O dia em que Avallone preferiu o Palmeiras à Luiza Brunet
O jornalista por trás do personagem da tevê. Sua visão mudou a cobertura do jornalismo esportivo no Brasil. Marcou época no Jornal da Tarde
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
Roberto Avallone era um jornalista brilhante.
Revolucionário, corajoso, à frente do seu tempo.
E que influenciou para sempre a cobertura esportiva no Brasil.
Sua importância era grande demais para a tela da tevê.
O estereótipo provocador, bem informado, irônico, brincalhão, palmeirense e que terminava as frases com 'interrogação', 'exclamação', em frente às câmeras, não corresponde à realidade.
"Ele foi a alma do Esporte do Jornal da Tarde", resume Castilho de Andrade, que foi parceiro de Avallone entre 1972 e 1990, no JT.
Roberto Avallone foi meu chefe por três meses.
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A diferença era gritante.
Sem precisar ser um personagem, como na tevê, ele mostrava toda sua sede de notícias, vontade de dar a informação exclusiva, ensinava a enxergar de maneira diferente a cobertura de um clube. Assim como Castilho, José Eduardo de Carvalho e Vital Bataglia, ele instigava os jovens repórteres a terem coragem. Sem medo de dirigentes, técnicos, jogadores.
E, principalmente, "f... a concorrência", se referindo aos outros jornais.
Era como a frase tivesse sido cunhada em bronze no JT.
Avallone tinha influência absurda no clube que ele amava.
Principalmente entre as décadas de 80 e 90.
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Senti isso na pele.
"Você só está escrevendo tanta desgraça do Palmeiras porque seu chefe é o Avallone. Ele que manda um foca como você para arrumar confusão aqui dentro. Mas vou responder suas perguntas porque não tenho medo dele", me disse Nelson Duque, ex-presidente do Palmeiras, mas que seguia mandando no futebol do clube, em 1990.
"A gente sabe que é ele quem manda as perguntas para você fazer. E respondemos para ele", completava o então diretor de futebol, Nicolla Racciopi.
Eles não sabiam que Avallone havia deixado a chefia de reportagem do JT e se transformado em repórter especial.
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A situação perdurou por anos.
Não só no Palmeiras.
Quando pisava no São Paulo e Corinthians, a sombra de Avallone era protetora.
Dirigentes, jogadores e técnicos me respondiam às perguntas mais difíceis acreditando estarem mandando recado, se posicionando, a Avallone.
O que só mostrava sua força.
Ele era palmeirense assumido.
O que era infernal para os dirigentes do Palestra Itália e para os repórteres que cobriam o clube.
Era comum depois que cumpria a sua missão de chefe de reportagem, detalhando o que cada jornalista faria, ele adorava passar o fim da tarde e início da noite no Palmeiras.
E entregou de mão beijada vários furos para repórteres do JT.
Nunca foi parcial.
Até pelo contrário.
Era mais exigente com o time do coração.
Como descende de italiano sua paixão vencia a lógica.
As críticas eram mais duras.
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E os elogios mais difíceis.
Sim, há várias histórias de bastidores sobre seu amor ao Palmeiras.
Quando ele brincava, como qualquer torcedor.
Uma delas terminou de maneira mais frustrante. A cobertura da final do Campeonato Paulista de 1986. O clube era franco favorito ao título. Enfrentaria a Internacional de Limeira, no Morumbi. O Palmeiras acumulava um jejum de dez anos sem títulos.
Em vez de mandar vários carros, o JT economizou.
E alugou uma kombi.
Avallone estava acompanhado por vários repórteres.
Mal a kombi saiu do Bairro do Limão, sede do jornal, passou em frente ao motel recém-inaugurado e que era sensação na época, o Studio A.
Foi quando um repórter perguntou.
"Avallone, o que você prefere? Uma noite com a Luiza Brunet no Studio A ou Palmeiras campeão?"
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Ele era assumido admirador de mulheres bonitas.
O carro ficou em silêncio.
O chefe de reportagem levou 'a sério' a pergunta.
Depois de pensar, Avallone começou a gritar.
Havia feito sua escolha.
"Palestra! Palestra! Palestra!"
Depois da vitória da Inter, a kombi voltou em clima tenso.
Com o chefe de reportagem muito nervoso, o jejum prosseguiria.
O mesmo repórter, Dinoel Marcos de Abreu, decidiu provocar.
Assim que da kombi era possível enxergar o Studio A, a pergunta.
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"E agora?
Brunet no Studio A ou Palmeiras?"
Avallone falou todos os palavrões que conhecia...
Ele ganhou importantíssimos dois prêmios Esso.
Pelas coberturas das Copas de 1978 e 1986.
"No Mundial da Argentina, eu não cobri o Brasil. Mas no do México, sim. E vi o impressionante respeito que o Telê Santana tinha em relação ao Avallone. Ele tinha livre acesso à concentração da Seleção Brasileira. Graças ao Avallone fizemos inúmeras entrevistas exclusivas, em mesas redondas com Telê e jogadores como Sócrates.
"Conseguimos inúmeros furos. O Prêmio Esso foi graças a ele", relembra Castilho.
Ele não 'desenhava', como chamávamos na época a diagramação das páginas.
Mas Avallone antevia a melhor manchete, a melhor foto, a melhor disposição das matérias.
O JT ganhou prêmios internacionais pela diagramação ousada.
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Avallone também esteve por trás de alguns.
Como 18 anos não se comparam a seis meses, outros dois detalhes fundamentais levantados por Castilho
"Avallone era um homem de memorária prodigiosa. Além de muito estudioso. Lembrava escalações, esquemas, situações de décadas atrás. Sua cultura esportiva, principalmente em relação ao futebol, era impressionante.
"Além disso, era muito honesto. Colocava a informação que tivesse que for, sem preservar ninguém. Sua meta era levar a notícia exclusiva ao leitor do Jornal da Tarde."
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Roberto Avallone também era instigante no uso das palavras, por anos e anos teva uma coluna chamada Jogo Aberto. Sua escrita era demolidora. Marcou época. E não há como negar que influenciou toda uma geração de estudantes de jornalismo.
Mostrou também o quanto é importante a imagem, a foto para resumir uma situação.
E a manchete instigante.
Convivemos muito pouco. Ele se afastou da chefia de reportagem, virou repórter especial.
E logo se dedicou só à televisão.
Mas graças à sua visão, a editoria de Esportes do Jornal da Tarde foi tão vencedora, colecionadora de furos e prêmios. Avallone determinou o caminho, mostrou como a engrenagem deveria seguir.
Não nos preocupávamos com o dia-a-dia, com a rotina do treinamento, com as palavras oficiais.
O que interessava eram os bastidores.
Contextualizar as notícias.
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Mostrar os motivos, as consequências.
Não ter medo do 'dia seguinte'.
Criticar quem merecer ser criticado.
Não é fácil ir para um clube e ser visto como 'inimigo'.
A independência sempre teve um custo.
Mas é missão do repórter.
Foi esse o legado de Roberto Avallone no Jornal da Tarde.
E que influenciou a cobertura esportiva de todo o país.
O que fazia na tevê era apenas representar um personagem.
Que não fazia justiça ao jornalista que ele foi.
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Morreu hoje, aos 74 anos.
Descanse em paz, Roberto Franciso Avallone.
Sua missão foi cumprida com êxito.
Exclamação...
Clubes prestam homenagem ao jornalista Roberto Avallone
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