Mais ricos que jogadores, xeques curtem Copa do Mundo em lugares vazios nos estádios
Torcedores endinheirados conseguem pagar altos valores para 90 minutos de futebol; público geral espera abertura dos portões
Copa do Mundo|André Avelar, do R7, em Doha, no Catar
A Copa do Mundo no milionário Oriente Médio propõe uma curiosa inversão de valores. Por vezes, nos 56 jogos disputados até aqui, os torcedores nas tribunas de honra eram mais ricos que os próprios jogadores em campo. O mesmo não acontece nem em grandes centros europeus, de elencos estrelados, como no francês Paris Saint-Germain, time que tem as suas operações financeiras baseadas no Catar. Com um público tão endinheirado, falta o fã obcecado pelo futebol, o esporte mais popular do planeta, para cobrir espaços vazios nas arquibancadas.
Para ter uma ideia, o craque Kylian Mbappé estaria recebendo 72 milhões de euros (quase R$ 400 milhões) por ano. O valor é uma enormidade, mas ainda longe se comparado à fortuna baseada em petrodólares dos xeques do mundo árabe. Tamin bin al Thani, que governa o país depois de suceder o seu pai em uma monarquia absolutista, esteve na partida de abertura e teria fortuna avaliada em mais de R$ 10 bilhões.
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Os exemplos estão entre os mais altos das duas categorias, mas outros tantos homens endinheirados, de vestes brancas, a dishdasha, que cobre todo o corpo, e gutra na cabeça, estão nas demais áreas VIPs dos oito estádios deste Mundial. O acesso a eles é para lá de restrito, mas, ainda assim, de longe é possível observar o luxo dos camarotes forrados de mármore por todos os lados e até TVs nas poltronas de frente para o campo. No Al Thumama, por exemplo, antes de França e Polônia, uma pianista tocava pendurada em uma estrutura metálica na área de hospitalidade da Fifa, com promoções de cerca de 1.345 dólares (R$ 7.000).
O presidente da entidade, Gianni Infantino, que destoa dos demais com o seu terno escuro nas tribunas, desdenhou do possível boicote de torcedores à Copa do Mundo realizada sob rígidas leis de um país muçulmano e sucessivas acusações de restrições de liberdades civis.
“Aos torcedores que não querem assistir à Copa do Mundo, digo para não assistir. Mas estou convencido de que essas pessoas vão assistir. Em uma pesquisa, é bonito dizer que você não vai assistir à Copa porque é no Catar e porque é da Fifa. Para quem gosta de futebol, nada é maior do que uma Copa do Mundo”, disse Infantino, ainda antes do Mundial.
Príncipes nas tribunas e mulheres no bulevar
O jovem Af Jal Thani, um príncipe árabe, virou uma das celebridades instantâneas dessa Copa. O menino de 15 anos seria irmão de Jassim bin Hamad bin Khalifa Al Thani, que abdicou de sua posição de herdeiro direto de um dos xeques mais ricos do mundo. O menino ficou famoso por ajeitar a sua gutra enquanto fazia gestos negativos com a cabeça na derrota do Catar para o Equador, no Al Bayt.
Nos estacionamentos dos estádios, é possível ver alguns dos modelos mais luxuosos do mercado automobilístico. Também é muito comum que homens entrem para assistir à partida e mulheres e crianças fiquem os 90 minutos ao redor dos floridos bulevares. Só não é possível ter certeza se falta interesse pelo jogo ou se trata de um padrão social.
A começar por aí, falta o calor que sobra nas ruas dentro das arquibancadas. O evento masculinizado também afastou europeus e sul-americanos, presenças marcantes em tantas outras Copas do Mundo, sempre com alegria e irreverência. Para tentar suprir tal necessidade, a organização tratou de sempre distribuir bandeiras dos dois países que estarão no confronto e apetrechos para fazer barulho. É como uma forma de ensinar a torcer.
Forma essa, no entanto, que os torcedores locais dizem não ver problema. Para Ayman Makazi, da Jordânia, a competição em terras quase vizinhas é a única forma que tinha de ver tantos e tantos craques em ação.
“O mundo árabe merecia uma confraternização como essa. O futebol une os povos, e gosto de estar aqui. Além disso, posso ver Cristiano Ronaldo”, disse o jovem antes da goleada de Portugal contra a Suíça, no estádio Lusail.
Longe do luxo
Mas, mesmo no Catar, um dos cinco países mais ricos do mundo segundo levantamento da Global Finance, que analisa o PIB (produto interno bruto) per capita de cada país, há pobres. E esses não conseguem assistir ao Mundial no mesmo luxo e conforto dos mais ricos. Se até agora os ingressos mais baratos, de categoria 4, eram comercializados a 40 rials (R$ 57,52 na cotação atual), para as quartas de final o valor salta para 300 rials (R$ 431), e eles só podem ser adquiridos por moradores locais.
Os moradores, no entanto, precisam de um poder aquisitivo maior que o de prestadores de serviços, como cabeleireiros, motoristas e garçons, que não ganham mais de 1.000 rials (R$ 1.437), mesmo em lugares turísticos. Muitos deles acompanham os jogos em um internacional "jeitinho".
O motorista Hameed Erekat, natural do Paquistão, conseguiu ir a um só jogo neste Mundial. Segundo contou, em uma viagem do local onde a reportagem está hospedada até o centro de imprensa, no imponente Qatar National Convention Centre, conseguiu a entrada com um primo que trabalha na segurança do estádio Ahmed bin Ali. Como é comum no Oriente Médio, só conseguiu entrar no intervalo da vitória entre Inglaterra e País de Gales.
“Se tem lugares vazios, a organização libera a entrada de mais pessoas. Os preços dos ingressos são caríssimos e não poderia comprar para assistir a um jogo”, disse.
Daí o motivo de estádios estarem vazios nos primeiros minutos do primeiro tempo e depois, de uma hora para outra, aparecerem completamente lotados e com rostos de pessoas características do mundo árabe. Na última terça-feira (6), 83.720 pessoas estiveram no Lusail, quando divulgado o público no telão, já na metade final da classificação portuguesa pelas quartas de final.
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