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Cosme Rímoli - Blogs

Mortos revelam divisão em castas. Meninos nos piores alojamentos

Incêndio no Flamengo revela a terrível e discriminatória divisão. Os profissionais ficam confortáveis, seguros. Os garotos, os meninos, não

Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

Christian Esmério. Goleiro do Flamengo e da Seleção Brasileira sub-15
Christian Esmério. Goleiro do Flamengo e da Seleção Brasileira sub-15

São Paulo, Brasil

É uma velha tradição.

De todos os clubes grandes do Brasil.

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Os alojamentos tradicionais vão ficando velhos.


E os novos, modernos, com melhor aparato em todos os sentidos, principalmente segurança, ficam para os jogadores profissionais. Afinal, são 'patrimônios' que valem muito mais dinheiro do que os jovens garotos.

Dessa forma são criadas duas alas distintas.


Onde tudo é diferente.

Fisiologia, fisioterapia, departamento médico, qualidade dos gramados, até a alimentação.


A nova, com mais conforto, modernidade e segurança.

A antiga, não necessariamente ruim, mas de maneira assumida, abaixo do que é reservado aos profissionais.

Muitas vezes não ficam nem no mesmo espaço físico.

A dos jovens sempre mais longe do centro da cidade.

O futebol segue sendo uma maneira de ascensão social das camadas pobres, miseráveis deste país, como sempre foi. Com a recessão que o país está mergulhado, também se tornou tábua de salvação para famílias de classe média e até de privilegiados.

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Pais e mães são obrigados a se submeterem ao mesmo dilema quando seus filhos mostram talento. E são aprovados pelos clubes. Se quiserem ser jogadores de futebol precisam morar na concentração. A grande maioria dos grandes clubes do país tem seus garotos de outras cidades. E não há saída a não ser viver em alojamentos. E ver os pais só nas férias.

A responsabilidade por essas vidas passa a ser do clube que os acolhe.

Não há o menor questionamento sobre isso.

Arthur Vinicius. Completaria 15 anos amanhã
Arthur Vinicius. Completaria 15 anos amanhã

Todos os grandes jogadores da história deste país passaram por dificuldades nas categorias de base. Mesmo os de famílias abastadas, como Kaká, tiveram de conviver em ambientes mais simples, ruins.

Os clubes são entidades privadas.

E não precisam seguir de acordo de um único modelo.

Cada um constrói seu centro de treinamento como quiser, como puder.

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Como aconteceu em Mariana e Brumadinho, as vistorias acontecem.

A morte chegou para os meninos enquanto dormiam. Terrível
A morte chegou para os meninos enquanto dormiam. Terrível

Mas deixam profundas dúvidas para a sociedade sobre a seriedade, a constância com que elas acontecem.

Fatalidades acontecem, lógico.

Nessa sexta-feira de profunda dor, com dez mortes confirmadas e três garotos no hospital,um deles em estado gravíssimo, por conta de um terrível incêndio no Ninho do Urubu, a revolta e a tristeza tomam conta de quem leva a sério o futebol.

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Onde ficavam instalados os meninos das categorias sub-15 e sub-17.

Crianças e adolescentes.

O fogo começou e foi mais forte no alojamento dos jogadores da base. A ala velha do Ninho do Urubu. Local que seria desativado e demolido pelo clube. Para a construção de um local mais moderno.

Mas não houve tempo.

Pelo menos dez pessoas morreram. 

E eles vão deixando de ser números, começam a ter identidade.

O primeiro deles é o goleiro Cristian Esmério, goleiro da base.

As outras vítimas serão identificadas durante o dia.

Não ficarão enterradas na lama, 'desaparecidas', como em Brumadinho. 

Os bombeiros asseguram que muitas faleceram dormindo, inalando a fumaça tóxica.

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E outras queimadas.

Uma tragédia terrível.

E que só não foi ainda maior porque hoje não estava previsto treinamento na base.

Era folga.

Na noite de quinta-feira vários atletas foram dormir fora do Ninho do Urubu.

Em casa de amigos.

O que aconteceu precisa ser examinada em todos os detalhes.

O Flamengo é o clube mais popular deste país.

É, ao lado do Palmeiras, o mais rico.

