O ainda jovem e já precioso Casimiro Ristorante dal Tatini
Sob o comando de Thiago Tatini, da quinta geração de uma dinastia que inaugurou a sua história, na Toscana da Velha Bota, um século atrás
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Nos meados da década de 80, quando eu basicamente me dedicava ao Jornalismo de Gastronomia, a então revista “Manchete” me incumbiu de perpetrar um texto ousado, cujo título, bem provocativo, seria: “São Paulo, o melhor restaurante do Mundo”. Uma idéia engenhosa e, de certo modo, até correta, aquela, apresentar a megalometrópole bandeirante como um reduto de estilos culinários de todo o planeta, circunstância que nem Nova York ostentaria. Confesso que não me incomodei com a petulância.

Pena. Numa de minhas infinitas mudanças se perdeu o exemplar da revista. E eu nem me lembrava mais da tal reportagem quando, dias atrás, descobri que a Biblioteca Nacional havia digitalizado todo o acervo da publicação. E lá fui eu pesquisar o que havia de citações a meu nome na gigantesca coleção. Pois encontrei onze registros. E em um, o do exemplar 1790 da “Manchete”, 9 de Agosto de 1986, pairava soberana, na integralidade, a reportagem. Que se abria, em página dupla, com as fotos de personagens que marcaram minha vida pessoal e, paralelamente, também a minha vida profissional.

Numa das imagens, Mássimo Ferrari, que ainda fulgura no País com o seu Felice & Maria, combinação de ponto de venda das suas formidáveis criações. Na outra, dois manos a quem conheci menino ainda, na Avenida Ana Costa de Santos, Mário Tatini e o seu saudoso caçula, o Aradan que virou Dante. De uma estirpe antológica de hoteleiros toscanos, os Tatini tinham aportado em Santos em 54, onde abriram o Don Fabrizio, sob o comando do seu patriarca, um pioneiro na utilização de produtos que a cozinha nativa mal aproveitava, como as “vongole”, os mexilhões, as lulas, o polvo, além de ingredientes que ora desprezava e ora estragava, como os cremes e os cogumelos.

O Don Fabrizio subiu a serra, se instalou na Paulicéia e depressa ganhou um prestígio enorme pela qualidade do seu atendimento e, lógico, da sua comida. Com a partida ao Céu do patriarca, Mário, na verdade Casimiro Mário, um estupendo esgrimista e até pugilista na sua juventude na Itália, assumiu a liderança da família e dos irmãos, o Athos, a Yolanda, o Dino e o caçula Dante. Inicialmente na Alameda Santos com o Don Fabrizio, na década de 80 os manos venderam a marca e abriram o Tatini na Rua Batatais. De novo a estrela do pioneiro: um dos primeiros comedouros excelentes num flat.

No percurso, Mário transformou mais de mil aprendizes de salão e de retaguarda em preciosos barmen, garçons, maîtres, chefes-de-cozinha. Invariavelmente escoltado na administração pela esposa Gisella, também transformou os filhos, Fabrizio, Paola, Andrea e Thais em sinônimos de competência. Um publicitário de currículo excelente, o Fabri se tornou o “condottiere” do Tatini – é incrível como o seu estilo afetuoso e elegante lembra o “babbo”. As moças cuidam de uma rotisseria. E, representante da mais nova geração, aos 25 de idade o cada vez menos tímido e cada vez mais cativante Thiago, bambino de Thais, já é o nobre e digno responsável pelo mais novo restaurante de primeira linha de São Paulo, o Casimiro.

Onde existia um estacionamento, na esquina da Augusta com a Alameda Santos, o empresário Fernando Tchalian, do Grupo Reud, levantou o Edifício Santos-Augusta, um projeto majestoso do arquiteto Isay Weinfeld, complexo de escritórios que também abriga um “coffee shop” e um teatro para 180 lugares – além, claro, do Casimiro. Outro arquiteto especialista em maravilhas, Adriano Mariutti, se incumbiu da ambientação. Inaugurado sem publicidade e sem alarde em meados de 2018, agora, em 2019, o ponto entra, mesmo, na sua pista de decolagem. Homenagem aos 91 de idade de Casimiro Mário.

Fabrizio, hoje aos 59, pessoalmente preparou o sobrinho Thiago em meses e meses de treinamento ao vivo e em cores durante o movimento cotidiano do Tatini. Ao bravo “ragazzo” se aliou a igualmente jovem porém experiente Rita Behring, que trabalhou na França e na Austrália e, no Casimiro, se encarrega da co-administração. E, lógico, o menu se fundamenta no quase século de iguarias que os Tatini desenvolveram desde o seu começo na Velha Bota.

Sim, quase século, porque também foi Casimiro o pai de Fabrizio que foi o pai de Casimiro Mário que é o pai de Fabrizio que é o irmão de Thais que é a mãe de Thiago. Invariavelmente, em 50 anos de Jornalismo, eu disse e escrevi que um restaurante é a cara do seu dono. No caso deste ainda moço Casimiro, é a cara de uma verdadeira dinastia. Bravo, Casimiro Ristorante dal Tatini!
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