O que está por trás das lágrimas, do medo, no adeus de Lucas Paquetá
Clubes não preparam psicologicamente suas grandes promessas para a transição. Deixar o Brasil e ir jogar na Europa. O que interessa é o dinheiro
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

São Paulo, Brasil
"Conversei com minha esposa e minha mãe.
"Estou com medo de deixar o Flamengo.
"Uma sensação que nunca vivi."
Esta confissão de Lucas Paquetá chegou à Itália.
O Milan pagou 35 milhões de euros pelo jogador.
Foram cerca de R$ 153 milhões.
Dessa quantia, o clube rubro negro ficará com 24,5 milhões de euros, cerca de R$ 107 milhões. O dinheiro será dividido em quatro parcelas.
O restante ficará com os empresários do atleta.
O clube carioca era dono de 70% dos direitos do seu ídolo.
A negociação foi fechada em outubro, na reta final do Brasileiro.
Quando o Flamengo brigava pelo título.
E Lucas Paquetá estava muito bem.
A maneira que ocorreu a transação acabou questionada publicamente pela oposição do clube. Afinal, a situação havia jurado que só liberaria a grande esperança rubro negra pela multa, estipulada em contrato. Ela era de 50 milhões de euros, cerca de R$ 218 milhões.
O Milan havia vencido o duelo com o PSG, anunciavam os dirigentes flamenguistas.
Mas em Paris a notícia era que o clube da bilionária família qatariana havia apenas sondado o jogador. Se quisesse realmente comprá-lo, seu poder financeiro atualmente é muito maior do que a equipe italiana.
O Conselho Deliberativo do Flamengo chegou até a abrir um inquérito para investigar a transação. Conselheiros acreditaram que tudo foi errado. O clube perdeu dinheiro, já que teria como vender o atleta pelo total da multa.
Membros da oposição garantiam que a saída aconteceu de forma antecipada, apostavam que na janela do meio de 2019, ele seria vendido pelos R$ 218 milhões. Ficou no ar que teria sido manobra revanchista do presidente Bandeira de Mello, no final do segundo mandato.

Desde que a transação foi fechada, o jogador de 21 anos passou a ter momentos instáveis em campo.
Seu futebol decaiu de maneira impressionante.
Se mostrava tenso, irritadiço.
Estava claro que se obrigava a, antes de ir para a Itália, fazer do Flamengo campeão do Brasil.
Paquetá chegou ao clube com oito anos.
Franzino fez um programa de fortalecimento muscular muito sério.
Lembrou até o que foi feito com o maior ídolo rubro-negro, Zico.
Convocado desde garoto para as seleções brasileiras de base, Lucas Paquetá carregava há tempos a responsabilidade de se transformar no maior ídolo do Flamengo. E que cuja venda seria importantíssima, garantido dezenas de milhões de euros ao clube.
Quando a janela do meio deste ano foi aberta, dirigentes deixavam transparecer que havia inúmeros interessados no jogador. Chelsea, Manchester City, Liverpool, PSG, Milan. O empresário do meia, Eduardo Uram, confirmava a busca por vários clubes, sem dizer quais.
Paquetá acabou ficando.
Teve sua primeira convocação para a Seleção de Tite, em agosto.
Não conseguiu impressionar como todos esperavam.
O talento do meia canhoto é indiscutível.
Habilidoso, rápido, com ótima visão de jogo, excelente bola parada.
Mas emocionalmente há muito o que desenvolver.
A sua venda em outubro mexeu demais com os nervos do jogador.
Fez o futebol despencar.
A confiança sumiu.
Vieram a precipitação, a incrível falta de precisão.
Que culminou em um lance que pode ter decidido o Brasileiro.
O Flamengo massacrava o Palmeiras no Maracanã.
Lotado, naquele 27 de outubro.
A partida estava empatada em 1 a 1, eram 37 minutos do segundo tempo.
Marlos Moreno fez o que quis com Gustavo Gómes, improvisado na lateral direita, levou a bola até a linha de fundo pela esquerda. Rolou a bola para Lucas Paquetá, além da marca do pênalti. Livre, sozinho, era marcar, acabar com a invencibilidade do primeiro colocado Brasileiro, deixar a vantagem paulista a apenas dois pontos. E dar uma ducha de confiança no time rubro-negro.

Mas, tenso, Paquetá chutou, de maneira inacreditável, por cima.
O lance o atormentou até o final da participação do Flamengo, ontem.
Ele acredita que poderia ter dado o Brasileiro ao clube do coração.
Os jogos se seguiram: empate com o São Paulo, derrota para o Botafogo, vitória contra o Santos, Sport, Grêmio e Cruzeiro. Mas foi impossível alcançar o Palmeiras.
Paquetá se culpa, tem a certeza que tivesse feito aquele gol, no fatídico 27 de outubro, o time venceria o São Paulo e o Botafogo. E também os reservas do Atlético Paranaense, ontem.
Só que o remorso teve nada de prático.
O Palmeiras foi decampeão brasileiro.
E o tempo passou rápido, inclemente.
Chegou a última partida com a camisa que tanto ama.
As lágrimas no hino nacional vieram.
Acompanhadas com 13 anos de lembrança.
Mais do que a metade da sua ainda curta vida, na Gávea.
Tratado como uma pessoa especial.
Um ídolo precoce.
E todo a insegurança de ir para a Itália.
Seu futebol leve, de toques refinados, e arrancadas, será colocado à prova.
O seu anfitrião será o rigoroso inverno europeu.
Quando acabou a partida, com a derrota rubro-negra, por 2 a 1, com outra atuação fraca, marcada pelo nervosismo, Lucas Paqueta sé ajelhou no gramado do Maracanã.

E chorou.
Era como se estisse sendo obrigado a ir embora.
Embora milionário, sua alma queria ficar.
"Do que eu vou sentir mais saudades na Itália?
"Do Flamengo.
"Vestir essa camisa é muito especial.
"Desde pequeno foi o que eu batalhei para conquistar.
"Essa torcida é sem comparações.
"Quando está bem, vibra.
"Quando está difícil apoiam mesmo com cobrança.
"Vou seguir com o Flamengo no coração", disse o garoto, com olhos marejados.
Lucas Paquetá é a prova viva da falta de trabalho profundo de psicólogos no futebol brasileiro.
Ele é um jogador profissional.
Cobrado em todos os sentidos.
E um homem de apenas 21 anos, que precisa ter a maturidade para entender que estará rico, mas deixará para trás o clube que o acolheu como sua casa, sua cidade, seu estado, seu país, sua família, seus amigos. Se tornará um trabalhador estrangeiro a mais tentando a sorte no mercado de trabalho mais competitivo possível, na sua área de trabalho, o futebol europeu.
Não é nada fácil.
E infelizmente está claro que não há esse cuidado nos clubes.
Os jovens talentos servem para levantar dinheiro.
Eles que busquem o preparo psicológico para o que virá pela frente.
Rápidas conversas com psicólogos, que mal tem espaço na base, e ainda são profundamente rejeitados pelo futebol, não adianta.
Paquetá vai tenso, desestruturado para a Itália.
Como já foram muitos.
Neymar, inclusive.
Vários conseguiram se reestruturar.
Outros tantos, não.
Passou da hora de os clubes trabalharem mais a fundo.
Preparar de verdade seus atletas para a difícil transição.
Ou é normal um jogador revelar, ser sincero?
E dizer que está com medo de deixar seu clube?
Como fica a equipe que pagou R$ 153 milhões por ele?