Não é possível que um incêndio aconteça, de acordo com os bombeiros, por uma hora e 20 minutos.

O fogo esteja sem controle por tanto tempo.

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Como era o acesso à água?

O sistema elétrico da ala velha oferecia risco?

Como era protegida a cozinha e o gás do refeitório?

Havia brigada de incêndio, treinada?

Se houvesse tudo isso, dificilmente o incêndio atingiria tamanha proporção.

Os meninos do sub-15 do Flamengo. Vidas foram ceifadas pelo incêndio
Os meninos do sub-15 do Flamengo. Vidas foram ceifadas pelo incêndio

Aconteceriam tantas mortes.

Vale lembrar que as construções dos garotos eram diferentes daquelas reservadas aos profissionais.

O Flamengo é considerado uma das equipes com melhores instalações para os garotos no país.

Mesmo assim estão abaixo das oferecidas ao time principal.

Se essa situação acontece no Flamengo, o Ministério Público tem a obrigação de investigar e cobrar vistorias sérias e profundas nos clubes profissionais deste país.

Nas Séries A,B, C e D. As equipes que disputam os Estaduais. E também os Centros de Treinamentos de empresários, espalhados pelo Brasil.

São milhares de crianças expostas.

Muitas vezes à irresponsabilidade de dirigentes gananciosos que só se preocupam com os profissionais. Incompetentes. Ou corruptos, que desviam o dinheiro que deveria chegar até as instalações dos garotos.

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Isso sem falar nas repetidas e repugnantes denúncias sobre pedofilia.

No Brasil a história se repete.

São necessárias grandes tragédias para situações mudarem.

Não há prevenção séria em área alguma.

Só como terrível exemplo, no dia 9 de fevereiro de 2012, o garoto Wendel Venâncio da Silva, morreu fazendo testes no CT destinado aos garotos que tentavam a sorte no Vasco, em Itaguaí. Ele passou mal pelo calor, não havia sequer se alimentado no alojamento precário. E ainda não havia médico acompanhando o treinamento. E também nada de transporte do clube para o hospital mais próximo.

Wendel tinha problemas cardíacos e bronquite crônica. Qualquer exame simples e barato mostraria que ele não poderia nem pensar em disputar esportes de competição. 

A morte de Wendel, na época, provocou revolta no Ministério Público do Rio.

E a promessa que todos os clubes teriam de oferecer todas as condições de segurança aos meninos. As vistorias seriam rígidas e permanentes.

Tudo ficou apenas na promessa.

Os clubes grandes têm castas.

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Tudo para os profissionais.

E o que sobrar para os meninos, para suas crianças da base.

Os pequenos e os CT de empresários, nem isso.

Agora, como o Brasil já aprendeu muito bem, a mesma cena.

Resta chorar pelos mortos.

Ouvir das autoridades que tudo será diferente.

Os culpados serão punidos.

Até esperar outra tragédia para ganhar as manchetes.

Assim como o incêndio roubou a atenção de Brumadinho.

A sensação de que tudo poderia ter sido evitado prevalece.

TRÊS PONTOS: Tragédia no Flamengo: a busca por lucro vai eliminar quantas vidas?

A revolta não se desfaz no ar.

Principalmente para as famílias.

Que jamais esquecerão dos seus mortos.

Este é o roteiro repetido do nosso país...

(Publicação oficial do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.

"O Centro de Treinamento do Flamengo, localizado na Estrada dos Bandeirantes. 25.997 - Vargem Grande, está em processo de regularização junto ao Corpo de Bombeiros, o que significa que ainda não possui o Certificado de Aprovação (CA), que é o documento final emitido pela corporação.

O CA é a documentação que atesta a existência e o funcionamento dos dispositivos contra incêndio previstos pela legislação vigente. Não se trata de alvará de funcionamento (estabelecimentos comerciais) ou habite-se (imóveis residenciais). Estes documentos são emitidos pela Prefeitura.

Importante esclarecer que a não existência do CA não significa, por si só, que o local não possuía os dispositivos, e sim que não era aprovado pelo CBMERJ."

Ou seja, o CT não estava regularizado pelo Corpo de Bombeiros...)

Veja quem são as vítimas da tragédia no CT do Flamengo

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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