“Vivia comendo pão com banana. Tomar soco não é nada para mim. Pior era a fome que passei.” Morre Maguila, o maior peso pesado do Brasil
Morreu hoje, aos 66 anos, o sergipano Adilson Maguila Rodrigues. Ele estava doente há anos por encefalopatia traumática crônica, mais conhecida como demência pugilística. Causada pelos milhares de socos que recebeu. Doente há 13 anos, passou os últimos anos internado
Cosme Rímoli|Do R7
O ano era 1988, outubro.
Ele vinha de uma vitória fulminante, diante do norte-americano Mark Lee, por nocaute.
Aos dois minutos e 34 segundos de luta.
O combate foi em Las Vegas, nos Estados Unidos.
Eu estava no Jornal da Tarde e em uma entrevista exclusiva, ele confessou.
“Foi fácil demais. Os meus sparrings são mais duros do que esse americano.”
O sergipano Adilson Maguila Rodrigues era assim, simples, direto e, muitas vezes, ingênuo.
Vivia o seu auge, sonhando com uma luta que quase aconteceu, com Mike Tyson.
E mobilizava o Brasil.
Maguila tinha muito orgulho da reviravolta que conseguiu na sua vida graças ao boxe.
Acompanhar suas lutas virou até dever profissional.
E tive a chance estar em alguns momentos de sua carreira, até o fatídico confronto com Evander Holyfield.
Por ter começado tarde demais no boxe profissional, com 22 anos, faltavam fundamentos básicos.
O mais gritante: tinha dificuldades sérias em se defender.
A guarda, posição dos dois braços erguidos protegendo o queixo, era lenta, vulnerável demais.
Maguila apanhou muito, tomou socos em demasia.
Não só cruzados, mas diretos violentíssimos de outros pesos pesados.
Era muito rápido e irônico nas respostas.
Perguntei sobre os socos que levava.
“Vivia comendo pão com banana.
“Tomar soco não é nada para mim.
“Pior era a fome que passei.”
Sua vida e carreira serão relembradas pelos veículos de comunicação do Brasil, hoje, dia de sua morte.
Sem estudo, muito pobre, era faxineiro em Sergipe.
Aos 12 anos, veio para São Paulo, com seu irmão Maurício.
Aceitaram o trabalho de assistente de pedreiro.
Sofreram demais com o frio do inverno paulista.
Não tinham onde morar, chegaram a viver em uma boleia de caminhão, comiam mal.
Pão com banana era refeição constante.
Mas sua genética era de um homem muito grande, forte.
Amigos de construção o achavam parecido com um personagem de desenho animado, da Hanna-Barbera.
Era um macaco, ‘Maguila, o Gorila’.
Trabalhando como pedreiro e segurança de boate, adorava treinar boxe.
Na infância, na pequena tevê preto e branco, que havia na sua casa se encantou com Éder Jofre e Muhammad Ali.
Seu direto de direita era fortíssimo.
Se ofereceu em várias academias de boxe.
Ralph Zumbano, tio de Èder Jofre o aceitou.
E o preparou por dois anos para que lutasse no torneio ‘Forja de Campeões’.
Queria que começasse chamando atenção pelos nocautes e foi o que aconteceu.
Sua carreira foi fulminante.
Campeão brasileiro em 1983.
Mesmo ano no qual o lendário narrador Luciano do Valle e o empresário Quico Leal decidiram criar a Luqui, uma empresa de eventos esportivos.
Luciano tratou de fazer uma réplica lucrativa do que viu nos Estados Unidos.
Percebeu que, se a Globo e a Record dividiam o futebol, a TV Bandeirantes transmitiria os outros esportes.
E criou Show do Esporte, com programação esportiva de cerca de dez horas, aos domingos.
Maguila se tornou uma grande atração.
Com o auxílio de empresários ligados aos bastidores do boxe, a Luqui buscava adversários fáceis para o brasileiro consolidar sua carreira.
Algo muito comum nos Estados Unidos.
