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Cosme Rímoli - Blogs
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'Tenho medo que o ódio da eleição para presidente atinja a seleção na Copa. A metade que perder torcerá contra.' Silvio Luiz

Aos 88 anos, o histórico narrador consegue fazer excelente leitura sobre o momento do futebol brasileiro e seu ambiente pesado. São 70 anos de carreira. E segue ativo. 'Só vou parar quando morrer'

Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli


Silvio Luiz. 88 anos. 'Narrar é a minha vida. Só vou parar quando morrer'
Silvio Luiz. 88 anos. 'Narrar é a minha vida. Só vou parar quando morrer'

São Paulo, Brasil

"Eu tenho muito medo de que o clima de ódio da eleição atinja a seleção na Copa.

"Por quê? Pela primeira vez a Copa acontecerá depois da eleição.

"O Brasil está rachado na briga pela Presidência.

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"Não interessa quem vai ganhar, a reação de quem perder vai atingir diretamente o time de Tite.

"A metade que perder torcerá contra.

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"Será muito difícil para os jogadores e para o técnico trabalhar com tanto rancor. 

"Metade do país não vai querer que o Brasil ganhe a Copa. Nunca pensei em viver isso! As pessoas ainda não se tocaram. Deixe passar a eleição e chegar o ressentimento para a metade que perder...

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"Eu lamento, mas o ódio chegou ao futebol.

"Faltam menos de quatro meses para a Copa do Mundo começar. Já era para a televisão estar lotada de publicidade dos jogadores do time do Tite. As ruas pintadas, as pessoas falando sobre o grupo que o Brasil caiu. Mas ninguém não está nem aí. Conseguiram tirar o encanto da seleção. 

"Outro lado muito importante. A seleção está distante como nunca do povo brasileiro. Por conta da CBF. Ela vendeu os amistosos para uma empresa que faz com que o Brasil só jogue na Europa, na África, na Ásia, nos Estados Unidos. Era preciso jogar aqui. Criar uma identidade, aliança com a população. 

'Pelé foi bem diferente de Neymar. Ele nunca exigiu privilégios. E foi o melhor de todos os tempos.' Silvio Luiz
'Pelé foi bem diferente de Neymar. Ele nunca exigiu privilégios. E foi o melhor de todos os tempos.' Silvio Luiz

"Além disso, a CBF não se preocupa em relação à elitização dos estádios. Não tem lugar para pobre nos jogos do Brasil. Cobram 300 paus [R$ 300 reais] pelo ingresso, nos raros jogos que acontecem por aqui.

"O sujeito que já enfrenta toda a dificuldade para sobreviver não vai tirar 300 paus de comida da sua família para ver esta seleção. Só vão os ricos, que são minoria da minoria. E aí chega a Copa e querem festa? Não vai ter. Só não vê quem não quer.

"Vou dar um exemplo. Amo futebol. Assisto todas as partidas que posso. Como, tenho a certeza, todos que trabalham com futebol fazem. Mas, se para mim é difícil saber, conhecer todos os jogadores da seleção, imagino para o torcedor comum.

"Vou tentar explicar. E citando um ótimo jogador. Mas quem reconheceria o Bruno Guimarães nas ruas hoje? Ele foi para a Europa muito cedo, está em um dos grandes na Inglaterra [Tottenham]. Vai para a Copa. Mas, tirando o pessoal do Paraná [passou pelo Athletico], quem é que se identifica, torce por ele? Como o Bruno Guimarães, há muitos outros. A seleção deixou de ser do Brasil.

"A diferença entre o Neymar e o Pelé é gritante. O maior jogador de todos os tempos tinha educação, consideração pelas pessoas. Inclusive por jornalistas que o criticavam. O relacionamento era humano, próximo. Não distante como hoje, com milhões de assessores de imprensa, agentes, empresários, que distanciam os jogadores. Esses assessores não percebem que criam um clima ruim para todos os lados. 

"O Neymar acredita que, pelas redes sociais e pelos amigos, que leva para cima e para baixo, não precisa de ninguém. Pelo dinheiro que ele tem, pelo mundo até que o pai criou ao seu redor, Neymar não se dobra a técnico nenhum. Na seleção, por exemplo, faz o que quer. E não faz o seu talento render para o time. Rende para ele. 

"O Neymar poderia ser o melhor do mundo se tivesse outra formação, outra educação. Não pensasse apenas nele mesmo. Ou você, Cosme, não acha que os outros companheiros da seleção e do PSG não ficam revoltados com as mordomias que ele exige? Podem sorrir, brincar, mas no fundo ninguém gosta de uma pessoa ser privilegiada em um time de futebol. Em um grupo, em ambiente de trabalho. 

Na década de 80, Silvio Luiz comandou o Clube dos Esportistas. 'Hoje seria impossível'
Na década de 80, Silvio Luiz comandou o Clube dos Esportistas. 'Hoje seria impossível'

"O Pelé sempre foi tratado na seleção e no Santos como mais um. Foi bem diferente do Neymar. Não exigia privilégios. Porque sabia da importância dos companheiros.

"Por quatro anos tive um programa na Record, às segundas-feiras, na década de 80. Chamava-se Clube dos Esportistas. Vinham jogadores de todos os clubes. Os mais importantes. Eles sentavam, conversavam, riam. Falavam de tudo, de futebol, dos jogos de domingo, da vida. Se expunham, não tinham frescura. Mostravam personalidade. O Pelé aparecia sem ser convidado. Foi marcante. Era ao vivo.

