A Natação se bronzeia, e a Esgrima e o Hipismo conquistam a prata
Daniel acumula outra medalha, numa chegada espetacular. E ainda ajuda no terceiro lugar do 4 X 50 Misto. Jovane, na Espada, e Riskalla, no Adestramento, mais dois astros que sobem ao pódio.
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Quatro medalhas logo no dia da abertura dos Jogos de Tóquio/2020, a XVI Paralimpíada, aquela que a Covid-19 empurrou para 2021. Enquanto o Atletismo, o líder absoluto em lauréis na História do Brasil na competição, espera que as suas ações principiem em 27 de Agosto, a Natação continua a plantar os pódios na lavoura do País. Na véspera da abertura do evento, Mizael Conrado de Oliveira, o presidente do CPB, o Comitê Paralímpico do Brasil, havia observado que um de seus desafios seria preservar o ritmo e a tradição de superar a cada nova edição o número de pódios, e se possível, o volume de medalhas de ouro. Em Londres/2012, foram 43 medalhas, 21 de ouro, 14 de prata e 8 de bronze. No Rio, embora menos vezes o ouro, apenas 14, o Brasil arrematou 72, com 29 de prata e 29 de bronze.

No total, até Tóquio/2020, tinha acumulado 301, com 87 de ouro, 112 de prata e 102 de bronze. Já nas contendas do dia 25 a brava gente da Natação fermentou a coleção e abiscoitou quatro: um ouro, uma prata, duas de bronze. E o dia 26, quinta-feira, de que maneira transcorreria? Pela quantidade de finais à disposição, a massa não cresceria com a mesma intensidade. Por exemplo, no Ciclismo de Pista, qualquer chance que existisse, talvez até de bronze, para Carlos Alberto Gomes Soares, de Anápolis/GO, 26 anos, na prova dos 3.000m de Perseguição Individual, o emparceiramento da fase de qualificação soterrou: coube a ele duelar com Mikhail Astashov, do Comitê Russo, um recordista mundial que o despachou com 51” de folga. E sobraria para a natação a missão áspera de subir ao pódio.

DANIEL DIAS
S5 – 100m Livre
O carioca André Brasil, 14 medalhas (7-5-2), a segundo maior colecionador de pódios da Natação Paralímpica do País, não pôde ampliar o seu butim, em Tóquio/2020, por causa de uma tecnicalidade vil. Na luta desde o evento de Pequim, em 2008, só muito recentemente os analistas do Comitê Paralímpico Internacional, ou CPI, consideraram que o fato de ele ter uma perna “apenas” 5cm mais curta que a outra não o caracterizaria como deficiente. Daniel Dias foi prejudicado ao avesso. Um cavalheiro, ele não se lastima publicamente. Mas, na intimidade, não camufla a sua indignação pelo modo com que a CPI protegeu vários dos seus rivais. Particularmente os quatro que batalhariam com ele pelo ouro dos 100m Livre.

Daniel ficou na categoria S5 enquanto o ibérico Antoni Ponce Betrán, o italiano Francesco Bocciardo e ainda os chineses Lichao Wang e Tao Zheng, tiveram o conforto de descer da S6. Detentor do recorde da prova, 1’08”39, desde os Jogos de Londres, em 2012, nas eliminatórias, tranqüilo, solto, ele cravou 1’13”02, atrás de Yuan Weiyi (1’12”66), porém adiante de Ponce Bertrán (1’13”33), de Bocciardo (1’13”96) e de Zheng (1’13”83). Nascido com um braço direito que não chega ao cotovelo, e o esquerdo ainda mais curto, a perna direita que não chega ao joelho, o bronze dos 200m Livre significou a sua 25ª medalha. E Daniel bisaria o bronze nos 100m, 26ª, espetacularmente. Virou os 50m em quinto, se recuperou e nos milímetros derradeiros, tempo de 1’10”80, por sete centésimos bateu na placa antes de Zheng. Aliás, não fossem curtos os seus membros superiores, teria ganho a prata de Lichao Wang, outro chinês, 1’10”45. Bocciardo levou o ouro, 1’9”56.

JOANA MARIA NEVES EUZEBIO
S5 – 100m Livre
Com 1m36 a Joaninha, potiguar de Natal, de 34 de idade, dona de um bronze em Londres, duas medalhas de prata e outro bronze no Rio, nasceu portadora de uma mutação genética, a acondroplastia, ou nanismo, condição de raiz ainda inexplicável. Depois de marcar 1’27”36 na etapa de classificação, pareceu praticamente impossível que ela tirasse o ouro ou a prata da britânica Tully Tierney ou da chinesa Li Zhang, capazes de um tempo abaixo de 1’20”. De todo modo, personagem esfuziante, também chamada de “Peixinha”, noutras jornadas já fizera milagres. Nesta, 1’27”62, oitavo lugar, ficou a 13”23 de Tierney.

