Goleiros comemoram o seu dia sem jogos, defesas, gols e grito de torcida
Criada no Brasil em 1975 por um tenente e um capitão do Exército, data passou de 14 para 26 de abril para homenagear o mitológico Manga
Especiais|Eduardo Marini, do R7
Arqueiro, guarda-meta, guarda-rede, guarda-vala, guardião. Goalkeeper. Golquíper, aportuguesado. Quíper, também abreviado. Vigia. Na bondade: pegador, paredão, mão da sorte, tira com o olho, pega melão, muralha (ops, torcida do Flamengo...). Na maldade: mão boba, mão mole, mão furada, frangueiro, peruzeiro, mão de alface, agricultor.
Goleiro.
Dia 26 de abril. Esse domingão, que em condições normais de temperatura e pressão abrigaria milhares de partidas, peladas, rachas e babas Brasil e mundo afora, é Dia Internacional do Goleiro.
A coisa começou em 1975. Iniciativa do tenente Raul Carlesso, preparador de goleiros da seleção brasileira no tri de 1970, no México, e do capitão Reginaldo Bielinski, os dois professores da Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), na Urca, zona sul do Rio de Janeiro. Militar, Defesa... A coisa começa a se explicar...
No primeiro ano, fizeram a festa em 14 de abril. A partir de 1976, transferiram para o dia 26 do mesmo mês, dia de aniversário do pernambucano Haílton Corrêa de Arruda, o mitológico Manga, hoje com 82 anos, para muito entendedor de respeito o maior do País na posição em todos os tempos. Ou seja: até na criação da efeméride houve tentativa de driblar o goleiro. Um só não; todos: o dia é 26 e não 14; bola de um lado, goleiro no outro, de preferência fora da foto.
É difícil a vida de goleiro, essa inédita como frango em goleada. A turma diz que em chão que ele pisa sequer grama nasce. Calúnia, cascata, mentira das boas. Nasce sim, só que ele pisa e repisa tanto que ela morre. Mas aqui o que vos tecla muda de assunto porque a intenção, ao menos hoje, é ficar em paz e na boa com essa rapaziada de mão grande, daquelas de virar uma fuça num tabefe.
Mesmo porque Manga mais do que merece a homenagem. Nascido no Recife, jogou no Sport, Nacional, Operário-MS, Coritiba, Grêmio e Barcelona de Guayaquil. Mas os períodos de maior brilho foram vividos no Internacional, com três títulos gaúchos e dois brasileiros, e no Botafogo, com quatro cariocas, uma Taça Brasil e três Rio-São Paulo.
Manga defendeu o Fogão entre 1959 e 1968. Irônico, dizia gastar com antecedência, por conta, o bicho de jogos contra o Flamengo (para a parte da geração web fã de Barça, Liverpool e Real: bicho, no século passado, era a grana extra encaixada pelos boleiros nas vitórias). Foi titular na Copa de 1966, na Inglaterra. Ajudou a comprometer a conquista do bi por lá com umas vaciladas, é bem verdade, mas hoje, definitivamente, não é dia de tirar do baú e dar luz a coisas ruins.
Impossível falar da goleirada sem lembrar ainda do inglês Gordon Banks, autor da Maior Defesa da História do Futebol ou Defesa do Século 20, contra o Brasil, na Copa de 1970. A seleção atacava pela direita no início do jogo. Jairzinho cruzou e a bola, a 75 quilômetros por hora, percorreu 25 metros até a cabeça de quem melhor a tratou na história dessa bagaça: um certo Pelé.
O Rei subiu 70 centímetros, vinte a mais do que o lateral-direito inglês Tommy Wright, que cultivava no lance a ilusão de marcá-lo, e tascou a testada perfeita. A 45 quilômetros por hora, a bola levou escassos seis décimos de segundo para alcançar a meta – ou melhor, a mão de Banks, que, num voo sensacional, tirou-a do rumo do gol em seu canto direito. Na primeira copa transmitida ao vivo para o mundo, há quem jure que, por aqui, teve elemento que só percebeu o tapa de Banks lá pelo final da primeira etapa, depois da terceira gelada comemorando o gol.
Imprescindível também é resgatar Lev Ivanovich Yashin, ou apenas Yashin, o Aranha Negra (por se vestir só de preto nas partidas), dono absoluto das metas do Dínamo de Moscou e da seleção da União Soviética entre as décadas de 1950 e 1970. Foi, para muitos, o melhor goleiro do mundo em todos os tempos. O primeiro da posição e, talvez, o único até hoje a ganhar a Bola de Ouro de melhor jogador europeu da revista France Football, em 1963.
Por capricho do destino, o Aranha jamais foi eleito o melhor arqueiro de uma copa, mas recebeu homenagens importantes e merecidas da Fifa. Ao se aposentar, em 1971, ganhou da organização uma medalha de ouro como reconhecimento à sua contribuição para o esporte. Em 1994, o prêmio de melhor goleiro em campeonatos e torneios mundiais foi batizado como o seu nome.
Banks morreu em 2019, aos 81 anos. Ficou amigo de Pelé e, na generosidade pátria, passou a ser reconhecido, com carinho, como o protagonista corta-onda de um dos dois não-gols mais vistos, comentados e admirados por aqui.
O outro foi o do Drible do Século de Pelé, o mais belo corta-luz tá-comigo-não-tá-mais-na-verdade-nunca-esteve da história sobre outra lenda, o uruguaio Ladislao Mazurkiewicz, também no Mundial de 1970. Mas nesse lance nem o ótimo guarda-metas, nem a dupla de zagueiros e nem qualquer outro integrante do time cortou a onda. O Rei e a bola enganaram todo mundo – até o gol e a rede, pois o chute foi para linha de fundo.
O Aranha Negra Yashin morreu novo, com apenas 60 anos, em 1990.
Manga, com dificuldades físicas e financeiras após voltar de Guayaquil, no Equador, onde vivia, foi o primeiro jogador de futebol a morar no Retiro dos Artistas, no Rio. Golaço de placa do ator e presidente da instituição Stepan Nercessian. Mas não em Manga, jamais em Manga, até porque ele não permitiria tamanha ousadia do artista, botafoguense alucinado e fã ardoroso e incondicional do guarda-rede.
Daria para passar esse 26 de abril inteiro falando ainda de Gylmar dos Santos Neves, Félix, Leão, Raul, Taffarel, Marcão, Rogério Ceni e por aí vai...
O coronavírus parou o futebol em todo mundo em mais esse domingo. Que se faça do limão a limonada: hoje é domingo sem gol, sem frango, o triunfo dos arqueiros.
Deverá ter bola no Turcomenistão. Mas, se algum maluco cometer por lá a heresia de fazer um gol, ainda que contra, está tudo combinado para a invasão e a pressão de soprador de apito, VAR e o escambau a quatro até a anulação da ofensa.
Parabéns, boleirada que a gente ama.
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