"Hoje, o Clube dos Esportistas seria impossível de existir. Porque os assessores não deixariam os jogadores ir, falar, se posicionarem. Tudo ficou distante, frio. Foi perdida a espontaneidade. Hoje tudo é falso, calculado.

"A Globo decidiu fazer uma mudança profunda no seu futebol. Daquela equipe tradicional, só o Arnaldo César Coelho saiu porque quis.

"O Casagrande foi dispensado porque misturava futebol e política. O comentarista de futebol pode falar sobre política. Mas, quando ele fala mais de política do que futebol, deixa claro o lado político que está, seja ele qual for, está errado. Ele estava falando mais de política do que futebol na Globo. Ele que virasse comentarista político e estaria tudo certo.

"Quanto ao Galvão Bueno... A idade chega para todos. Mas ele vai seguir trabalhando em streaming, na internet. O bom é que ele já está rico há muito tempo. Com todo o mérito, porque sempre trabalhou muito.

"Gosto do Cléber Machado, do Luis Roberto. São excelentes narradores. A Globo vai seguir firme no futebol sem o Galvão, sem o Casagrande. Tudo passa nessa vida. O novo sempre vem. Há mulheres comentando, transmitindo futebol. É um novo tempo.

'Casagrande passou a falar mais de política do que de futebol.' Silvio Luiz
'Casagrande passou a falar mais de política do que de futebol.' Silvio Luiz

"Vivemos nos tempos do 'politicamente correto', que é uma loucura. É preciso o máximo de cuidado com o que a gente vai dizer ou escrever. Pode ser crucificado por uma brincadeira mal-entendida. Eu tomo o máximo cuidado. Não adianta ficar falando que é um exagero absurdo. As coisas são como são. Aprendi isso muito rápido na minha vida.

"Criei meus bordões, 'olho no lance', 'pelas barbas do profeta', 'pelo amor dos meus filhinhos', e tantos outros, de acordo com a aceitação dos meus chefes e da reação do público. Na televisão, sempre me recusei a gritar gol. Porque quem está assistindo sabe que foi gol.

"Sou um legendador de futebol. O homem que traduz o que está acontecendo. Se o jogo tivesse diálogo, eu seria o responsável pelas legendas. Se elas são engraçadas, têm ironia, melhor.

"Quando comecei na TV, eram só duas câmeras. Não havia nem condições de mostrar o replay do gol. Hoje são 35... Ficou tudo muito mais fácil para quem transmite. Só que, se não colocar emoção verdadeira, mas com base profissional, com responsabilidade sobre o que vai falar, ter conhecimento do esporte, dos times, de nada adianta toda essa modernidade.

"Tenho 70 anos de carreira, comprovados nas minhas carteiras de trabalho. O futebol sempre mexeu comigo, mas nunca me fez chorar. Sempre consegui distanciar as coisas. Por mais que seja uma pessoa emotiva, na hora do trabalho, acabo sendo muito profissional. 

"Vou dar um exemplo. Sabe quem foi que perdeu, de verdade, a Copa de 82? Foi a Globo. O time do Falcão, Sócrates, Zico, do Telê era muito forte. E até hoje é lembrado no mundo todo. Mas o drama foi enorme no Brasil por conta da Globo, que já tinha armado uma enorme festa para a final da Copa do Mundo, em Madrid. Iria levar escola de samba, mulheres sambistas, colocar faixas gigantes exaltando a emissora. Ela tinha a exclusividade do Mundial. Nós estávamos lá transmitindo pelo rádio.

"Quando o Brasil perdeu para a Itália, olhei para o meu lado, o Flávio Prado estava chorando. Eu falei: 'Está chorando por quê? Quem tem de chorar é a Globo'. Eles iriam faturar ao máximo com a seleção. Com patrocinadores pagando mais. Dominando ainda mais o futebol, como sempre fizeram. Foi assim até agora, quando esse privilégio acabou. E outros veículos também passaram a transmitir. O futebol brasileiro nunca foi da Globo. Apesar de ela pensar e agir como se fosse.

"Tenho 88 anos, mas não penso em parar. Faço exercícios vocais com fonoaudiólogas, acompanho de perto o futebol. Transmiti o Paulista de 2022 para a Record, para o R7. Se tudo der certo, quero transmitir o de 2023. Sou contratado da Rede TV!. Gosto, preciso dessa energia do trabalho.

"Com 12 anos, eu acompanhava a minha mãe [Elizabeth Darcy], que acho que foi a primeira locutora das rádios. Ela transmitia propagandas. Esse mundo das transmissões me pegou para valer. Soube o que iria fazer o resto da minha vida.

Silvio Luiz narrando o Campeonato Paulista de 2022 pelo R7
Silvio Luiz narrando o Campeonato Paulista de 2022 pelo R7

"E tive muita sorte em ter uma grande companheira, a dona Marcia [Marcia Elizabeth Barbosa Machado de Souza, cantora importante da música popular brasileira], e nossos três filhos. Ela não só entendeu, como me apoiou e me apoia até hoje no meu trabalho. A família estruturada é fundamental para um homem.

"Não vou parar, me aposentar, porque o trabalho é fundamental para a minha vida.

"Narrar é minha vida.

"Só vou parar quando morrer."

Depoimento de Silvio Luiz Peres Machado de Souza...

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