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Cosme Rímoli - Blogs

O talento, a má sorte, a mágoa de um gênio. Morre Coutinho

Mais do que o melhor parceiro de Pelé. Era um jogador fabuloso. Bastaram dez anos em campo. Operação e tendência a engordar travaram a carreira

Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

"Dos 1283 gols que marquei, 500 foram graças a Coutinho." Admite Pelé
"Dos 1283 gols que marquei, 500 foram graças a Coutinho." Admite Pelé

São Paulo, Brasil

"Pelé era o Diabo.

Jamais vai aparecer ninguém igual.

Jamais.


Como foi ser o parceiro do Pelé?

Ah, eu tinha de adivinhar o que ia fazer.


E acho que adivinhei algumas vezes..."

Talentoso, inteligente, irreverente.


Corajoso, visionário, dono de uma visão de jogo espetacular.

Genial dentro da grande área.

Frio como um matador profissional diante dos goleiros adversários.

Fez 370 gols.

Revolucionou a camisa 9 ao aceitar ser o ponto de referência para tabelas inesquecíveis, memoráveis com Pelé. 

Em vez de receber na entrada da área e tentar virar para o gol, com truculência, elegante, servia apenas de ponto de referência. 

Escondia, protegia a bola dos zagueiros com o corpo e a servia em um toque para o melhor jogador de todos os tempos, que a recebia de frente para a zaga destroçada. 

Pelé só tinha de usar sua velocidade, sua explosão muscular absurda e habilidade extraordinária. 

E acumular gols e mais gols na carreira.

"Dos 1283 gols que marquei, eu devo a ele, pelo menos 500", reconhece Edson Arantes do Nascimento.

E Pelé não é conhecido por ser um homem reconhecido.

Muito pelo contrário, egocêntrico.

Só que não há como negar o presente que a vida lhe deu, ao colocar Coutinho como seu companheiro de grande área.

O parceiro das trocas de passes geniais, que desmantelavam as zagas adversárias.

As tabelinhas.

Um infarto fulminante levou ontem, aos 75 anos, Antônio Wilson Vieira Honório.

Ele tinha diabetes, Alzheimer e estava recuperado de uma forte pneumonia.

Infelizmente estava com a pior das doenças, a velhice.

Mas o lendário Coutinho ficará para sempre.

O que ele fez pelo Santos é incomparável.

Santos campeão mundial de 1962. Coutinho foi peça fundamental
Santos campeão mundial de 1962. Coutinho foi peça fundamental

Garoto pobre de Piracicaba, amava futebol. Jogava de manhã, de tarde, de noite. Os pais queriam que estudasse. Mas ele só sonhava com futebol. 

Ele soube que o Santos jogaria contra o XV de Piracicaba.

Era muito novo e atuava no segundo quadro do Palmeirinha, time amador que faria a preliminar do jogo pelo Campeonato Paulista.

Determinado, sabia que não entraria em campo. Mas queria ao menos chegar perto dos atletas santistas. Por sorte, faltou o quarto zagueiro do Palmeirinha. E Coutinho, que havia entrado com o time, foi chamado para completar a equipe. Mesmo jogando na defesa, marcou o único gol do jogo.

Baixinho, irreverente, atrevido, não se conteve em atuar na zaga. Mostrava seu talento do meio de campo para a frente. Os jogadores santistas, que assistiam a partida, se divertiram com tamanho despreendimento. E o histórico treinador Lula detectou muito talento nos cortes curtos, na inteligência com a bola nos pés.

Lula disse que iria passar na sua casa para pedir aos pais que o deixasse treinar na Vila Belmiro, tentar ser jogador. Mas Coutinho estava com medo, havia fugido para conhecer os santistas, ninguém tinha autorizado sua saída de casa. E pediu para o treinador santista não falar com o pai. E o treinador santista não foi. 

Seria mais uma oportunidade perdida. Se Coutinho não decidisse mudar a rota de sua vida. Pediu dinheiro emprestado a amigos, pegou dos pais. E foi para Santos, sozinho. Lula o reconheceu. 

Quis testá-lo. O colocou como ponta direita, mas o garoto insistia em cair pelo meio, como centro-avante. Acabou encantando o treinador com sua frieza na área e, principalmente, no talento em servir os jogadores que vinham de frente para o gol. Bastava um toque na bola.

Ele acabou sendo o jogador mais jovem da história a jogar com a camisa profissional do Santos, com 14 anos, em 1958. 

O centro-avante titular era o também talentoso Pagão.

Atleta franzino, que convivia com muitas contusões. 

Quando Pagão estava fora, Coutinho entrava e a posição de Pelé mudava. Deixava de ser o atacante mais avançado, muitas vezes de costas para os zagueiros. Essa função era do garoto de Piracicaba. Pelé passava a atuar como meia, de frente para a defesa, para o gol adversário.

Não demorou para Coutinho ser titular.

Pagão acabou vendido para o São Paulo.

O melhor companheiro de área de Pelé atuou pelo Santos por apenas dez anos, para valer.

Entre 1958 e 1968.

Foi o suficiente para a conquista de 19 títulos.

