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Silvio Lancellotti - Blogs

O futebol da Itália precisa, e bem depressa, resgatar as suas raízes

Personagens como Zoff, Causio, Sacchi, e até a mamãe de Roberto Mancini dizem que não adianta trocar o treinador da "Azzurra" enquanto a base do Calcio estiver congestionada de estrangeiros

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Roberto Mancini, um adeus à "Azzurra"?
Roberto Mancini, um adeus à "Azzurra"?

Carinhosamente apelidado de Mancio, uma brincadeira com seu sobrenome e com o fato de ser canhoto, Roberto Mancini construiu um currículo bem precioso como treinador da “Squadra Azzurra”. seleção italiana de futebol quatro vezes campeã do planeta. Aceitou o encargo logo depois de Gian Piero Ventura realizar a proeza de não promover a “Azzurra” à Copa da Rússia/2018, tragédia que a Velha Bota não amargava desde a Suécia/1958. Dirigiu a equipe em 47 pelejas, 30 triunfos e apenas quatro derrotas, 102 tentos a favor e meros 24 concedidos. Espetacularmente, no percurso, conquistou a Eurocopa/2020 ao sobrepujar a Inglaterra dentro do templo sagrado de Wembley. Porém, toda essa soberba maravilha se transformou em desgraça num só lance, um só jogo, um só gol e na sua queda derradeira.

A glória na Eurocopa/2020
A glória na Eurocopa/2020

Aconteceu agora, em Palermo, no dia 24 de Março, e nos acréscimos de uma peleja unilateral, com uma infinidade de ocasiões desperdiçadas, 0 X 0 no placar e um arremate inusitado de Aleksandar Trajkovski, ex-atacante do clube da cidade, solitário na ofensiva da Macedônia do Norte, e a Bota sem Mundial pela segunda vez consecutiva. Culpa do Mancio? Ao menos um dos seus comandados derrama as cinzas na própria cabeça. Trata-se do catarinense Jorge Frello, passaporte italiano por consangüinidade. Durante a fase de chaves das Eliminatórias da Europa, duas vezes diante da Suíça, 0 X 0 e 1 X 1, Jorginho perdeu o penal que praticamente garantiria a “Azzurra” no Catar e não a levaria ao playoff diante da Macedônia do Norte. No 1 X 1, aliás, ele provinha de dois equívocos, em sequência, da marca fatal. Culpa do treinador, que o autorizou? Não. Jorginho livra o Mancio da responsabilidade: “Relembrar aquilo me faz muito mal. Fiz questão de cobrar. E eu estava confiante. Agora eu vou me remoer com essa mágoa a minha vida inteirinha.”

Jorginho e um dos penais perdidos contra a Suíça na fase de chaves
Jorginho e um dos penais perdidos contra a Suíça na fase de chaves

Sobrepujasse a Macedônia do Norte, a Itália decidiria a vaga nesta terça-feira, dia 29, contra quem sobrevivesse de Portugal X Turquia. E a seleção de Cristiano Ronaldo ganhou, 3 X 1. Mas, por incrível que pareça, na mesma data a “Azzurra” pegará a Turquia em Konya, localizada bem no miolo da Anatólia otomana. Convenhamos, um duelo ridículo, talvez de expiação de pecados, que apenas servirá para se agregarem pontos ao ranking da UEFA, a entidade que administra o Ludopédio na Europa. Claro, Jorginho solicitou sua dispensa do calvário. O Mancio, profissional de caráter, seguirá, todavia, no comando da “Azzurra”. Sobre o seu futuro, ele escorrega: “Em Julho passado vivi o momento mais lindo da minha carreira. E agora vem essa desilusão cujo tamanho ainda não pude medir. Não, me perdoe, não falo sobre o que virá. Não se trata de fuga, Apenas não tem o menor cabimento."