TALISSON GLOCK
SM6 – 200m Medley
Um tempo melhor do que seu índice de entrada, 2’49”44 para 2’51”01, mas só o quinto da etapa de classificação. Nada que afetasse esse catarinense de Joinville, 26 anos, que aos nove perdeu todo o seu braço esquerdo e parte da perna do mesmo lado, abaixo do joelho, numa trombada com um trem quando era um gurizinho de nove. Talisson inclusive costuma dizer que nunca lhe fizeram falta e que a Natação, logo adotada seis meses depois do infortúnio, o compensa de qualquer trauma. No Rio, abocanhou uma prata e um bronze. E mais do que o Medley ele aposta no seu estilo de Costas. De todo modo, embora distante das marcas do colombiano Corzo Crispin, 2’43”07, e do russo Andrei Granichka, 2’45”98, tinha esperanças de um bronze. Fechou os quatro estilos em 2’45”17, um quinto lugar, 3”88 atrás do terceiro posto. Corzo Crispín, 2’38”12, confirmou ser imbatível.

MATHEUS RHEINE
S11 – 400m Livre
A dimensão desta prova, oito piscinas, e a peculiaridade de os seus disputantes serem deficientes visuais, torna os tempos de qualificação em meras referências. Até porque os principais concorrentes se poupam dos esforços além de indispensáveis. Catarinense de Brusque, 28 de idade, Matheus já nasceu praticamente sem enxergar e, por isso, depressa se adaptou ao aprimoramento dos outros quatro sentidos. Depois dos 400, ainda vai participar dos 50 na sua categoria. Nesta mesma prova foi bronze no Rio. E agora, para escalar o pódio, em relação às eliminatórias, precisaria melhorar a sua primeira parte. Não conseguiu. Na verdade, aprimorou, bastante, a sua segunda metade. Tinha 4’52”48 e passou ao tempo cabalístico de 4’44”44. O novo recorde pessoal de toda a sua carreira.

REVEZAMENTO 4 X 50
Misto, 20 Pontos
Os 20 pontos se referem à soma dos valores que o Comitê de Avaliação define as categorias dos atletas. Deficientes físicos vão de 1 até 10, e quanto menor o número, menor a sua funcionalidade. Os deficientes visuais vão de 11 até 13. Aos deficientes intelectuais se designa o 14. Caso um time escale um competidor de grau 10, ou com um menor comprometimento, terá de fazer a devida compensação e escolher os outros dentre aqueles com mais implicações. Outro fator crucial é a ordem com que os atletas exercem o revezamento. Um time pode começar com um 10 e daí disparar à frente de outro que principiou com um 3. Pode iniciar com duas mulheres e deixar os dois homens para o desfecho. Claro, porém, no fim das contas, vale a média. Estrategicamente, o Brasil reservou para a decisão Daniel Dias e Tallison Glock, além das habituais Patrícia dos Santos e Joaninha Neves. O último a entrar da piscina, Tallison recebeu em quinto lugar mas conseguiu bater na placa incríveis sete centésimos à frente da Ucrânia.

Embora a minha pauta para este texto me tenha centrado na Natação, imperdoável eu não destacar as participações mágicas de atletas de outras modalidades, a Esgrima e o Hipismo. No caso da Espada para Cadeirantes, o gaúcho Jovane Gussone, 38 de idade, suplantou sete adversários em série e atingiu a disputa do ouro diante de Alexander Kuzyukov, do Comitê Olímpico da Rússia. Dono de uma barbearia em Esteio/RS, Jovane se tornou paraplégico ao reagir a um assalto na barbearia que mantém com Queli, a sua esposa. Infelizmente perdeu de 8-15, mas ficou com a prata, a sexta medalha do Brasil nestes Jogos. Na prova do Adestramento, com o charmoso cavalo Don Henrico, o paulistano Rodolpho Riskalla, 36 de idade, compelido aos 29 a amputar as duas pernas abaixo dos joelhos, além de uma das mãos, como conseqüência de uma meningite infecciosa, chegou a liderar a sua competição até quase o final mas abiscoitou com garbo uma prata preciosa.

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