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Cosme Rímoli - Blogs

Mãe drogada. Abusada. Racismo. Pressionada, Simone não aguentou

A estrela das Olimpíadas teve uma vida terrível. Separada da mãe viciada, abusada sexualmente por médico do Comitê de Ginástica Norte-Americano, vítima de preconceito racial, cobrada por recordes. Desistiu de Tóquio

Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

Simone Biles não resistiu à pressão psicológica de ser a maior atração da Olimpíada
Simone Biles não resistiu à pressão psicológica de ser a maior atração da Olimpíada

São Paulo, Brasil

Simone Arianne Biles.

24 anos, ginasta, norte-americana, negra.

Vinte e cinco medalhas em Mundiais. 19 de ouro.


Nas Olimpíadas do Rio de Janeiro entrou para a história, com quatro medalhas de ouro e uma de bronze.

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Era a grande atração da Olimpíada de Tóquio.


A expectativa era para a conquista de quatro ou cinco medalhas de ouro. A imprensa norte-americana garantia que ela estava no auge da forma. E que iria aproveitar os holofotes para mostrar movimentos inéditos na ginástica olímpica. 

Iria além de onde ninguém foi. 


A pressão era imensa.

Ela chegou sorridente em Tóquio. Conversou, brincou com seus seguidores no Instagram. Comemorou o aniversário do seu namorado, que ficou nos Estados Unidos. Parecia estar no melhor momento de sua carreira.

Por trás das medalhas, do sorriso fácil, inúmeros traumas para a mulher de 24 anos
Por trás das medalhas, do sorriso fácil, inúmeros traumas para a mulher de 24 anos

Havia trocado a Nike, que fora sua patrocinadora por seis anos, por uma marca que prioriza as mulheres, Athleta, divisão da GAP. A troca foi milionária. E a escolha feminista.

Seria a Olimpíada de consagração.

Ela chegou a dizer ao New York Times que ela competia não só pelos Estados Unidos. Mas por todas 'garotas negras e pardas do mundo'.

E a decepção maior ainda, quando ela começou sua participação na prova em equipes.

Ela parecia muito insegura e cometeu erros incríveis para a maior ginasta de todos os tempos. Mesmo falhando, conseguiu se classificar para a final no salto, nas barras e no solo. A dificuldade dos seus movimentos garantiu notas suficientes para seguir adiante.

Mas chegou a final. E logo depois de um salto ruim, para os seus padrões, veio a desistência. O Comitê Olímpico Norte-Americano ainda tentou disfarçar, alegando que ela estava com problemas físicos. Mas depois a verdade veio à tona. 

"Assim que piso o tatami, sou só eu e a minha cabeça a lidar com demónios. Tenho de fazer o que é certo para mim e tenho de me focar na minha saúde mental. Temos de proteger a nossa saúde e o nosso bem-estar e não fazer apenas o que o mundo quer que façamos", disse Simone.

A desistência, em cima da hora, fez os Estados Unidos perderem o ouro, conquistado pelas russas.

Racismo é uma constante na carreira de Simone. E ela não teve medo de se posicionar
Racismo é uma constante na carreira de Simone. E ela não teve medo de se posicionar

Mas hoje viria a pior notícia para a organização das Olímpiadas de Tóquio. Simone Biles desistiu de competir também no individual. Ou seja, acabou a competição para ela.

"As Olimpíadas são muito pesadas. São muitas emoções envolvidas nisso. Posso falar sobre isso por uma hora. A maneira mais fácil de dizer isso é que acho que os atletas, e os atletas olímpicos de um modo geral, precisam de alguém em quem possa confiar. Alguém que possa nos deixar ser nós mesmos, ouvir e permitir que nos tornemos vulneráveis.

"Alguém que não vai tentar nos consertar. Carregamos muitas coisas e muito peso nos ombros. É um desafio, especialmente quando temos as luzes sobre nós e todas as expectativas que estão sendo jogadas sobre nós", disse o norte-americano Michael Phelps, que conquistou 28 medalhas para os Estados Unidos. comentando a Olimpíada em Tóquio, entendendo perfeitamente a Simone Biles.

Inúmeras pessoas que acompanham a norte americana brilhar, voar pelos aparelhos, no solo, com movimentos perfeitos, não têm ideia como foi sua vida.

Nascida em Ohio, sua mãe, Shannon, era dependente de drogas e álcool.

A justiça norte-americana tirou seus oito filhos e os enviou a orfanatos, quando Simone tinha três anos.

Seus avós decidiram criá-la, junto com a sua irmã mais nova, Adria. E as levaram para casa. A justiça a mantinha afastada da mãe.

"Quando era mais nova me perguntava o que teria sido da minha vida se nada disso tivesse acontecido. Ás vezes ainda me pergunto se minha mãe biológica se arrepende e se queria ter feito as coisas de forma diferente, mas evito me prender a essas perguntas porque não sou eu quem tem que respondê-las", já disse Simone.

