Os Jogos de Tóquio, os boatos, e uma batalha política pelo poder
Por trás do impressionante desencontro de informações a respeito de um adiamento ou até do cancelamento da festa olímpica em razão da Covid-19, existe uma rede de intrigas no governo do Japão
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Exatos seis meses antes da data programada para a sua abertura solene, na noite oriental de 23 de Julho de 2021, já principiaram os Jogos Olímpicos de Tóquio, no Japão. Ironia, nenhum dos contendores se inclui entre os 11.091 atletas previstos para comparecer ao “País do Sol Nascente”. Também não consta que possam se apresentar em qualquer dos 339 eventos distribuídos por 33 esportes e suas 50 modalidades subsidiárias. Sem falar que ambos, pois são dois, pertencem a um único dos 209 países que o Comitê Organizador imagina que hasteiem as bandeiras nos 39 endereços das competições e seus correlatos.
Na realidade. nasceu de uma briga política a informação que o “The Times” de Londres publicou e o furacão do Twitter depressa disseminou, segundo a qual o governo do Japão, “privadamente”, teria concluído ser inviável a realização dos Jogos, agora, Sobrariam para 2032. Trata-se de uma luta cujo vencedor não receberá medalha. Subir ao pódio significará manter ou tomar o poder. Uma luta sem lealdade e sem respeito pelo lindo lema “Kandō de, watashi-tachi wa hitotsu ni naru”, ou “Unidos pela emoção”, símbolo de Tóquio/2020.
Manter, no caso, o premier Yoshihide Suga, 62, líder do Partido Liberal Democrático, desde Setembro no cargo que fôra de Shinzo Abe, um defensor radical dos Jogos em sua pátria. Para os efeitos públicos, Suga exagera no populismo demagógico que caracteriza o Partido. Prega a preservação da disputa de Tóquio como a “prova, de fato, de que a humanidade derrotou o coronavírus”. No fundo, porém, obviamente, não quer passar à história como o fracassado medíocre que sucumbiu à Covid-19 e viu os seus Jogos se evaporarem.
Tomar o poder é o objetivo de Taro Kono, 58, do mesmo PLD, atualmente o Ministro da Reforma Administrativa do governo de Suga. Ambos começaram as suas carreiras públicas nas mesmas eleições gerais de 1996, quando se tornaram o equivalente a deputados. Mas, enquanto Suga, aos poucos, se transformou num influente costureiro de ações e de manobras de bastidores, Kono jamais escondeu a sua ambição. Embora quatro anos mais novo do que Suga, se locupletou do fato de herdar o dom político do pai Yohei, que lhe ensinou a arte maliciosa da ascensão. Em Março de 2017, por exemplo, publicamente, sem se preocupar com escrúpulos ou com a verdade, forçou a derrubada de Fumio Kishida, o Ministro das Relações Exteriores, e obrigou Shinzo Abe a transformá-lo no seu substituto.
Segundo um importante jornalista do “Asahi Shimbum”, um dos maiores periódicos do Japão, seria Taro Kono o personagem responsável, “privadamente”, por informar o “Times” de uma idéia que, ao menos no momento, outros componentes do governo de Suga não compartilhariam. Tanto que, imediatamente, Suga teria mobilizado Toshiro Muto, o CEO do Comitê Organizador dos Jogos, que, por sua vez, teria mobilizado Thomas Bach, o ex-esgrimista alemão que preside o COI, que teria mobilizado amigos da Kyodo News, uma agência de notícias, para lhes ceder uma entrevista exclusiva. Uma resposta a Taro Kono.
Veemente, Bach desmentiu os “boatos” difundidos pelo diário britânico: “Não, não há nada de Plano B. E nós não temos qualquer motivo para pensar que os Jogos não se iniciarão em 23 de Julho”. É óbvio que não citou o nome de Kono, muito menos levantou suspeitas sobre a infeliz intromissão da política em situação tão delicada. Porém, também é ululante que se criou um nó complicadérrimo nas entranhas do governo do Japão, um emaranhado de facções que apenas sobrevivem unidas graças a uma frágil, sutil coalizão. Yoshihide Suga assumiu a briga, definiu seu inimigo e, ainda que internamente, se avocou a iniciativa. Da sua rotina cotidiana constam cem abdominais a cada manhã e mais outros cem à noite.
Ah, um estômago forte certamente Yoshihide Suga tem.
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