Num último quarto de antologia, os Chiefs enfim ganham o Super Bowl
No centenário da NFL e do Futebol Americano,, o time de Kansas City bate os 49ers e volta a conquistar um troféu que havia levantado apenas em 1970
Silvio Lancellotti|Do R7
Espaço para 64.767 torcedores e, você acredite se quiser, um parque de estacionamento para 26.718 automóveis, o absurdo de um veículo para quase 2,5 pessoas, o Hard Rock Stadium de Miami testemunhou neste domingo, 2 de Fevereiro de 2020, o Super Bowl LIV, a sexta edição do formidável duelo final do Futebol Americano desde a abertura dos seus portões em 1987. Pois aconteceu um desafio digno da efeméride. Com direito, inclusive, a uma virada extraordinária, empolgante, e teatral, já no quarto derradeiro, triunfo dos Kansas City Chiefs sobre os San Francisco 49ers, resultado de 31 X 20.
Exatos cem anos atrás, em 1920, uma equipe da cidade de Akron, em Michigan, abiscoitou o primeiro título formalmente profissional daquele que é, hoje, o esporte mais popular dos Estados Unidos. Depois, por mais de uma década o certame prosseguiu, entre altos e baixos de organização, até que, em 1933, nasceu a NFL, National Football League, com a incumbência de regulamentar a competição. Havia, então, duas chaves geograficamente separadas, o Leste e o Oeste. Cabia a seus ganhadores, no encerramento da temporada, decidir o campeão. Na lista dos ganhadores e dos vices, até 1966, não há notícia dos Kansas City Chiefs e nem dos San Francisco 49ers.
Aconteceu, daí, uma revolução. A partir daquela data, à NFL se agregou a AFL, uma federação paralela que, aos poucos, havia se equiparado em importância e prestígio. Inevitavelmente adveio a fusão. Sobreviveu o nome NFL mas nasceram duas subdivisões, a Conferência Nacional e a Conferência Americana, cujos vencedores passaram a se defrontar num prélio definitivo, o Super Bowl, e assim se apontar um elenco petulantemente batizado de “World Champion”, ou “Campeão Mundial”. Logo na sua edição de estréia, em 15 de Janeiro de 1967, como representantes da Americana, os Chiefs foram devastados pelos Green Bay Packers, da Nacional, por 10 X 35. Depois, abiscoitariam o troféu do Super Bowl IV em 1970, ao arrasarem por 23 X 7 os Minnesota Vikings. Mas, até este 2020, nunca mais comemorariam.
Os 49ers, representantes da Nacional, apenas inscreveram o seu nome na História ao levantarem a taça do Super Bowl XVI, vitória de 26 X 21 contra os Cincinnati Bengals, em 24 de Janeiro de 1981. E repetiriam a dose noutras quatro vezes. No XIX, 38 X 36 sobre os Dolphins de Miami. No XXIII, 20 X 16 nos Bengals. No XXIV, os inolvidáveis 55 X 10 contra os Broncos de Denver. No XXIX, 49 X 26 nos Chargers de San Diego. E os 49ers estiveram, também, no Super Bowl XLVII, quando sucumbiram aos Baltimore Ravens por 31 X 34. Um conjunto de números e de estatísticas que, no papel e na tradição, insinuava um favoritismo tranqüilo dos representantes da Conferência Nacional.
Simbolicamente, de fato, o duelo do Hard Rock Stadium deveria, mesmo, restabelecer o predomínio da Califórnia sobre Kansas. O apelido 49ers remete ao ano em que se descobriu o ouro nas margens do Feather River, a cerca de 120 quilômetros a nordeste de San Francisco. E o logo dos Chiefs, ou os “Chefes”, exibe a ponta rústica de uma flecha, ou a arma basilar que os nativos norte-americanos utilizavam na sua luta para sobreviver aos caras-pálidas. No gramado de Miami, entretanto, aos dois contendores se reservavam condições bem diferentes. Aconteceria o confronto da explosão física, da contagiante vibração de Patrick Mahomes, o “quarterback” dos Chiefs, e o estilo meticuloso e paciente dos 49ers, com investidas preferivelmente através do chão, graças às corridas implacáveis de Raheem Mostert.