Entre eles, o bicampeonato mundial e o bicampeonato da Libertadores.

Cinco Brasileiros.

Seis Campeonatos Paulistas, que valiam muito, ao contrário de hoje.

E marcar seus 370 gols.

Em 457 jogos.

De personalidade forte, não levava desaforos para casa.

Enfrentava os árbitros
Enfrentava os árbitros

Foi várias e várias vezes expulso.

Principalmente pelo árbitro que marcou época nas décadas de 60 e 70: Armando Marques.

Vários expulsões aconteceram depois de o atacante, irritado com uma marcação que considerava errada, chamar Armando Marques de "boneca". Ele era mesmo espalhafatoso. E tanto Coutinho como Pelé foram expulsos algumas vezes pelo personalista árbitro.

Negro, veloz, ágil, talentosíssimo, muitas vezes era confundido pela torcida e por narradores de futebol com o próprio Pelé. 

"Só que quando eu fazia uma grande jogada, todos acreditavam que tinha sido o Pelé. E quando o Pelé errava, apostavam que era eu."

A solução foi muito inteligente. 

Ele ficou jogando com um esparadrapo no pulso por mais tempo que o necessário.

Só para ser identificado como Coutinho.

A carreira do atacante poderia ter sido muito maior do que foi.

Ele teve dois inimigos poderosos.

O primeiro foi uma operação no menisco direito.

Coutinho, entre Didi e Pelé. Amparado por Zito. Sabia que não jogaria no Chile
Coutinho, entre Didi e Pelé. Amparado por Zito. Sabia que não jogaria no Chile

"Eu estava voando em 1962. Era titular absoluto do time que iria para a Copa do Mundo no Chile. Houve um último amistoso no Brasil antes da viagem. Jogo contra a Seleção de Gales no Pacaembu. O Aymoré Moreira tirou todos os titulares deste jogo, menos eu. 

Em um lance, driblei um zagueiro e ele, caído, agarrou a minha perna com os braços. E torceu. Estorou o meu menisco do joelho direito. 

Sabia que não poderia disputar a Copa. Pensei em abandonar tudo, o futebol. Sentia que a contusão tinha acontecido no pior momento da minha carreira. Os jogadores insistiram que eu fosse. Mas sabia que não iria jogar. 

Na época, a medicina era muito atrasada. Minha perna foi engessada e depois fiz tratamento de gelo e calor durante o Mundial do Chile. Não tinha a menor condição de entrar em campo. O Aymoré queria que eu jogasse assim mesmo, com o joelho arrebentado, depois que o Pelé se machucou. Mas eu não aceitei. Não dava para jogar.

Isso me incomodou a vida inteira.

Sabia que iria conseguir muito mais na minha carreira se não tivesse me machucado. Estava no auge. Os outros jogadores estavam bem. Mas eu estava voando."

Na volta ao Brasil, Coutinho operou.

Continuou genial, mas perdeu explosão muscular, movimentação, agilidade.

Reflexo da cirurgia.

Como compensação psicológica, ele começou a comer demais.

E a tendência a engordar logo ficou evidente.

Foi a segunda inimiga mortal da carreira.

O que acabou encurtando seu período no Santos.

Porque o sobrepeso facilitava a vinda de contusões.

Já ficou de fora até da lista dos 45 convocados para a preparação ao Mundial de 1966.

Em 1968, deixava o Santos.

Coutinho já gordo. Trauma por operação que diminuiu sua agilidade
Coutinho já gordo. Trauma por operação que diminuiu sua agilidade

"Jogar, jogar de verdade, só no Santos. Depois eu até falei para a minha família, eu fui 'roubar'. Com todo o respeito, fui roubar nos outros clubes. Não podia jogar como no Santos. Tinha contusões demais e estava gordo.

"Eu falava, mas os times queriam me levar de qualquer jeito.."

Passou por Vitória, Portuguesa, o mexicano Atlas, Bangu e Saad.

Tentou ser treinador, mas não conseguiu.

Seu gênio difícil, as cobranças de quem foi genial, não combinaram com os elencos que teve nas mãos: o enfraquecido Santos de 1981, depois o Valeriodoce, Comercial (de Ribeirão Preto), Aquidauana, Santo André e São Caetano.

Lançou um livro autobiográfico: "Coutinho. O Gênio da Área."

Mas nos últimos anos de vida estava arredio com a imprensa.

Sabia que poderia ter ido muito mais além.

Enriquecido com seu talento.

Ser reconhecido como campeão mundial também com a Seleção.

Mas seu universo foi o Santos Futebol Clube.

Dez anos que marcaram a história não só do clube.

Mas do futebol brasileiro, do planeta.

Coutinho sabia. Poderia ter terminado a vida em melhores condições financeiras
Coutinho sabia. Poderia ter terminado a vida em melhores condições financeiras

Seu enterro está marcado para hoje, às 18 horas, em Santos.

Mas jamais sairá da retina de quem o viu jogar.

Ou quem tiver o mínimo interesse de ver os vídeos do melhor time de todos os tempos.

Ele foi peça fundamental.

Nas palavras do próprio Pelé.

Coutinho não morrerá jamais...

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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