Pobres, com medo da influência das drogas no bairro simples que moravam, os avós, que se tornaram seus pais legalmente, decidiram que ela iria só sair para estudar. 

Larry Nassar. Médico por duas décadas na ginástica feminina dos EUA. Abusou de Simone
Larry Nassar. Médico por duas décadas na ginástica feminina dos EUA. Abusou de Simone

O excepcional talento para a ginástica olímpica surgiu por obra do destino. Uma excursão de escola foi cancelada e o colégio onde estudava fez um passeio por um centro de ginástica. E ela levou para casa um bilhete. "Vocês já pensaram em colocar sua filha na ginástica olímpica?"

Ela gostava de correr e tinha uma facilidade incrível para dar piruetas. Os instrutores ficaram impressionados com seu potencial. Sua vida mudaria aos seis anos.

Com 1m42 e uma força física descomunal, pelas fibras curtas nas pernas e panturilhas, como demonstraram estudos sobre a atleta, sua carreira foi crescendo de forma assustadora.

Se tornou a principal ginasta norte-americana. O que foi excelente para Simone, com acesso aos mais modernos métodos de treinamento.

Ela só não disputou a Olimpíada de Londres porque não tinha a idade mínima, 16 anos.

Seu talento era considerado excepcional.

Mas, infelizmente, também a fez ter contato com o médico Lary Nassar. Por vinte anos ele foi médico do Comitê Norte-Americano de Ginástica Olímpica. 156 mulheres relataram abuso sexual por parte de Nassar.

Ele confessou. Abusava, tocava as meninas, nos exames, nos tratamentos.

Está preso na penitênciária de Segurança Máxima, de Coleman. 

Condenado a 175 anos.

Simone relevou em carta aberta o que sofreu com Nassar.

"Também sou uma das muitas sobreviventes que foram abusadas sexualmente por Larry Nassar. Acredite quando digo que já chegou a ser muito mais difícil expressar essas palavras em voz alta do que agora para colocá-las em papel. Existem vários motivos para eu hesitar em contar minha história, mas eu sei que não é minha culpa.

"Muitas vez eu me questionei. Eu estava sendo muito ingênua? Foi minha culpa? Agora eu sei responder a estas perguntas. Não, não foi minha culpa. Não, eu não devo carregar uma culpa que pertence a Larry Nassar, à USAG (Comitê de Ginástica Olímpico Norte-Americano) e a outros".

Não bastasse a mãe drogada, o abuso sexual, Simone era cobrada para ser ativista, representante das mulheres negras nas Olimpíadas.

Afinal, era a primeira atleta negra da história da ginástica olímpica dos Estados Unidos.

E era revelou que, assim que começou a colecionar vitórias, prêmios, medalhas, passou a sofrer racismo.

"Eu estava em um campeonato mundial, e o que virou notícia foi outra ginasta dizendo que 'se pintássemos nossa pele de preto' talvez todas ganharíamos porque eu a venci na disputa pela medalha, e ela ficou chateada."

Foi ginasta italiana Carlotta Ferlito, que a atacou no Campeonato Mundial de 2013 em Antuérpia, na Bélgica.

'Se pintássemos nossa pele de preto' talvez todas ganharíamos.' Carlotta Ferlito
'Se pintássemos nossa pele de preto' talvez todas ganharíamos.' Carlotta Ferlito

“Fora isso, acontece todos os dias”, disse Biles. “E eu sinto que todo atleta negro pode dizer que experimentou isso ao longo de sua carreira, mas nós temos que seguir em frente pelas crianças que olham para nós.”

Falando à revista Vogue, em agosto de 2020, ela foi direta. Precisamos de mundanças. Precisamos de justiça para a comunidade negra", disse, apoiando o movimento Black Lives Matters.

Fora tudo isso, ela tinha de conviver com dores frequentes, principalmente nos tornozelos.

Mas a cobrança maior era da imprensa norte-americana. Ela chegou ao Japão com a cobrança de bater todos os recordes possíveis de conquista de medalha em Tóquio.

E a atenção estava toda sobre ela.

Porque Tóquio deveria ser a última Olimpíada da carreira.

Simone não suportou tanta pressão. Tanta cobrança.

Mostrou ser humana. 

E desistiu de competir individualmente.

Simone Biles deixa a Olimpíada de Tóquio. O foco é na sua vida, sua sanidade mental
Simone Biles deixa a Olimpíada de Tóquio. O foco é na sua vida, sua sanidade mental

Tirou grande parte do brilho da Olimpíada de Tóquio.

Mas optou pela sanidade mental, por sua vida.

Por não manchar a carreira excepcional.

Basta conhecer um pouco da vida de Simone Arianne Biles.

E ficará difícil compreender como ela competia sempre sorridente, solícita, fabulosa ginasta.

Entender porque desistiu hoje é fácil...

Quem é Simone Biles e por que ela é tão importante para Tóquio 2020

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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