E com uma frequência impressionante.
Teve 14 vitórias seguidas, ficando entre 1983 e 1985 invicto.
Quando perdeu, a direção de sua patrocinadora, a Olivetti, tirou Ralph Zumbano e colocou o ex-campeão mundial, Miguel de Oliveira, como seu treinador.
Os métodos de Zumbano, como socar pneus, era visto como ultrapassado.
Miguel modernizou o treinamento com foco nas combinações, tentou melhorar sua defesa.
E também focou no fôlego, na fisioterapia para recuperação.
A Luqui sabia como vender a imagem de Maguila, facilitando as entrevistas com o lutador.
Maguila era carismático e sabia tirar vantagem do que acontecia.
“Todo mundo quer falar comigo, tirar fotos. Não pago conta em restaurante. Ganho bem para fazer o que gosto, que é lutar. Minha vida está uma maravilha. Eu quero pegar o Tyson. Vou ser campeão do mundo”, dizia, convicto.
Virou uma obsessão nacional ver Maguila lutar o norte-americano.
Campeão sul-americano, os confrontos fáceis, alguns bem difíceis, e seu indiscutível talento, o levaram aos primeiros lugares do ranking.
Só que as lutas, que davam audiência excepcional para a Bandeirantes, aconteciam em intervalos cada vez menores.
Mas sempre sofrendo muito, por conta de sua frágil defesa, recebia socos demais nos confrontos, que ficavam mais difíceis.
Luciano do Valle foi aconselhado que Maguila deveria ter o ‘melhor treinador’ e a Luqui contratou Angelo Dundee.
Ele havia treinado Muhammad Ali e Sugar Ray Leonard, duas lendas mundiais.
Aos 69 anos, o norte-americano tinha sabia que o brasileiro iria enfrentar Evander Holyfield.
Maguila vinha de 18 combates vitoriosos, a esmagadora, adversários fracos.
O plano de Dundee era simples.
Ele sabia que Hollyfield era muito mais atlético, mais resistente.
E orientou Maguila para ‘ir para cima’ do norte-americano.
O brasileiro ganhou o primeiro round.
Ficou mais confiante.
Só que Holyfield mostrou todo seu potencial no segundo round, com um nocaute fulminante.
Voltou para o Brasil e enfrentou o argentino, com dificuldades, o argentino Walter Masseroni.
Manteve o título sul-americano.
Luciano do Valle percebendo que Maguila não poderia atingir o sonho de lutar contra Tyson, e já entrava em decadência, decidiu que ele iria encerrar a carreira.
O lutador se negou.
E acabou a parceria.
Maguila ainda conseguiu fazer uma luta importantíssima.
Contra George Foreman.
Foi nocauteado também no segundo round, em junho de 1990.
A partir daí, enfrentou lutadores de segunda linha.
Foi campeão mundial pela Federação Mundial de Boxe, uma entre tantas existentes, que não são consideradas no cenário internacional.
Ficou mais dez anos como boxeador profissional.
17 anos para um lutador é tempo exagerado.
Foram 77 vitórias, sete derrotas e um empate.
61 nocautes.
Longe do boxe foi ‘comentarista’ de Economia no SBT.
Tentou se lançar como cantor e, depois, político.
Fracassou.
Foi se tornando cada vez mais agressivo em casa.
Passou a ficar desorientado nas ruas.
E acabou, em 2013, diagnosticado com demência pugilística.
Doença neurodegenerativa.
Por conta dos milhares de socos que recebeu.
Eles afetaram seu cérebro.
Passou a viver internado em clínicas de reabilitação.
Ciente do que vivia, concordou em doar seu cérebro para estudos, quando morresse.
A USP vai pesquisar o efeito da demência pugilística.
Esse dia chegou.
Maguila morreu hoje, dia 24 de outubro de 2024.
O Brasil perdeu hoje seu maior peso pesado deste país.
Um sergipano que não aceitou a miséria.
Derrotou a fome e fez história...
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