Entenda como nasceu o VAR e como deverá ficar, agora, no ano de 2020
Interferência mínima e benefício máximo, eis o lema essencial do conceito, que simplificará bastante a questão do toque de mão ou de braço na área
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Data do final de 2013, nas vésperas da Copa que o Brasil logo hospedaria, meses depois, a constituição de um time de analistas que, então, quase secretamente, se incumbiriam de montar um pré-protejo de implantação de um árbitro de vídeo para solucionar os lances duvidosos nas partidas de Futebol. Uma enormidade de textos, debates e retoques depois, enfim no dia 6 de Março de 2016 o International Board, ou IFAB, um organismo ligado à FIFA e dono da prerrogativa de instituir as regras do Ludopédio no planeta, liberou o documento com todos os termos que formalizavam o uso do VAR, ou o "Video Assistant Referee", em certames e em combates oficiais.

Caberia a Ismail Elfath, um norte-americano nascido no Marrocos, fazer História, em 19 de Agosto de 2016, como o primeiro mediador a recorrer à novidade em um cotejo entre os elencos reservas do RB New York e do Orlando City SC. Graças à ajuda de Allan Chapman, que coordenava o equipamento eletrônico, Elfath reverteu a exibição de um cartão amarelo e expôs um vermelho direto. A quem, até hoje não se sabe. Nem a FIFA guardou a ficha técnica daquele prélio. Existem registros, porém, do amistoso em que, no dia 1º de Setembro, em Bari, sul da Bota, a Itália perdeu da França, 1 X 3. Por rádio, de uma cabine, o peninsular Pierluigi Collina evitou que o holandês Bjorn Kuipers, no gramado, injustamente expulsasse o gaulês Djibril Sebidé e também tolamente apontasse como penal um desvio involuntário de braço de Layvin Kurzawa numa testada do "azzurro" Daniele DeRossi.

O Calcio, aliás, foi o pioneiro na utilização do VAR em um campeonato de pontos corridos, já na sua Série A, na “stagione” de 2017/18, antes mesmo da FIFA, que apenas formalizou o procedimento na Copa da Rússia, em 2018. E, de acordo com um protocolo rigoroso. A interferência mínima, com um benefício máximo, exclusivamente em quatro situações: 1) a validação ou não de tentos, 2) as marcações ou não de penalidades máximas, 3) a expulsão com cartão vermelho direto (não se revisa uma exclusão pelo segundo cartão amarelo), 4) um erro de identidade na aplicação de uma sanção. Importante: em todas essas situações o assistente de vídeo somente pode agir depois de o árbitro de campo tomar a sua decisão. Ou sugere uma conferência na lateral, ou permite que a peleja prossiga. Daí, só lhe cabe intervir no caso limite de um incidente grave não ter sido observado normalmente pelo mediador.

Todas as principais federações da Europa já adotaram o VAR e são escassas, lá, as confusões e as polêmicas. Com certeza, claro, por causa da tradição de qualidade do apito no Velho Continente. Aqui, no Brasil, narradores de TV e comentaristas da Mídia em geral não economizam brados de guerra contra a novidade. Têm razão, quando se trata do tempo consumido por um árbitro diante do aparelho que lhe reproduz as imagens no tal abrigo da lateral – o absurdo de 46% mais do que o recomendado pela FIFA. Esse, porém, não é, perdão, um problema do VAR, e sim de quem não sabe como dominar a sua insegurança pessoal. Ironicamente, a propósito, recente pesquisa organizada pelos colegas do UOL indicou que, numa amostra de 100 atletas da Série A do recente Campeonato Brasileiro, 64 foram favoráveis ao VAR.

Embora eu apóie o conceito do árbitro de vídeo desde as discussões de 2013, confesso que me surpreendi com tanto volume positivo. Collina, que é o Chairman do comitê da FIFA que administra as coisas do apito no planeta, admite a necessidade de mais intercâmbio, de mais treinamentos, de mais transparência e, principalmente, a consolidação de um atordoante segmento das regras do Futebol, aquele que se destina a definir, de uma vez por todas, a questão da mão ou do braço, na bola, dentro da área. Precisamente o tipo de situação que mais embaça o VAR no Brasil. No seu encontro de 2020, o 134º da história, programado para Março, o International Board deverá corrigir a imensidão de bobagens que se cometeram, nesse quesito, em 2019.

Um exemplo precioso advém do duelo entre Corinthians X Grêmio, 0 X 0, no dia 11 de Maio, quando Marcelo de Lima Henrique determinou uma penalidade máxima em um suposto toque de Fagner num tiro de Everton Cebolinha e, depois de quase cinco minutos de investigações, concluiu que se equivocara. No passado, qualquer criança entendia a diferença entre bola-na-mão e mão-na-bola. Era muito mais fácil um árbitro errar do que um torcedor perceber o engano. Hoje, com os meandros produzidos pela FIFA, as suas insistentes e até irritantes mudanças de orientação, graças ao VAR ficou mais fácil o árbitro acertar do que o torcedor compreender o que houve. E não se trata apenas de decidir se ocorreu ou não a “Mano de Diós” de Diego Maradona contra a Inglaterra naqueles 2 X 0 da seleção da Argentina sobre a Inglaterra na Copa do México que os platinos abiscoitaram em 1986.

De acordo com a somatória das sugestões que já recebeu, o International Board, em Março, deverá cristalizar, de vez, a nefanda questão. No caso do atacante que perpetre um gol, ou que dele participe, voluntário ou involuntário o toque cancelará o lance. E, no caso do defensor, o IFAB quer simplificar mais ainda as condicionantes. Nada de penal quando: 1) o braço estiver colado ou próximo do corpo e a sua eventual movimentação for reflexiva; 2) ainda que o braço esteja afastado do corpo, a pelota, antes do toque, resvalar no piso, num adversário ou numa outra parte do atleta, pé, perna, torso, cabeça; 3) o jogador cair ao chão, de costas ou mesmo de flanco para a direção de proveniência da bola, e a pelota se chocar com o braço de apoio. Três situações que, talvez, convenhamos, nem exigissem o VAR.
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