O improvável ‘Rei do Nordeste’. Rogério Ceni chega ao nono título como técnico. Reencontrou a alegria no Bahia
O maior ídolo da história do São Paulo cresceu muito como treinador. Descobriu no Bahia a importância de se relacionar bem com os jogadores. Desceu do pedestal hierárquico. A festa por sua segunda conquista da Copa do Nordeste, ontem, mostrou que pode ser um comandante mais humano

A reclamação dos dirigentes do São Paulo, Cruzeiro e Flamengo era a mesma.
A postura rígida, hierárquica, distante.
E muitas vezes autoritária com seus comandados.
“Ele age como um general falando com soldados”, disse ao blog, um antigo dirigente do São Paulo, na segunda passagem como treinador no Morumbi, em 2023.
“A gente pediu o Rogério no Cruzeiro. Mas a chegada não foi boa. Ele chegou dando porrada em todo mundo na primeira reunião. Foi perguntando a idade, falando que nosso time era velho para o jeito que queria jogar.
“Mas a gente foi bicampeão estadual e da Copa do Brasil.
“Calma aí, né? Pode chegar, mas chega devagar, vai respeitando, só tem campeão no time.
“Dedé começou a chorar, nunca vi ele tão nervoso. Ali rachou”, revelou Thiago Neves, sobre ele, no Cruzeiro.
“Acho que foi um dos erros que cometi. Ter mandando o Rogério Ceni embora (do Flamengo). Eu nunca falei isso. Não é que eu me arrependi, até porque quem veio foi o Renato. Uma pessoa fantástica. Um técnico fantástico. Mas eu acho que não deveria”, a confissão é do ex-vice de futebol do Flamengo, Marcos Braz.
Apesar da conquista do Brasileiro, Supercopa do Brasil e do Flamengo, foi mandado embora do Flamengo por se relacionar muito mal com os funcionários e jogadores do clube.
Rogério Ceni aprendeu. Quem convive com ele, diz que ele, finalmente está muito menos rígido no trato com os atletas, em Salvador. Percebeu quantas oportunidades perdeu.
A imagem de arrogante só não o afetou como jogador, como excepcional goleiro artilheiro no São Paulo. Não precisava ser simpático com ninguém. E não era.
Na Seleção Brasileira teve pouquíssimas chances por não conviver bem com atletas de outras equipes, que tinham uma imagem muito ruim dele.
Ser um atleta, principalmente goleiro, idolatrado pela torcida permite uma trajetória importante.
Mas como treinador, não.
Aos 52 anos, oito como treinador, no nono título conquistado, tomando um banho de energético, sorrindo feliz, transpirando cumplicidade com os atletas do Bahia.
Ceni finalmente mostrava que rompeu a barreira gelada da hierarquia. Que pode funcionar no Exército, mas não em clubes de futebol.
Logo após tomar o tradicional banho de energético misturado com gelo, comemorando durante a coletiva, a conquista da Copa do Nordeste, ele abraçou os jogadores, que gritavam ‘É campeão’, principalmente, o capitão Everton Ribeiro.
O ex-meia do Flamengo foi importantíssimo nesta cumplicidade entre os atletas e Rogério Ceni.
Depois,do banho, o técnico falou de maneira descontraída. “Que água gelada da po...! Nessa (minha) idade fica doente. Esse é o problema”, fazendo os jornalistas rirem.

“Finais são muito especiais, independente da circunstância ou competição. É muito raro chegar em finais, então vencer fica para a história do clube. É um ano especial, com título Baiano e Copa do Nordeste, que não acontecia desde 2001.
“Terça-feira completo dois anos aqui, fico contente. Traz confiança para o jogo de quarta-feira, importante pela Copa do Brasil. Ficou marcado. O Bahia é o primeiro time a vencer a Copa do Nordeste cinco vezes.”
Rogério Ceni igualou o feito de Evaristo de Macedo, campeão baiano e da Copa do Brasil, em 2001.
A alegria do treinador, o respeito da torcida e da imprensa contrastam com o final de 2024.
Em novembro do ano passado, ele era hostilizado, xingado, pela queda assustadora do Bahia. O clube, que chegou até a sonhar com o título, ficou sete partidas sem vencer no Brasileiro.
A pressão era perto do insuportável. Mas com a união dos jogadores e o respaldo do grupo City, houve a reação e a conquista de uma vaga para a Libertadores.
O bilionário grupo City o segurou porque foi precoce colocar o clube na Libertadores e os relatórios da dedicação de Ceni como treinador era impressionante.
E em 2025 o balanço é mais que favorável.
O Bahia ganhou duas fases da Libertadores. E não conseguiu se classificar na fase de grupos. Na Sul-Americana passou pelo playoff, mas caiu diante do América de Cali. As duas competições renderam R$ 30 milhões só em premiações. Com a arrecadações dos jogos, mais de R$ 10 milhões.
Venceu o Baiano e a Copa do Nordeste. Venceu as finais contra o Confiança, de Sergipe, por 4 a 0, em Aracaju, e 5 a 0, em Salvador.
Está em quarto lugar no Brasileiro.
“Meu maior sonho com o Bahia é ganhar um título nacional. A volta do Bahia ao cenário nacional já se coloca lá. Até no cenário sul-americano disputamos a Libertadores.
“Mas acho que, nos próximos anos de projeto, a chance aumenta cada vez mais. Vamos sempre tentar chegar no ponto mais alto, que seria um título nacional.”

Pelo Fortaleza, ele ganhou o Brasileiro da Série B, o Campeonato Cearense e a Copa do Nordeste. Pelo Flamengo, o Brasileiro, a Supercopa do Brasil e o Carioca. Pelo Bahia, o Baiano e a Copa do Nordeste.
A cúpula do City aprovou a renovação de Rogério Ceni até dezembro de 2027. Com multa alta. Para que não caia em tentação de deixar o clube, como fez com o Fortaleza, duas vezes. A primeira indo para o Cruzeiro. E a segunda, para o Flamengo.
A relação próxima entre Ceni e os atletas, indica que, desta vez, o técnico ficará muito tempo em Salvador.
Cidade que fez o rígido Ceni entender o significado da palavra cumplicidade.
E que é muito mais importante que hierarquia...