Mancini, com a "mamma" Mariana Puolo
Mancini, com a "mamma" Mariana Puolo

Uma solene senhora quase oitentona, de nome Mariana Puolo, não hesita em distribuir comentários cáusticos. É a mãe do Mancio, dona de todas as prerrogativas, pró e contra. “A vitória esteve pertinho de nós. Porém, os meninos do ataque falharam bastante. No lugar do Roberto eu teria chamado o Balotelli, que tem muita força física e, diante da meta, não erra nunca. E, além disso, o Donnarumma podia ter chegado naquela bola do gol, o único chute da Macedônia. Mas o meu filho não gosta de conselhos e, agora, é inútil enchê-lo de críticas.” De certa maneira, o veterano Giorgio Chiellini, que chegou a entrar na porfia nos instantes derradeiros, antes do tento de Trajkovski, também pune e depois perdoa: “Desde Setembro, desde aquele triste empate com a Suíça, os nossos equívocos se sucedem. Sinto um vazio enorme na alma, mas acho que não adianta só lamentar. O nosso Calcio necessita de uma reconstrução. E para isso, estou convicto, creia-me, o Roberto é imprescindível.”


Chiellini chora pela derrota diante da Macedônia do Norte
Chiellini chora pela derrota diante da Macedônia do Norte

Pede Dino Zoff, o arqueiro campeão na Espanha/1982 e treinador da “Azzurra” de 1988 a 2000: “Hoje nos faltam atacantes decisivos, não apenas na seleção mas também nos clubes. Sem dizer que os dirigentes e até a mídia são muito benevolentes com os jovens que mal aparecem e já se tornam deuses no Paraíso. E sem falar na quantidade de estrangeiros que, nos clubes, hoje ocupam o lugar dos italianos.” Acrescenta Giuseppe Bergomi, outro campeão de 1982: “Hoje padecemos com uma dificuldade crônica em nosso sistema. Não conseguimos revelar, e promover, e fazer jogar, jogadores em setores específicos. E isso, no nosso ataque, é um problema ofuscante.” Adverte Franco Causio, mais um de 82: “Trocar o treinador não resolve absolutamente nada. É indispensável mexer na cultura do Calcio, recuperar as nossas categorias de base, resgatar a intensidade e a velocidade com que nós definíamos os nossos parâmetros.” Quase exatamente a tese pregada por Arrigo Sacchi.

Arrigo Sacchi, frente a emergência, um alerta fundamental
Arrigo Sacchi, frente a emergência, um alerta fundamental

O treinador que fez do singelo Parma um time grande de 1895 até 1987, que estruturou o super-Milan de 1987 até 1991, que levou uma “Azzurra” dizimada por contusões à final da Copa dos EUA/1994, amealhada pelo Brasil em uma insólita disputa de penais, adiciona todos esses itens num raciocínio implacável e desfere: “Chega de palavras. O blablablá não leva a nada. Nós temos que entender que estamos colhendo o que nós semeamos. Antes, lá em 2018, se crucificou o Ventura. Agora, querem fuzilar o Mancini. Houve, diante da Macedônia, simplesmente o que acontece com os nosso clubes já faz doze anos, 2010, quando a Inter do José Mourinho ficou com a Champions League. Espetacular que a “Nazionale” tenha conquistado a Eurocopa. Uma exceção, porém, e jamais uma regra.”


A Inter campeã da Champions - em 2010
A Inter campeã da Champions - em 2010

Sacchi aponta para um alvo difícil de desprezar. “A Itália continua a encher os seus clubes de estrangeiros. E até as categorias de base, hoje, estão repletas de jovens que vêm de fora.” Ele inclusive se desculpa por usar uma metáfora que considera vulgar: “Sinto se pareço duro, repetitivo ou mal-educado, porém os nossos clubes, vários entregues a meros investidores de dinheiro de origem multincional, e distante daqui, compram garotos de suposto talento como se fossem caixotes de frutas, nuns estoques inúteis. Muito pior, que apenas ampliam as dívidas enormes dos clubes. No Exterior, esses investidores montam centros de apoio aos jovens dos seus países. Aqui, criminosamente vedam o espaço às nossas novas gerações. E ninguém diz nada.” Perguntado sobre uma eventual sucessão de Mancini, os boatos que falam em Fabio Cannavaro como treinador e Marcello Lippi como supervisor, Sacchi cospe fogo: “A sucessão? Por favor, não me faça morrer de uma crise de riso. Se não mexermos bem lá no fundo, nos porões, não importará o topo. Comandará um Calcio manco, capenga, e talvez nos fiquemos fora, também, da Copa de 2026.”

Preleção, antes do jogo inútil com a Turquia
Preleção, antes do jogo inútil com a Turquia

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