Juventus da Itália, uma crise que fermenta dentro e fora do campo
Enquanto o treinador Allegri batalha para recuperar a unidade de um elenco esgarçado pela passagem frustrante do CR7, a Justiça Fiscal da Bota constata os números absurdos de alguns negócios
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Desde que começou este século 21, a “Velha Senhora” Juventus de Turim, a “Bianconera” de 36 “Scudetto” de campeã, a equipe mais titulada do Calcio, em 21 torneios abiscoitou a taça em 11 ocasiões, inclusive o seu insólito enea, nove consecutivas, de 2012 a 2020. No total, aliás, até, seriam 38/13 galardões, não acontecesse o amargo escândalo batizado de “Calciopoli”, as designações sub-reptícias de apitadores, que lhe custaram a revogação do seu laurel de 2004/2005 e o seu rebaixamento, pela Justiça Esportiva da Bota, depois do primeiro lugar de 2005/2006. Porém, de 2000 para cá, a Juve não disputou, tecnicamente, nos gramados, uma temporada tão constrangedora como esta, agora, de 2021/2022. Corre seriamente o risco, inclusive, de não ter vaga na futura edição da Champions League.

E não se trata de falta de grana, pelo contrário. De novo acuada pela Justiça, desta vez a Fiscal, sob a suspeita de uma falcatrua chamada “plusvalenza”, a falsificação de balanços para supervalorizar as suas ações cotadas em Bolsa, fazendo subir à tona as quantias que, supostamente, a Juve investiu na contratação de novos jogadores. E tais quantias são de embasbacar, pelo exagero e, em alguns casos, pela inutilidade. Tudo numa conta que acumulou mais de 500 milhões de euros, cerca de R$ 3,2 bilhões. E nessa conta não entra o gasto crucial com Cristiano Ronaldo, perto de 55% desse total, ele que recebera a tarefa de compelir a “Senhora” rumo à fantasia acalentada desde 1996, o topo do pódio da ChL.

O CR7 vestiu a camisa da “Zebra” de 2018 a 2020, atuou em 133 jogos, anotou 101 gols, se locupletou dos recordes quebrados, mas não cumpriu a sua missão. Durante a sua estada a Juve passou por três treinadores (Maurizio Sarri-Andrea Pirlo-Massimiliano Allegri), os três incapazes de solucionar uma pendenga complicadíssima de vestiários: a vaidade do craque lusitano, a desafiar psicologicamente a unidade essencial que sempre caracterizou cada elenco de uma agremiação sob o comando da mesma “Famìglia Fiat Agnelli” desde 1923. Bastou o CR7 sair da Juve, em 27 de agosto, para que dois veteranos, Gigi Buffon, hoje no Parma, e Georgio Chiellini, ainda no time, desferissem metáforas que significavam “já foi bem tarde”. Ronaldo, de todo modo, ao menos auxiliou a “Senhora” a multiplicar os seus patrocínios. No fritar dos ovos, apenas com as marcas que costura nos fardamentos, por ano arrebata R$ 1,85 bilhão, o dobro da Internazionale, a detentora do “Scudetto”.

Desafortunadamente, todavia, chocou os investigadores de documentos financeiros da Juve uma constatação, que também estarrece os seus “tifosi”. Em um quinquênio, de 2016 em diante, durante a administração do diretor Fabio Paràtici, agora no Tottenham da Inglaterra, a agremiação queimou dinheiro. Pelo argentino Gonzalo Higuaín, que mais perdeu tentos do que marcou, entregou ao Napoli a bagatela de R$ 580 milhões, fora o salário anual de R$ 48 milhões. Douglas Costa, aquele que o Grêmio gaúcho já oferece à venda por migalhas, “tutto sommato”, R$ 560 milhões. Outro brasileiro, Arthur, eternamente lesionado, R$ 5460 milhões. O galês Aaron Ramsey, R$ 280 milhões. O argentino Cristian Romero, que nem sequer envergou o uniforme da “Zebra”, R$ 180 milhões. Romero acabou cedido à Atalanta de Bérgamo pela metade desse preço, e a “Deusa” depressa o repassou ao Tottenham por R$ 320 milhões. Pois é, o mesmo Tottenham do Paràtici que foi da Juve e, cabalisticamente, espalha as digitais pela trama.

Supervisionada pelos magistrados Marco Gianoglio, Ciro Santoriello, e o seu adjunto Marco Bendoni, a inquisição da contabilidade da “Senhora” abarca de 2018 até 2021 e ganhou o apelido de “Operação Prisma”. De acordo com o “Dottore” Gianoglio porque, ao incidir no cristal, a luz se difrata numa infinidade de cores. “O Prisma filtra”, ele explica, num tom professoral. O magistrado garante que, ao contrário do “Nazionale”, que se interrompeu antes do Natal e só retorna dia 6 de Janeiro, a “Operação” segue a todo vapor. Com a equipe em quinto lugar e 12 pontos de distância da líder Inter, os “tifosi” não creem numa briga pelo “scudetto” 39 e apenas desejam que, ao menos, a sua Juve do coração fique entre as quatro melhores e assim se qualifique à ChL de 2021/2022. Com o elenco que possui esta “Senhora” dificilmente chegará à etapa das semis da Champions League atual.

Pesadelo potencialmente mais dramático assola, isso sim, a sua cartolagem. Uma batalha surda antepõe dois ramos dos Agnelli. Edoardo (1892-1933), um filho de Giovanni (1866-1945), o fundador da Juve, subiu à presidência em 1923 e teve sete banbinos. Dois deles, o ultracarismático Gianni (1921-2003) e o comedido Umberto (1934-2000), veementemente se dedicaram ao Calcio. De suas estirpes respectivas provêm John Elkann (45 de idade, o CEO da Exor, holding que domina a Fiat, a Ferrari, e por extensão a “Senhora”) e Andrea Agnelli (46, mandatário da Juve). Fraternais nas fotos, se espicaçam nos bastidores.

Embora mais jovem, e embora nascido em Nova York e descenda de um jornalista, Alain, divorciado de sua mãe, Margherita, desde 1991, John se tornou o dileto do vovô Gianni já na sua adolescência. Por decisão testamentária, manda mais do que Andrea. Na última reunião acionária colocou como administrador delegado um personagem de sua extrema confiança, Maurizio "Ferrari" Arrivabene. O ramo Gianni da “Famiglia” se enfureceu com a irresponsável aventura de Andrea ao desafiar a UEFA e inventar, com outros visionários, uma elitista Superliga de Clubes que não sobreviveu nem aos meros suspiros de reação de torcedores de toda a Europa. Agora, John examina com os olhos de um falcão a mobilização da Justiça Fiscal na “Operação Prisma”. Não poupará o primo-inimigo do bote fatal.

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