Em livro, Pelé disse que prisão do filho Edinho foi o pior momento de sua vida
O ex-goleiro foi condenado a 33 anos de prisão por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, em 2005; atualmente, está em casa
Futebol|Marcos Rogério Lopes, do R7
A vida do Rei Pelé, encerrada na quinta-feira (29), não foi só de alegrias. Fora dos campos de futebol, nos quais conquistou três títulos mundias com a seleção brasileira e dois com o Santos e sagrou-se o melhor jogador de todos os tempos, ele teve pesados problemas pessoais que o desgastaram muito, principalmente nos últimos anos.
A prisão do filho Edinho, que chegou a ser goleiro do Santos na década de 90, consumiu o Atleta do Século 20 por muitos anos e o fez se culpar pela ausência como pai.
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Envolvido primeiro em um acidente automobilístico e depois em uma grave acusação de tráfico de drogas, em 2005 Edinho foi condenado a 33 anos de prisão. Entre saídas e retornos, só se livrou da cadeia em 2019.
No livro Pelé, a Autobiografia, lançado em 2006 pela editora Sextante, o ex-atleta faz um desabafo sobre esse período.
Primeiramente, ele reconhece o peso negativo de Edinho ser filho do maior jogador de todos os tempos.
"Os amigos costumavam me dizer que Edinho escolhera a posição [de goleiro] como uma maneira de evitar comparações com o pai. Isso faz sentido, é algo que consigo entender."
O pai conta que, pouco depois de entrar no Santos, o filho fraturou o joelho, em 1996, e ficou um ano e meio afastado. "Durante sua recuperação, Edinho foi para a Ponte Preta por empréstimo. Mas a convalescença não foi fácil e nunca mais retornou à sua melhor forma. Aposentou-se em 1999."
O ex-camisa 1 tentou competir em corridas de motocross, mas já havia iniciado a queda livre em sua vida.
Nesse momento do livro, Pelé lembra um texto que escreveu quando ainda era jogador.
"Em 1970, o ano em que o Edinho nasceu, escrevi algumas palavras que voltariam para me assombrar: 'O jovem sempre acha que é melhor que o mais velho. Isso às vezes o leva a fazer coisas que não deve'. [...] Eu aconselho aos jovens que todo excesso é prejudicial, a começar por fumo e álcool. Acredito que um jovem pode pertencer a grupos, mas deve ter personalidade própria, não se deixar levar pela imitação ou influência."
Pelé lamenta ter ficado tanto tempo fora de casa na década de 70 e atribui a essa ausência parte da explicação para os erros do filho.
Em 1992, Edinho participou de um racha no qual um motociclista foi atropelado e morto.
"Quando o caso foi a julgamento, Edinho acabou sentenciado a um ano e meio de prisão em regime aberto, embora, não tivesse sido diretamente responsável — não era ele quem dirigia o carro", defende o pai. Anos depois, o filho do Rei acabou sendo inocentado desse caso.
Mais tarde, veio a acusação e a condenação por envolvimento com drogas.
"Uma das pessoas com que Edinho andava, ou que se aproximou dele, era um homem conhecido como Naldinho", narra Pelé na autobiografia.
"Um dia, acusado de estar envolvido com drogas e lavagem de dinheiro, Naldinho foi preso numa operação policial. Como sócio de Naldinho, Edinho acabou preso também: em 6 de junho de 2005, os agentes de narcóticos deram uma batida na casa dele em Santos, onde ele morava com a esposa Jéssica e as duas filhas. Não conseguiram encontrar nada que pudessem classificar de ilegal, mas, alegando uma infração do artigo 14 da Lei 6.368, que tratava da associação para o tráfico de entorpecentes, decidiram levá-lo preso."
Pelé não se conformava com prisão. "Se baseava em conversas casuais ao telefone com certas pessoas que não provavam associação alguma, muito menos um crime."
"Quando me contaram o que tinha acontecido, foi como um pesadelo, e um pesadelo do qual eu não conseguia acordar [...] Tive que tomar consciência do que estava passando por algo que jamais imaginara ser possível — ter um filho preso por tráfico de drogas."
Nessa reflexão, Pelé recorda que passou a vida inteira em campanha contra as drogas.
O ex-goleiro foi levado ao presídio de segurança máxima em Presidente Prudente, no qual ficou por dois meses.
"Aqueles 60 dias em que Edinho permaneceu no presídio de segurança máxima foram, sem sombra de dúvida, os piores da minha vida. Ele estava sendo tratado como um monstro, retirado do convívio social e trancafiado como se fosse algum pervertido que pudesse fazer mal ao mundo", reclama Pelé. "Eu sentia vergonha, medo, uma sensação de fracasso, dúvida, tristeza, ódio."
"O meu coração de pai atravessou seu maior teste. Chorei muito. Não conseguia dormir e me perguntava se era justo que coisas como aquela estivessem acontecendo comigo", comenta o brasileiro mais famoso de todos os tempos.
Pelé disse que se empenhou na defesa do filho, contratando bons advogados, e decidiu iniciar uma cruzada contra o tráfico. "Lutei incansavelmente e ainda luto, esperando que um dia essa guerra seja vencida. O consumo abusivo de drogas é, evidentemente, um assunto delicado, complicado, mas está provocando no mundo um câncer incurável que destrói nossa sociedade", afirma no livro.
Edinho foi transferido para Tremembé (SP), onde passou pelo centro de reabilitação da penitenciária, um local melhor e mais próximo de Santos, segundo Pelé.
No fim do relato sobre o filho, o Rei do Futebol diz que chegou à conclusão de que "não poderia assumir sozinho a responsabilidade" pelo que aconteceu. "A única coisa que faltou ao Edinho e aos meus filhos foi a presença constante que se poderia esperar de um pai participante. Arrependo-me disso, mas foi uma consequencia inevitável do que eu fazia para viver."
O livro foi lançado em 2006, enquanto Edinho continuava na cadeia.
Condenado a 33 anos por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, ele teve a pena reduzida em fevereiro de 2017 para 12 anos e 11 meses de reclusão. Nesse período, conseguiu deixar a prisão quatro vezes com recursos de sua defesa. A última delas foi em setembro de 2019, quando obteve o direito de cumprir o restante da pena no regime aberto.