Preconceito, assédio, perseguição. A luta de Regiani Ritter para ser jornalista esportiva. Se existe mulher no futebol é graças a ela
Aos 77 anos, Regiani deu entrevista reveladora. Mostra o quanto sofreu por ser a primeira repórter a cobrir futebol no Brasil. Jornalistas entravam nos vestiários com os jogadores tomando banho. Ela não se intimidou. E também ia trabalhar. Quebrou barreiras fundamentais
Aos 77 anos, ela representa a dignidade no jornalismo esportivo deste país. Sua resiliência, força, determinação para poder ter o direito de trabalhar com futebol foram impressionantes. Há 44 anos, recebeu a missão de ser repórter da rádio Gazeta, em São Paulo. Foi a primeira mulher a enfrentar, a sério, o desafio de cobrir futebol. “A cobertura do futebol era dos homens e ponto final. Eu falei para mim mesma: ‘Não, vou provar que uma mulher pode, sim, fazer o que ela quiser. E enfrentei uma luta duríssima’, relembra. Era uma época que o acesso ao vestiário, por parte dos repórteres, era permitida. As entrevistas com os jogadores pelados, tomando banho, eram mais do que comuns.
“Quando vi todos os meus colegas jornalistas entrando, entrei também. Foi um escândalo. Mas eu não deixaria a minha rádio em desvantagem. Foi um choque. A grande maioria dos atletas me respeitava. Porque deixei claro que não me importava com seus corpos nus. Queria trabalhar e olhava apenas para os rostos dos jogadores. E ia perguntando, ao vivo.”
Mas tudo não era um mar de rosas. Muito pelo contrário. Havia os sacanas.
Eu, Cosme, vi um jogador importante do Corinthians, que havia acabado de tomar banho no Pacaembu, tentar fazer graças aos companheiros. Ao ver Regiani se aproximando, fez questão de deixar a toalha cair, para mostrar seu corpo. “Lembro desse coitado. Olhei com desprezo e fui para cima dele com o microfone. Fiz uma longa entrevista. Enfrentei. Ele ficou sem graça. Nunca mais ele fez isso”, ri, irônica. Assédio sofreu de um atleta do Internacional, que ao vê-la no vestiário tratou de chamá-la, maliciosamente, para jantar. “Ironizei, mandei que fosse jantar com o seu time.”
Ela vestia a ‘armadura’, mas a pressão emocional era enorme. O preconceito era também dos colegas. Mas ela enfrentou um a um. Quando outro repórter, da própria rádio Gazeta, tentou ‘atropelá-la’. Falar com o destaque do jogo que era do time que Regiani cobria. Ela travou o microfone do ‘colega’. E avisou. “Se fizer de novo, bato com o meu microfone na sua cabeça. E bateria mesmo.” Nunca mais a situação se repetiu.
Deu o furo da década de 90, o da parceria entre Palmeiras e Parmalat, mas seu superior disse, no ar, que era de outro jornalista. Ele também tentou tirá-la da viagem que sacramentou o acordo, mas ela o enfrentou, ameaçou deixar a rádio, e acabou indo. Regiani, que começou aos 11 anos como cantora, depois, aos 14, como atriz, diz que a pressão para a mulher que trabalhava nestas profissões era pesada. Mas como repórter de futebol era cruel. Se lembrou, chorando, de Fernanda Factory.
“Ela sofreu muito ao decidir ser jornalistas esportiva. Mas ao contrário de mim, que era forte, a Fernanda, não. Um doce, delicada demais para a cobrança que sofreu. Não suportou. Ficou fragilizada demais pela maneira que o jornalismo esportivo a tratou. Com a morte dos pais, e pelo que vivia, resolveu se suicidar. Se matar... Não tenho dúvidas que tudo que ela sofreu como repórter pesou na sua decisão.”
Regiani foi a primeira mulher brasileira a cobrir uma Copa do Mundo, em 1994.
“Segui trabalhando o máximo que eu pude. Mas a idade me trouxe limitações. E me aposentei. Mas morro de saudades do ambiente de redação, da cobertura de clubes. Do jornalismo. “O recado que eu dou para as mulheres que querem trabalhar com futebol? Sejam fortes. E não desistam.
“O lugar da mulher é onde ela quiser. E ponto final!”
A entrevista completa está no canal do Cosme Rímoli, no YouTube.
É uma parceria com o R7.
Cada semana, um personagem importante do esporte deste país.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.