Claro que a defesa dos Chiefs soube marcar Mostert de maneira impiedosa e Jimmy Garoppolo, o “quarterback” dos 49ers, se obrigou a variar os seus “runners”, de Tevin Coleman até Deebo Samuel um recebedor transformado em velocista pelo solo. Do outro lado, quando obteve a posse da bola oval, Mahomes necessitou sobrepujar uma retaguarda especialista na atenção por zona. Mahomes, no entanto, foi mais feliz, principalmente por causa de Travis Kelce, agilíssimo nos deslocamentos apesar do seu 1m96, 118kg. E, depois de um “Field Goal” de 3 pontos de Robbie Gould, que nunca havia errado um chute em uma pós-temporada, San Francisco à frente, ele mesmo, Mahomes, invadiu a “End Zone” com a pelota nos braços e levou Kansas à liderança, 7 X 3 no primeiro quarto. Mostert, então, só tinha duas raras jardas no seu ativo.
Os Chiefs ampliaram o placar, 10 X 3, graças a um “Field Goal” de Harrison Butker. Subitamente, todavia, os 49ers acordaram da sua letargia numa sucessão de bons lances de Garoppolo, Mostert e, em particular, um outro de seus tanques pelo solo, Kyle Juszczyk, que, na verdade, virou o recebedor de um passe primoroso de 16 jardas. Perfeito o ponto extra, os dois times rumaram aos vestiários com a igualdade em 10 X 10. E voltou melhor, pelo inesperado da sua postura, o elenco de Kyle Shanahan, o treinador de San Francisco, 40 de idade e ansioso para se consagrar como o terceiro treinador mais jovem a vencer um Super Bowl. Ao invés de privilegiar as avançadas rasteiras, escolheu o alto. Acumulava 14 passes acertados em 16 chances quando conduziu Robbie Gould à posição de “Field Goal”, 13 X 10.
Na posse imediatamente seguinte, com 15 passes certos em 21 chances, ineditamente Mahomes errou. Não fora interceptado uma única vez numa pós-temporada em toda a sua carreira. Em 2’48” os 49ers sairiam da casa das suas 45 jardas e numa campanha compacta de apenas seis etapas cravariam o TD com Mostert e o ponto extra com Robbie Gould. Placar de 20 X 10. Muito pior, amarga reprise, na posse exatamente posterior, já com 18/28, de novo ele fracassou, interceptado pela segunda vez, e em menos de dez minutos de um mesmo combate. Desalento de Andy Reid, o treinador dos Chiefs, aquele de bigode gigantesco. E um alívio para Shanahan, que daí pôde se dedicar à estratégia predileta. Investidas pelo chão e o controle do cronômetro.
Restava na porfia a metade do quarto derradeiro. Cabia a Mahomes se resgatar, realçar todo o seu talento. E, com 6’13” ainda a se consumirem, armou um TD para Travis Kelce. Sossegado o ponto extra de Butker, placar de 17 X 20. Qual seria, então, a atitude de Garoppolo & Cia.? Sem o braço portentoso do rival, não saiu do seu lugar, o que obrigou os 49ers a se desvencilharem da bola e a recorrerem à sua defesa para conter Mahomes. Que personalidade, a dele, um garoto de 24 de idade, completados em Setembro, o quinto mais jovem a buscar o topo do pódio num Super Bowl.
Engendrou uma campanha fulminante e, a 2’39” do fim do cotejo, TD de Damien Williams, ponto extra, Chiefs 24 X 20. Os 49ers precisariam de mais do que um mero “Field Goal”. E de um ‘Quarterback” muito superior ao seu – Garoppolo havia crescido como o reserva de um certo Tom Brady. Não recuperou o resultado. E Kansas ainda obteve um outro TD, outro de Williams, e o placar fermentou para 31 X 20. Enfim Andy Reid, 61 de idade, treinador desde a universidade, quando tinha 24, ganha o seu anel de campeão. E Mahomes, o laurel de MVP. Aliás, o mais jovem MVP da História da NFL.
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