha uma equipe titular forte nas mãos, mas faltava banco de reservas. Quis um atacante para disputar espaço com Gabigol e novamente seu desejo não foi contemplado — Balotelli e Guarin foram sondados, mas não vingaram.
Motivador
Em vez de alimentar bate-bocas com técnicos nacionais que teimavam em minimizar seu trabalho, Jesus usou as entrevistas coletivas após vários jogos para fortalecer o grupo, elogiando às vezes atletas que sequer haviam entrado em campo.
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Após uma das primeiras partidas do lateral-esquerdo Filipe Luís, o técnico comentou rapidamente sua boa atuação, mas dedicou pelo menos o dobro do tempo para falar do reserva René, “que não podemos esquecer pela extrema importância para o grupo”.
Quando Vitinho voltou mal de sua mais recente contusão, foi citado pelo técnico como um jogador essencial para o Flamengo.
Cobra quando acha necessário, mas é sempre otimista. O técnico tem reclamado do excesso de cartões recebidos por Gabigol, mas acredita que eles, juntos, podem reduzir essa punições. "Não consegui fazer dele emocionalmente um grande jogador. É algo que preciso trabalhar", declarou após a partida contra o Grêmio (na qual o atacante foi expulso e o Flamengo venceu por 1 a 0).
Professor de verdade
Em seus menos de seis meses no Flamengo, Jorge Jesus foi mais do que um técnico decisivo. Em vez de apenas posicionar jogadores em campo, usou seus conhecimentos para ensinar futebol e dominar o grupo.
Em recente entrevista, o meia Everton Ribeiro observou que nunca trabalhou com um treinador tão didático. Gabigol disse que não conheceu técnico tão inteligente. Léo Duarte, antes de ir embora, comentou que estava aprendendo com o português conceitos que nunca tinha ouvido na vida.
E que talvez sequer existissem mesmo longe dos times de Jesus. O treinador admitiu não ler livros sobre futebol e diz que seus treinamentos foram desenvolvidos com o que aprendeu na carreira, com sua experiência prática e na observação dos inúmeros jogos que costuma assistir, seu vício quando está de folga. "Todo treino que hoje pratico saiu da minha cabeça", afirmou.
Humildade
Soube ainda dividir os méritos. Após sua primeira goleada, 6 a 1 no Goiás, pelo Brasileiro, afirmou que o mérito era todo do grupo, que ele havia chegado recentemente e havia feito pouco. Passado o tempo e com novos resultados expressivos, disse coisas como: "Esse é o melhor grupo, e certamente o mais profissional, com o qual já trabalhei."
Se teve motivos para reclamar da diretoria, não fez isso publicamente. Pelo contrário. Após a vitória contra o Fortaleza, com atuação de gala do garoto Reinier, fez um longo discurso para elogiar a "decisão acertada" tomada pelo Flamengo, de brigar pela não liberação do atleta para a seleção sub-17.
Também não se cansa de elogiar a estrutura e os profissionais do clube.
Logo em sua chegada, deixou claro que só queria que o deixassem trabalhar para que pudesse ajudar na formação de uma equipe vencedora. "Sou Jesus, mas não faço milagre de um momento para o outro, mas sei que com a ajuda de todos vamos trazer títulos para o Flamengo.”
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