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Cosme Rímoli - Blogs
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Silvio Luiz cumpriu a promessa que me fez. Só parou de trabalhar quando morreu

O narrador mais revolucionário deste país morreu hoje, aos 89 anos. Me havia prometido: só deixaria de trabalhar quando não o quisessem mais. Isso nunca aconteceu. Sua voz rouca, marcante, sua inteligência, irreverência foram fundamentais até sua partida

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Silvio Luiz revolucionou a narração esportiva do Brasil

“Só vou parar de trabalhar quando morrer.”

Silvio Luiz era direto.

Foi o que fez questão de me dizer várias vezes, quando eu ousava brincar sobre aposentadoria.

“O que vou ficar fazendo em casa?

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“Perturbando a minha mulher?

“Não paro. Só paro quando me pararem.”

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E isso, graças ao seu talento, nunca aconteceu.

Conheci e admirava Silvio Luiz há décadas.

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Ficava estarrecido quando ele passava receita de bolos, durante partidas chatas.

Quando usava de pura ironia para narrar futebol.

Ou ao se recusar ‘gritar gol’ como eu pensava ser obrigatório.

“Belo, as pessoas viram a bola entrar.

“Não sou óbvio. Nunca fui óbvio”, me repetiu, anos depois.

Chorei de rir com o Clube dos Esportistas.

Quem assistiu sabe o que estou relatando.

Tenho pena de quem acredita que foi Thiago Leifert quem levou a irreverência, acabou com as transmissões engessadas do futebol.

A revolução aconteceu pelo menos três décadas antes.

A ponto de a Globo sofrer sua mais marcante derrota no futebol em 1982.

A campanha da Rádio Record foi histórica.

“Veja o jogo na Globo sem som.

“Ouça Silvio Luiz na Rádio Record.”

A audiência da rádio estourou, para desespero da emissora carioca, dona dos direitos de transmissão.

Conheci Silvio Luiz em 2008, na TV Bandeirantes.

Eu tinha saído do Jornal da Tarde e fui chamado pelo diretor de Esportes, Carlos Gomes. Ele queria me transformar em repórter de televisão. Senti que não me adaptaria: resumir toda a emoção, estratégia de uma partida de futebol em um minuto e meio, não era para mim.

Estava ‘aprendendo’ até que encontrei nos corredores da emissora, José Luiz Datena. Nos dávamos bem quando ele cobria futebol, ainda na Globo. Ele me chamou para um programa que apresentava na Band Sports. Por Dentro da Bola.

Datena, Neto e Silvio Luiz.

Fui adotado como o jornalista que traria notícias exclusivas para o programa, que era uma loucura.

Com momentos surreais, discussões, abraços, beijos, palavrões, furos.

Uma loucura!

Foi ali que conheci toda a genialidade, versatilidade e, principalmente, a generosidade de Silvio.

“Cosme, você tem a notícia, mas fica aflito para falar. Diz devagar, tranquilo. A notícia é sua. Ninguém vai tomar.”

As nossas conversas ficaram mais longas e a proximidade aumentou quando Datena disse que estava cansado.

E não iria mais apresentar o programa.

Neto logo saiu em seguida.

Faltavam patrocinadores.

E Silvio Luiz prestou sua imagem para encontros com empresários com idade para serem seus netos.

Tudo em nome da sobrevivência.

Eu ia junto e ficava admirado com a postura, com a energia, com a gana de, na época, um septuagenário, que transparecia ser um garoto.

Ele era um lutador e conseguiu que o programa tivesse uma inesperada sobrevida.

Nunca vi um profissional amar tanto o que fazia.

Fomos almoçar algumas vezes.

As portas se abriam e éramos cobertos de reverências, carinho.

Executivos, políticos, artistas, viravam tietes.

Estávamos uma tarde no Spot, quando Debora Secco, se transformou em uma menina.

E, emocionada, foi na nossa mesa abraçar Silvio Luiz como se o conhecesse há anos e anos.

Em seguida, um garçom quis conversar e ele tratou os dois da mesma maneira, com enorme carinho.

“Luto por tantos anos por reconhecimento e vou ser mascarado? Não viro a cara para ninguém.”

Silvio adorava as redes sociais.

“É a modernidade, meu filho. Se você não se adaptar, fica para trás. Eu não vou ficar para trás, não. Querem minha opinião, vão ter. Porque se eu não falo, outros vão falar por mim.”

E, generoso, repostava o que eu postava no meu blog no UOL.

“Nem leio. Vejo que é seu. E reposto. Olha o que eu confio em você”, me dizia, jogando enorme responsabilidade nos ombros.

No dia que falei que iria sair do Por Dentro da Bola, contratado pelo R7, o abraço foi apertado, o desejo de ‘boa sorte’, mais que sincero.

Nunca paramos de trocar mensagens.

E para a minha alegria imensa, ele foi contratado para transmitir os jogos do Campeonato Paulista, pelo R7.

Ele narraria os jogos, com os comentários dos humoristas Carioca e Bola.

Antes, no intervalo e depois dos jogos, Zé Luiz, brilhante apresentador da 89 FM, Camila Juliotti e eu fazíamos a ‘parte séria’ da transmissão.

O reencontro foi especial, com direito a grande abraço, muitas risadas.

E o velho conselho.

“Dê a notícia com calma.”

Os jogos do Paulista foram mostrados pelo R7 a partir de 2022.

Fizemos por três anos.

Aos 89 anos, Silvio Luiz mostrava enorme vitalidade.

E alegria.

Quando a voz falhava, havia um truque que ninguém percebia.

Carioca, também um poço de generosidade, entrava em ação.

Seguia a transmissão imitando perfeitamente Silvio Luiz.

Logo o pigarro, a falha na voz passava.

E Silvio reassumia.

Ele fazia questão de dizer que estava sempre fazendo exames médicos.

Estava muito bem.

Brincava, provocava, elogiava a nossa equipe.

E, principalmente, ria muito com Carioca e Bola.

Até o dia 7 de abril.

Estávamos empolgados, era a final do Paulista.

Silvio dizia que estava um pouco resfriado.

Fez exercícios para a voz.

E começou a narrar a decisão entre Palmeiras e Santos.

Até que, no final do primeiro tempo, ele deu sinais que não conseguia mais falar.

Imediatamente foi levado para a enfermaria gigante que a RECORD tem.

De lá para o hospital Oswaldo Cruz.

Teve um imprevisível AVC.

O diagnóstico chocou a todos nós, da equipe de vídeo do R7.

Depois de 23 dias, o guerreiro Silvio saiu do hospital.

Foi para casa.

Mas teve de ser internado.

Lutou o quanto pôde.

Até que hoje nos deixou.

Uma perda irreparável.

Ninguém vai ocupar seu lugar, jamais.

Obrigado por tudo, Silvio Luiz...






Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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