O cruel boicote a Ricardinho. Custo: R$ 30 milhões ao São Paulo
O jogador sofreu toda a carga de o clube não estar pagando os jogadores em dia. E ser anunciado como o maior salário. Suportou só um ano e meio
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
Foi o mais escandaloso boicote do futebol moderno.
E o mais previsível.
O São Paulo havia vencido o Supercampeonato Paulista de 2002.
A Seleção Brasileira havia acabado de conquistar o pentacampeonato mundial.
Marcelo Portugal Gouvêa, com o apoio dos 'cardeais' mais importantes do Morumbi, tomou a presidência de Paulo Amaral, meses antes, em abril. Por dois votos.
"O São Paulo voltará a cumprir seu destino, ser campeão."
Fazia oito anos que o clube não vencia a Libertadores e 11 sem um Brasileiro. Portugal foi o principal negociador que conseguiu a cessão da prefeitura do terreno da Barra Funda para a construção Centro de Treinamento do time principal.
Gouvêa queria fazer história.
E, depois da conquista do Supercampeonato Paulista, ele acreditou estar fazendo a melhor contratação do futebol brasileiro.
Conseguiu, em segredo, tirar o cérebro do grande rival Corinthians. Campeão mundial com o clube em 2000 e vencedor do pentacampeonto mundial com a Seleção.
Ricardinho.
Talentoso, inteligente, hábil, com uma visão de jogo diferenciada.
Tinha 26 anos.
Acompanhei muito de perto tudo o que aconteceu. Estava cobrindo o Corinthians até antes da Copa de 2002. Fui para o Mundial, Ricardinho foi o último a chegar, convocado na vaga de Emerson, contundido. Falei com ele antes do embarque para a Coreia do Sul.
Durante a Copa, ele foi um dos jogadores que não se furtou a dar sua visão tática para Felipão, embora não tenha sido titular. E ele estava estranhamente empolgado. Sabia que ele estava sendo sondado pelos clubes ingleses.
Quando a Copa acabou, fui cobrir o São Paulo.
E entendi tudo.
Parreira era o treinador do Corinthians. O clube estava precisando fazer dinheiro. O presidente Alberto Dualib ficou tentado com a proposta. R$ 5 milhões e mais 20% se o jogador fosse vendido nos próximos dois anos, ou seja, 2004.
A multa rescisória de Ricardinho era de R$ 2 milhões. Mas Dualib prometia procurar a justiça e travar a carreira do meia se o Corinthians não recebesse uma generosa compensação.
Parreira confiava muito em Vampeta como novo articulador, com a companhia do vibrante meia Renato.
Ricardinho chegou a ficar afastado mais de vinte dias, esperando a definição.
A diretoria corintiana, mais precisamente o diretor de futebol Roque Citadini, que havia jurado que o meia não iria para o rival, fez uma exigência ao jogador. Ele teria de falar publicamente que não queria mais atuar no Corinthians.
E foi o que fez, de maneira inteligente. Disse que estava pronto para jogar no São Paulo. Para o Morumbi, ele foi.
Só que ninguém sabia ao certo, a crise financeira que o clube tricolor vivia. Salários estavam atrasados, jogadores irritadíssimos.
De maneira discreta, quem comprou o jogador foram as empresas RES Empreendimentos e Participações e Time Traveller Turismo. E repassou ao São Paulo. Foi um empréstimo.
Ricardinho chegou ao clube recebendo R$ 300 mil mensais, o maior salário do elenco, jamais pago no Morumbi.
O empresário Wagner Ribeiro já demonstrou o que esperaria pelo meia.
"Quero que o salário do Kaká seja equiparado ao do Ricardinho. Sei que ele vai ganhar R$ 300 mil, entre ‘luvas’ e salários. Quem é mais carismático, Kaká ou Ricardinho?", perguntava.
O time tinha um excelente potencial, com várias estrelas: Rogério Ceni, Kaká, Júlio Baptista, Luís Fabiano.
Oswaldo de Oliveira era o técnico, que havia ganho com Ricardinho, o Mundial de Clubes, em 2000.
Ele tentou de tudo para integrar o jogador com o restante do elenco.
Mas não conseguiu.
E tornou pior o quer era ruim.
Os atletas gostaram menos ainda do jogador, por essa proximidade com o técnico. Ficaram com medo que, tudo o que conversassem, fosse parar no ouvido de Oswaldo.
Ricardinho foi vítima.
Personificou os atrasos de pagamento, a disparidade salarial.
A vontade era tanta de trazer uma grande estrela do rival, reforçar a equipe e desmantelar o Corinthians, que os dirigentes não perceberam o que criaram.
"Trezentinho" foi o cruel apelido que Ricardinho ganhou no Morumbi.
Ele era tratado dessa maneira pelas costas, por conta de seu salário.
Jornalistas entendiam. Já que ele ganhava mais do que todos e, em dia, que resolvesse sozinho as coisas em campo.
Os atletas faziam questão de não manter um contato próximo com o meia, fora dos gramados.
Ricardinho decidiu fazer um churrasco na sua casa. Chamou toda a equipe.
Mas sobrou carne, os principais jogadores não foram.
Ele tenta amenizar a história até hoje.
A situação ficou muito pior com os jogos eliminatórios, nas quartas do Brasileiro de 2002. O São Paulo perdeu duas vezes para o Santos.
Antes do primeiro confronto, perguntei para Oswaldo de Oliveira. "Você já decidiu uma vaga tão importante com os salários atrasados?" Sim, os salários do time estavam atrasados. Por maldade ou não, conselheiros juravam que o de Ricardinho, não.
"Eu nunca entrei para uma decisão com salários atrasados", disse, honestamente, o técnico.
O São Paulo foi eliminado.
Ricardinho jamais foi o mesmo jogador cerebral no São Paulo. Suas tabelas não aconteciam. Os lançamentos, infiltrações não davam certo. Os abraços nos gols eram frios por parte dos companheiros.
Era um ambiente hostil contra ele.
Ricardinho sofreu muito.
Pagou um preço que não era seu.
O meia suportou apenas um ano e meio.
A própria diretoria aceitou a rescisão de contrato.
O que foi terrível para o Corinthians, que perdeu os 20% que tinha nos direitos do atleta.
Só que o São Paulo não pagou as empresas que bancaram a contratação.
Depois de 16 anos, a guerra na justiça acabou.
O São Paulo finalmente vai pagar por Ricardinho.
Serão R$ 30 milhões, valores atualizados.
Com parcelas entre R$ 685 mil variando R$ 514 mil.
Triste fim para uma negociação que jamais deveria ter acontecido.
E que só provocou o maior boicote a um jogador nos tempos atuais do futebol brasileiro.
Os atletas do São Paulo sempre negaram, mas os jornalistas que acompanhavam o dia-a-dia do clube sabiam.
A vingança da diretoria se personificou no ex-jogador do Corinthians.
Agora comentarista polido, inteligente, mas contido, o ex-meia evita confusões.
E não assume o verdadeiro motivo do seu fracasso no São Paulo.
Ricardinho tem vários defeitos.
Como todos os jogadores.
Mas não merecia o que suportou no Morumbi...
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