"Temos de jogar contra os grandes europeus. Para ganhar a Copa." Cafu
A CBF desperdiçou um símbolo de retidão. Cafu é um dos embaixadores do Qatar na Copa de 2022. Mas segue representando o amor à Seleção
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
Porto Alegre, Brasil
Cafu.
Último brasileiro a levantar o troféu de campeão do mundo.
No Japão, há 17 anos.
Além da supremacia de uma geração excelente, com Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Marcos, ao levantar a taça em 2002, o lateral fez questão de homenagear a esposa Regina.
O jogador que mais vestiu a camisa da Seleção, 149 vezes, não se esqueceu do periférico, pobre bairro onde nasceu. Escreveu "100% Jardim Irene" na camiseta brasileira, que acabava de conquistar o pentacampeonato mundial.
Ele já sonhava em dividir com as crianças sem oportunidade nas favelas do Jardim Irene o que o futebol proporcionou.
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E criou a Fundação Cafu, projeto social que abriga 950 crianças, as alimentando, proporcionando estudo profissionalizante.
Aos 49 anos, o jogador seguiu uma vida reta, exemplo de caráter.
Fugiu da política, não quis trabalhar como empresário, treinador.
Estava pronto para levar a sua experiência vitoriosa e sua trajetória à uma seleção. Ser o escudo do treinador, do time, do país.
E é o que fará até 2022.
O presidente da CBF, Rogério Caboclo, o queria, mas hesitou.
Cafu será embaixador do Qatar.
Postura que assume profissionalmente, viajará o mundo nos próximos três anos. Assim como o espanhol Xavi, o camaronês Eto'o e o tenista qatariano Al Kuwari.
Assumiu esse compromisso porque precisa de um rendimento profissional. Não só para ele mas para a Fundação Cafu. Com a recessão e a cobrança exorbitante de impostos, ele se vê sem saída. A não ser fechar seu instituto e abrir um outro com muito menor capacidade de auxílio a crianças carentes.
Em entrevista exclusiva sincera, ele fala desses assuntos e também lembra que é ótimo ter Neymar. Mas o Brasil está descobrindo que pode jogar sem ele, como jogou sem Ronaldo, sem outros talentos. Ninguém é insubstituível.
Lamenta não ter tido uma partida de despedida.
Do São Paulo, do Palmeiras, do Milan.
E que depois da Copa de 2022 estará à disposição, por exemplo da CBF, para levar sua aura de seriedade, comprometimento, nacionalismo.
Basta chamar.
Algo que não fizeram nestes 11 anos que encerrou a carreira.
Ao contrário do Qatar, que soube valorizá-lo.
A história dos atrasos de pagamento na Fundação Cafu é verdadeira?
Sim. É verdadeira e está sendo solucionada. E da pior maneira. A recessão e a legislação brasileira travaram a fundação. Não há dinheiro. Não sou mais jogador de futebol, eu também não tenho para bancar um instituto para 950 crianças carentes da periferia.
Sou realista. Depois de 15 anos de fundação, vou ter de fechar. E abrir um outro para muito menos crianças. Porque o resto da minha vida retribuirei para crianças carentes o que o futebol me deu: oportunidade.
A minha esperança é um encontro que devo ter ainda nesta Copa América com o presidente Bolsonaro. Vou explicar a situação dos institutos sérios deste país. A Fundação Gol de Letra do Raí e do Leonardo também está com dificuldade.
O governo pode ser mais participativo e ajudar projetos sérios para a comunidade carente. O reflexo é ótimo para o país.
Cafu, você representa a vitória, a seriedade, a superação no futebol. É respeitado mundialmente. Por que a CBF não o chamou para trabalhar na Seleção? Ser um escudo do Tite? A ligação entre ele e os jogadores?
Não sei. Estas perguntas não são para mim. A minha ligação com a Seleção Brasileira será eterna e sempre o que puder fazer para ajudar, vou fazer.
Mas agora estou envolvido em um projeto muito sério que é ser embaixador da Copa do Mundo do Qatar. O trabalho que estão desenvolvendo me encantou. O futebol servirá para apresentar o país ao mundo.
A Copa do Mundo, os estádios, as instalações. Tudo será fantástico. O mundo vai se surpreender.
