Por quê o grande Milan vive a sua maior crise desde a década de 80
Fora dos gramados, o problema do "Diavolo" está precisamente na herança tenebrosa de Sílvio Berlusconi, que tratou o time como brinquedo
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

No dia 13 de Dezembro o Milan, um dos mais celebrados times de Futebol da Itália, e de todo o mundo, completou exatos 120 anos de vida. Não festejou nada, porém. Logo no dia 15, pela jornada de número 16 do Campeonato da Série A da Bota, temporada de 2019/20, em seu San Siro da capital da Lombardia, entristeceu os 58.005 torcedores que se aprestavam a comemorar e empacou, 0 X 0, diante do mediano Sassuolo. Pior, no dia 22, na rodada seguinte, visitou a Atalanta, na Bérgamo vizinha, e foi devastado, 0 X 5, a sua derrota mais humilhante na cidade desde 1949. Resumo: fechou o ano com 21 pontos em 51 disponíveis, a metade da sua rivalérrima Internazionale.

Evidentemente sem a mínima chance de brigar pelo título da “stagione”, o seu 19º, também super-distante da zona de classificação à Champions League, na qual já levantou a taça sete vezes, o “Diavolo” de Milão corre o perigo de nem mesmo abiscoitar uma vaga na Europa League. Está oito pontos e quatro clubes longe de tal probabilidade, e isso num certame de 38 “giornate”.
Em 2018/19, graças à sua quinta colocação no Italiano, chegou a se qualificar para a subsidiária da Champions. No entanto, denunciado pela UEFA por não respeitar as regras impostas no “Fair Play” financeiro da entidade, foi proibido de participar. Aliás, é na sua administração que reside praticamente toda a crise que detonou o Milan neste final grotesco e humilhante de década.

Depois de um período de conturbações, as duas quedas à Série B, em 1980 e em 1982, em 1986 o clube pareceu desembarcar numa sequência duradoura de prazeres com a compra da maioria das suas cotas acionárias por Sílvio Berlusconi, um bilionário ambicioso e sem melindres. A grana de Berlusconi depressa conduziria o “Diavolo” ao “scudetto” de 1987/88. Às taças da Champions e da Copa Intercontinental de 1989 e 1990. Ao seu tri estupendo, no Calcio, em 1992/93/94, o de 92 invicto, 22 sucessos e 12 empates.
No período, uma coleção de 56 pugnas sem um único fracasso. Em 5 de Agosto de 2016, todavia, porque Berlusconi se cansou de brincar, o Milan se emaranhou em uma negociação confusíssima com um grupo chinês (é, isso, chinês), liderado por um certo Li Yonghong e a sua esposa Huang. Quem diria que o magnata, em três ocasiões premier da Bota, faria papel de trouxa.

Constava, então, que Li e Huang seriam dois capitalistas orientais da construção de condomínios, da indústria de embalagens e da extração de fósforo. Porém, enquanto a transação se arrastava, dois períodicos irrepreensíveis, o “New York Times” e a “Gazzetta dello Sport”, tratavam de tocar, conjuntamente, uma investigação impiedosa a respeito do estranho casal. Não puderam confirmar, sequer, a data do nascimento registrada no passaporte de Li, supostamente o dia 16 de Setembro de 1969.
Pior, descobriram que a fortuna da dupla teria nascido do famigerado golpe da “Pirâmide de Dinheiro” e que havia lesado 18.000 incautos. Que o pai e dois irmãos de Li estariam presos. E no entanto, em 13 de Abril de 2017, Adriano Galliani, o sub de Berlusconi, anunciou a “feliz conclusão” da venda por um equivalente a R$ 3 bi, além da absorção de uma dívida atrasadérrima de R$ 900 mi. Sem subterfúgios, sem fricotes, a Mídia concluiu que tudo não passara de uma descomunal e torpe operação de lavagem de bufunfa.

Devidamente constatada a inadimplência dos Li, enfim, em 12 de Julho o Milan começou a se safar da devastação quando um outro especulador, Paul Singer, fundador da Elliot Management, aceitou pilotar o bonde sem governo. Indicou como “amministratore delegato”, o seu executivo no clube, o sul-africano Ivan Gazidis, com passagens pela Major League Soccer dos EUA, pela Concacaf e pelo Arsenal de Londres. Assumiu a presidência, como representante dos credores, Paolo Scarone, CEO da maior companhia energética da Bota. Claro que, durante toda a bagunça, o Futebol do “Diavolo” sofreria bastante.

O seu atual treinador, Stefano Pioli, que recebeu o cargo no mês de Outubro, já é o quinto “mister” desde aquela malfadada transação de 2016. Mais: os controles do “Fair Play” financeiro da UEFA não permitem que o Milan faça investimentos fantasiosos. E, acredite se quiser, Paul Singer não é um reles aventureiro como os Li. Muito ao contrário, o seu patrimônio líquido supera os US$ 3,5 bi. Só que o seu Elliot ganhou a má fama de atuar como um abutre dos mercados em crise através do planeta. Compra dívidas bem baratinho, se locupleta, e então exige sangue para libertar quem o ameace, digamos, com um calote. E não se importa com o tamanho do coitado. Casos do Peru e do Congo. E principalmente da Argentina, onde Singer e Elliot se imiscuiram em 2011 e cuja economia o seu fundo carnívoro quase devorou. Pobre Milan...
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