Na guerra com Faustão, Flamengo desvia o foco dos meninos mortos
Clube alega que ataque do apresentador pela cruel negociação com os familiares dos meninos mortos no incêndio, é resposta da Globo pelo Carioca
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
"É inadmissível, indecente o comportamento dos diretores do Flamengo no caso do incêndio. O problema não é dinheiro, até porque dinheiro algum vai trazer as vidas de volta."
"O problema é principalmente caráter, ter a sensibilidade, um tanto de humanismo.
"Como é que esses dirigentes conseguem chegar em casa e olhar os filhos e olhar os netos, sem nenhum respeito a quem perdeu as crianças?
"É revoltante em todos os aspectos."
Foi dessa maneira, direta, que o apresentador Fausto Silva criticou a direção do Flamengo, no seu programa de domingo, na TV Globo.
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Ele lastimava que, um ano depois do incêndio no dormitório da concentração do clube, a questão não havia sido resolvido.
A emissora que costuma ser discreta nos assuntos mais importantes do país, desta vez viu um funcionário se posicionar e atacar diretamente a cúpula do Flamengo.
A revolta foi pelos dirigentes não terem resolvido o problema da indenização às famílias dos dez meninos mortos no Ninho do Urubu.
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Fausto Silva foi jornalista esportivo por anos. E acompanha, ainda, futebol de perto. Sabe que o Flamengo está vivendo um momento de muito dinheiro. A perspectiva neste ano é faturar entre R$ 750 milhões e R$ 850 milhões.
Para o ressarcimento das dez famílias dos garotos, entre 14 e 16 anos, que morreram no terrível incêndio, bastariam cerca de R$ 60 milhões, somadas uma quantia de R$ 2 milhões e mais uma pensão de R$ 10 mil até os 45 anos, que os meninos não puderam completar vivos.
A direção do Flamengo não aceitou a proposta do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Rio de Janeiro e da Defensoria Pública.
Falou em valores 'exorbitantes' e que iria se 'resolver' com cada família.
A situação vergonhosa perdura.
Até as torcidas organizadas já mostraram sua indignação diante da postura dos dirigentes do clube. Os meninos morreram no dormitório, que não passava de contêiner soldado, improvisado.
A maior parte da mídia se colocou contra a direção do Flamengo.
Mas o ataque de Fausto Silva teve um peso maior para o presidente Rodolfo Landim.
E ele viu algo que foi além da terrível morte dos meninos.
Em nota oficial, o Flamengo diz que o ataque de Fausto Silva tem 'pano de fundo, interesses comerciais não atendidos."
"(...)Tamanha agressividade tem como pano de fundo interesses comerciais não atendidos e que se sobrepõem ao trabalho de informar corretamente aos telespectadores. Isto, ao nosso ver, constitui abuso de direito e tentativa de indução negativa da opinião pública, algo inadmissível do ponto de vista moral e ético."
Ou seja, o Flamengo acredita que Fausto só atacou a direção por não ter resolvido a questão com os familiares dos garotos pela desavença da Globo pelo Campeonato Carioca.
Executivos globais estão mesmos tensos, irritados porque o campeão da Libertadores e do Brasil, não aceitou os R$ 15 milhões pela transmissão do Estadual. Como fizeram Botafogo, Fluminense e Vasco.
O Flamengo pediu R$ 100 milhões. Depois, baixou sua pedida para R$ 80 milhões. Mas, até agora, a Globo não cedeu.
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Vai começar a semifinal da Taça Guanabara e o canal tem o direito de todos os demais participantes, menos o do mais forte. O Flamengo disputará sua vaga na final com o Fluminense. O clube já atuou seis vezes e a emissora não pôde mostrar nenhuma de suas partidas. E a tendência é que não mostre a semifinal.
Se o Flamengo chegar à final não só da Taça Guanabara, como da Taça Rio e for campeão carioca, seria um vexame a Globo mostrar o Carioca todo, menos seus jogos mais importantes.
Além disso, o Flamengo entrou na justiça questionando a distribuição de dinheiro da Globo pelo Brasileiro.
Ou seja, o relacionamento entre os dois antigos parceiros está péssimo.
Mas o que Fausto Silva fez não tem a ver com isso.
São situações diferentes.
O apresentador está revoltado como a maioria dos jornalistas. A direção do Flamengo já teria resolvido a questão mais triste de sua história se quisesse.
Negociar, economizar, regatear as indenizações das famílias é algo absurdo. A questão já deveria ter sido solucionada há muito tempo.
Os familiares perderam seus filhos, a quem entregaram com confiança para viver na concentração do clube mais popular do Brasil. E os receberam mortos, queimados ou asfixiados pela fumaça tóxica dos contêineres queimados.
"O Flamengo não pode aceitar qualquer pedido absurdo de valor que venha a ser feito.
"Esse assunto a diretoria coloca enorme atenção. Ontem tivemos uma festa organizada pelo Flamengo, com entrada em campo com faixas, passamos no telão um vídeo, balões com a torcida, os jogadores entraram com nome das crianças que faleceram.
"Aliás, vamos preparar essas camisas para as famílias. Eles vão autografar e encaminhar camisa para cada um deles (famílias). São várias outras coisas que fazemos.
"Não vejo olharem o copo meio cheio. Mas só meio vazio. As pessoas sempre acham que pode ser feita outra coisa", disse o presidente Rolim, domingo, em entrevista à Rede Brasil.
Landim promete seguir lutando na justiça para 'pagar o que achar justo'.
Ele lida com famílias pobres, que tinham nos meninos a esperança de redenção na vida. E que já dependiam do pouco dinheiro que chegava deles.
Por isso, o Flamengo tem a seu favor o tempo.
E age de maneira cruel.
O clube pode ganhar todos os títulos que disputar sob o comando de Landim.
Mas no seu legado, quando sua vida for pesquisada, daqui a 50 anos, estará o incêndio, as mortes e a negociação mesquinha com as famílias dos mortos.
Fausto Silva desta vez está correto.
Não adianta o Flamengo tentar desviar o foco.
É desumana a postura da direção do clube.
Dez meninos morreram no dormitório oferecido pelo Flamengo.
O clube comprou, no dia 28 de janeiro, Gabigol.
Pagou cerca de R$ 80 milhões à Inter de Milão.
A folha de pagamento dos jogadores ficará em torno de R$ 14 milhões.
Serão gastos R$ 182 milhões só de salários aos jogadores, computado o décimo terceiro.
O que representariam R$ 60 milhões, diluídos nos próximos 31 anos, para o clube mais popular desse país?
Mas para dez familías seriam a garantia ao menos de uma vida digna, que sonhavam ter com os filhos, que jamais encontrarão novamente.
Fausto Silva está certo.
O Flamengo usa o Carioca e o Brasileiro.
Tentativa cruel e vã.
De desviar o foco dos dez meninos mortos...
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