O trabalho no futebol é muito criterioso. O país não venceu a Copa da Ásia por acaso. O time de 2022 será competitivo. Lógico que não para ganhar o Mundial, mas fará uma Copa digna, surpreendente. Pode apostar.
E eu também gosto da filosofia. O trabalho sério nas categorias de base para a formação do jogador é de Primeiro Mundo.
E sigo pelo caminho dos responsáveis pelo futebol. A naturalização de jogadores é quase nula, agora. Os jovens com talentos vão para uma academia construída para desenvolver o potencial dos meninos.
(Ela se chama Aspire. É mantida pelo governo. E de lá eles voltam para seus clubes, melhores. Lá ganham experiência para jogar pela seleção.)
Estou impressionado pela seriedade do projeto.
E a Seleção, Cafu? Você acreita que vença a Copa América?
Tenho certeza que sim, o time é forte, coletivo. E terá o apoio da torcida daqui para a frente. As vaias aconteceram porque o time não estava jogando bem. Agora se encontrou.
O Brasil sempre foi campeão do mundo com três, quatro ou cinco grandes jogadores. Desta vez, só temos o Neymar. Há como vencer uma Copa do Mundo só com ele? Como único jogaor diferenciado?
O problema é a geração. Realmente, ele é o grande jogador desta geração. O que se tem de fazer é adaptar o time para atuar em conjunto. Atuar de maneira coletiva.
Usar o Neymar a favor do time. Não ficar dependente dele. Há outros jogadores muito bons que juntos podem formar uma grande equipe, que é o que o Tite está buscando.
Ninguém queria o Neymar fora da Copa América. Mas é o que aconteceu. E o resultado está aí. Está sendo formada uma equipe muito forte.
É maravilhoso ter o Neymar, um dos melhores do mundo.
Mas há vida na Seleção sem ele.
Nós tivemos de jogar e ganhar sem o Ronaldo, sem o Rivaldo, sem o Ronaldinho Gaúcho, sem o Garrincha, sem o Pelé. A Seleção está acima de todos os jogadores.
Por isso, a minha certeza.
O Brasil vai chegar forte na Copa de 2022.
Mas Cafu há um problema grave. A falta de intercâmbio com as seleções europeias. Os amistosos com equipes fracas asiática e africanas, marcados pela empresa que comprou os direitos dos jogos da CBF até 2022.
E há a Liga das Nações, torneio europeu. Eliminatórias da Eurocopa, Eurocopa. E Eliminatórias para a Copa. Eles não querem jogar com países sul-americanos.
Concordo plenamente. E esses jogos precisam acontecer. O Tite precisa desses confrontos com grandes times europeus até 2022. A CBF precisa agir. Esse passo é fundamental para a disputa da Copa do Mundo.
Insistir, não aceitar o 'não'. Buscar fórmulas para saber o que o Brasil vai enfrentar taticamente. Para não ser surpreendido como foi nas últimas Copas. (Desde 2006, são seleções da Europa que tiram o país da disputa do título: França, Holanda, Alemanha e Bélgica.)
Temos de jogar com os grandes europeus.
Para voltar a ganhar a Copa do Mundo.
A CBF precisa dar um jeito.
Cafu, nossos técnicos copiam o que enxergam nos times, nas seleções europeias. Não seria melhor para a Seleção trazer um estrangeiro de ponta? Guardiola, Kloop?
Eu sou muito nacionalista. Acredito no potencial dos treinadores daqui. Não consigo ver um técnico estrangeiro comandando a Seleção. Seja ele quem for. O cargo tem de ser de brasileiro. Os técnicos daqui têm ótimo potencial. O que atrapalha é o calendário. Há jogos demais. O atleta precisa da pré-temporada e os treinadores de tempo no início do ano para implantar seus esquemas táticos.
Joguei na Europa. Nós tínhamos 45 dias só para isso.
O que os treinadores brasileiros fazem é milagre com o nosso calendário.
Por isso tenho a certeza que eles são tão bons.
Por que um jogador tão importante quanto você não teve um jogo de despedida?
Também não sei. Nasci no São Paulo, mas como joguei no Palmeiras, não teve despedida. Na Europa, os atletas trocam de time. E fazem a despedida pela última equipe que atuou.
Mas não tem problema.
Tive uma carreira maravilhosa.
Isso é que conta...
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